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      InícioOpiniãoHotel Central, o primeiro hotel-casino integrado de Macau

      Hotel Central, o primeiro hotel-casino integrado de Macau

       

      A convite de um amigo, tive o prazer de, com a minha mulher, pernoitar no icónico e recentemente renovado Hotel Central, antes da sua abertura ao público.

      O Hotel Central está situado na Avenida de Almeida Ribeiro, a principal zona comercial de Macau, sendo facilmente identificado pelo anúncio de néon “新中央” (Novo Central) no terraço. O hotel (então com 80 quartos) foi inaugurado em 22 de Julho de 1928 como “Hotel Presidente” pelo Governador Tamagnini Barbosa. Mais tarde, em 31 de Outubro de 1930, foi renovado e rebaptizado de “Grand Hotel Central” pela Companhia Iun Iun. O governo de Macau havia atribuído à Iun Iun uma concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, pela primeira vez em regime de monopólio, visando aumentar as receitas fiscais e estimular o crescimento económico.

      Em 1937, iniciou-se uma nova era quando a Companhia Tai Heng, a nova concessionária monopolista de jogos de fortuna ou azar em casino ligada a Fu Tak Iam e Kou Ho Neng, tomou posse e transformou o hotel, que reabriu a 18 de Maio de 1937 como “Hotel Central”. Durante 24 anos, sete meses e 13 dias (de 18 de Maio de 1937 a 31 de Dezembro de 1961) e após três contratos de concessão de jogos de fortuna ou azar consecutivos de três anos (1937-1946), seguidos de outros sete contratos consecutivos de dois anos (1946-1961), o Hotel Central constituiu um símbolo de luxo e elegância e o palco por excelência dos jogos de casino em Macau.

      O Hotel Central foi o primeiro destino em Macau a oferecer jogos de casino juntamente com outras atracções, prefigurando o que hoje é conhecido como “resort integrado” ou “IR”.

      O casino tinha um design luxuoso e clássico com uma gestão de vanguarda, funcionando no quarto e sétimo andares. A sua particularidade era a existência de pequenos cestos de verga que desciam por cordas das varandas circundantes. Estas varandas eram reservadas aos membros da alta roda chinesa, mandarins e outros altos funcionários que queriam desfrutar do jogo sem serem notados pela plebe. Utilizavam os cestos para colocar as suas apostas e entregavam-nas rapidamente ao croupier. Os empregados do casino trajavam uniformes verdes e brancos, cores que favoreciam o casino, uma vez que Fu Tak Iam, supersticiosamente, acreditava que o vermelho trazia má sorte e proibia o seu uso.

      O casino oferecia aos seus clientes (provindos principalmente de Hong Kong e da China continental) uma variedade de jogos, incluindo o fantan, cussec e p’ai kao. E fornecia gratuitamente cigarros, fruta, comida e espectáculos de ópera chinesa. O hotel tinha quartos luxuosos e contava com dez salas de jantar (com chefs de Guangdong), um jardim no terraço, sala de cinema (comparável às de Hong Kong ou Xangai), bar com mesas de bilhar, cabeleireiro, concertos ao vivo e clubes nocturnos com salões de baile (com dançarinas sempre prontas a dançar à hora ou à música) e espectáculos de cabaré, incluindo o afamado Grand Central Cabaret. Foi também o primeiro edifício em Macau a ter elevadores: dois, com capacidade para nove pessoas cada, utilizados por multidões que subiam para ver a vista deslumbrante do terraço. Além disso, foi o primeiro hotel a ter frigorífico, uma novidade na altura em Macau. No final dos anos 40 e nos anos 50, o sexto andar do hotel albergava o restaurante Golden City, considerado um dos melhores da cidade.

      O Hotel Central foi o primeiro arranha-céus de Macau e o edifício mais alto do Império Português, facto aproveitado pelo hotel na sua promoção. O edifício contava inicialmente com apenas sete pisos, tendo-lhes sido acrescentados mais quatro. Um em 1937 e os outros três decididos em 1941, devido à construção em curso do Hotel Internacional (um edifício Art Déco a poucos quarteirões de distância, no Porto Interior, também recentemente remodelado e reaberto como “Grande Hotel Macau”), projectado para ter nove pisos. No entanto, por razões de segurança, o governo de Macau indeferiu o projecto de ampliação, o qual só foi autorizado a avançar após recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.

      O Hotel Central tem uma história rica, com muitas estórias de intriga e perigo, particularmente durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), quando um grande número de refugiados inundou Macau. Sabe-se que espiões frequentavam os seus corredores (e jogavam). O hotel era também um local popular entre os gangsters, o que levou a ocasionais ataques bombistas. Embora estes ataques tenham causado apenas pequenos danos e nenhum ferido, houve vários suicídios de jogadores desesperados e alguns assassínios no interior do hotel.

      Serviu de cenário a vários filmes de cinema durante os anos 40 e 50, incluindo “Macau”, onde contracenaram actores famosos como Jane Russell e Robert Mitchum. Clark Gable, William Holden e Ian Fleming estão entre as celebridades que ficaram hospedadas no hotel.

      Encarregado pelo Sunday Times, em 1959, de explorar e escrever sobre catorze cidades fascinantes, incluindo Macau, Ian Fleming escreveu sobre o Hotel Central:

      O Hotel Central não é exatamente um hotel. É um arranha-céus de nove andares, de longe o maior edifício de Macau, e dedica-se exclusivamente aos chamados vícios humanos. Tem outra caraterística original. Quanto mais alto se sobe no edifício, mais bonitas e caras são as raparigas, mais altas são as apostas nas mesas de jogo e melhor é a música. Assim, no rés do chão, o cule honesto pode escolher uma rapariga da sua classe e jogar com cêntimos, fazendo a sua aposta com uma cana de pesca através de um buraco no chão para as mesas de jogo em baixo. Os que têm bolsos mais largos podem subir através de vários céus até chegarem ao paraíso terrestre, no sexto andar. Acima deste, encontram-se os quartos. Na busca de informações que tivessem interesse para os leitores do Sunday Times, era natural que, logo após a nossa chegada ao Hotel Central, Dick Hughes e eu apanhássemos o elevador para o sexto andar.”

      Em 1962, a concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino foi atribuída a outra entidade, a STDM, fazendo com que o Hotel Central entrasse em decadência lenta após o encerramento do seu casino. Em 2016, numa jogada ousada, o Grupo Lek Hang comprou-o por cerca de MOP$1.5 mil milhões (USD$187.5 milhões) e restaurou-o de acordo com o princípio “restaurar o antigo para o antigo”. Renovaram-no mantendo o seu encanto histórico, criando algo totalmente novo. Mesmo antes de abrir ao público, o hotel ganhou o prémio “Annual Designer’s Boutique Hotel” para 2024 no 19.º China Tourism and Culture Starlight Awards.

      O Hotel Central vai reabrir com 114 quartos temáticos de períodos específicos da sua história. O quinto e sexto andares são dedicados aos anos 20, privilegiando uma decoração confortável e descontraída. O sétimo e oitavo andares retratam a década de 30 através de registos, recriando os marcos históricos de Macau de há um século. O nono e décimo andares homenageiam os anos 40, construindo uma ponte entre o histórico e o contemporâneo Hotel Central. A vista panorâmica de 360 graus do passeio ao ar livre no terraço continua a ser deslumbrante.

      Integrando a memória colectiva de Macau, o Hotel Central é um excelente exemplo de iniciativas inovadoras que o governo de Macau deve fomentar, desenvolver e até patrocinar. Trata-se de iniciativas essenciais para conferir a Macau singularidade e identidade cultural, evitando que se torne numa extensão de Zhuhai ou num apêndice de Hengqin. Em particular, enquanto não é conhecido o que inclui o plano de investimento de MOP$142.65 mil milhões (USD$17.8 mil milhões) das ‘seis grandes empresas integradas de turismo e lazer’ para dez anos a partir de Janeiro de 2023, iniciativas como a do Hotel Central são fundamentais para o aspirado caminho da diversificação e para se dar um salto no objectivo de tornar Macau num verdadeiro centro mundial de turismo e lazer.

      O renovado Hotel Central é um testemunho da magia e da maravilha que podem ser alcançadas através da dedicação à excelência.

      Felicidades para o Hotel Central!

      [Nota: Grande parte dos factos mencionados foram retirados de um artigo escrito em coautoria com Pedro Cortés, intitulado “Uncle Stanley, The Dancing King of Gambling Who Promised and Delivered the Moon”, publicado na revista Gaming Law Review, vol. 23, n.º 3, de Abril de 2022].

       

       

      ANTÓNIO LOBO VILELA

      Advogado e autor do livro “Macau Gaming Law”

      (www.macaugaminglaw.com)

       

      Este artigo foi publicado originalmente em inglês na edição de Maio de 2024 da revista Macau Business (com o título “Hotel Central, Macau’s first integrated casino-hotel“).