A guerra na Ucrânia foi o 11 de Setembro da Europa.
Despertou-nos para uma ameaça que os políticos europeus e a própria NATO subestimaram em todas as suas várias dimensões.
Ameaça politica, energética, militar, mas também ideológica e sociológica. Só hoje começamos a encontrar soluções alternativas para fragilidades que são notórias.
O conceito estratégico da Aliança aprovado em 2022 em Madrid era claro: ”a zona euro-atlântica não está em paz. A segurança euro-atlântica é minada pela concorrência estratégica e pela instabilidade generalizada. A Federação Russa representa a ameaça mais significativa e direta à segurança dos Aliados.”
Percebe-se hoje que esta foi mais uma declaração de princípios do que uma directiva com consequências práticas. Nós europeus convencemo-nos que após o fim da União Soviética era possível encarar as relações com a Federação Russa comtranquilidade. Deixámos nas mãos dos EUA e da NATO a nossadefesa colectiva acreditando que os eleitores europeus recusariam uma politica de defesa mais efectiva e precavida.
Os europeus fixaram-se na distopia de um mundo pacífico, desnuclearizado em que os exércitos e o poder duro sãoinúteis. A diplomacia e a boa-vontade dos líderes mundiais basta.
A invasão russa da Ucrânia e antes a anexação da Crimeia veio mostrar que a Rússia não é um poder benigno e construtivo. Éum poder expansionista, militarista, agressor que se não for objecto de “containement”, depois de anexar a Ucrânia, avançará para a Roménia, a Moldávia, os estados do Báltico. O que irá pôr em causa a própria segurança da Europa e as suas actuais fronteiras. A Europa por responsabilidade de Ângela Merkel e Emmanuel Macron acreditou que Putin era um politico racional com quem se poderia dialogar e acertar posições.
Os líderes europeus esqueceram-se que Putin rejeitou a perestroika, a glasnost e acusou Mikhail Gorbachev de trair a Rússia e ter conduzido a União Soviética ao colapso. Aliás não foi por acaso que Gorbachev foi o único ex-lider que não teve funerais de estado no país dos Urais. Putin disse que o colapso da União Soviética foi “o maior desastre geopolítico do século 20.” E disse-o de uma forma assertiva por mais de uma vez. Daí se deveria inferir que Putin não reconhece a nova geografia europeia e tudo fará para devolver a federação russa ao seu “espaço vital”.
A história tem destas repetições e lembra-nos um outro líder militarista que levou a Europa à guerra para que a sua Deutschland tivesse o seu “espaço vital”, à custa dos países vizinhos. Comemora-se em Setembro próximo oitenta e quatro anos da invasão da Polonia pelos blindados da Alemanha nazi, um mês depois da assinatura do pacto Molotov-Ribbentrop que acertou a divisão da Polónia entre os dois poderes militaristas. A 3 de Setembro, a França e a Grã-Bretanha declararam guerra à Alemanha mas a ajuda prometida foi escassa. Seguir-se ia a ocupação dos Países Baixos e da França.
Nós europeus esquecemo-nos que líderes que se arrogam de missões históricas de rejuvenescimento da identidade da nação e de vingança de humilhações do passado, mais tarde ou mais cedo conduzem os seus povos à guerra e só param ou recuam quando são vencidos ou eliminados. A racionalidade cede passo à exaltação dos feitos militares e ao espírito de sacrifício dos combatentes. Para eles o sacrifício de vidas humanas não tem qualquer valor. Nem o apelo ao fim de bombardeamento de populações civis qualquer eco. Putin não quer saber disso, escarnece desse argumento que considera sintoma de fraqueza.
António Guterres e outros líderes pacifistas mundiais não percebem esta forma de pensar e ver o mundo. Porque para eles isso é ilógico, é contra o direito internacional. Mas Vladimir Putin não quer saber do direito internacional para nada e não teme vir a ser punido, bem como os seus cães de guerra, pelas continuas violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade. Acha-se impune. Como um deus governando o seu povo com mão de ferro, como Ivan, o terrível, ou GengisKhan.
A Europa está numa encruzilhada difícil. Ou leva a agressão russa a sério ou deixa-se enredar pela estratégia belicista de Putin. Não se percebe se as sanções aplicadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia estão a ter efeitos significativos. Aparentemente não estão. Hoje Moscovo encontra outros mercados para colocar o seu petróleo e gás natural e comprar matérias-primas sem depender dos países da União Europeia. Outros países noutras longitudes acorrem em auxilio da Rússia.
A Europa tem de confiar nas suas próprias forças, na integração económica, na força do seu modelo político e social, na aliança militar e de segurança que as suas nações têm com os Estados Unidos. Há cerca de um ano, 3000 militares da primeira brigada de combate da 82ª Divisão Aerotransportada do exército dos Estados Unidos foram enviados para a Polónia. Desde então, os E.U.A. reforçaram a sua presença militar na Polónia com o quartel-general da divisão avançada e o quartel-general do 5º Corpo em Poznań, aviões de combate F-16 em Laska e drones Reaper em Miroslavets. Além disso, mais 5000soldados da 82ª Divisão Aerotransportada foram enviados para a Polónia. Soldados do Canadá, da Croácia e da Roménia e da Alemanha foram também enviados para o país.
A Europa prepara-se para todos os cenários de desenvolvimento da guerra na Ucrânia. No pressuposto que a guerra será prolongada e a paz está longínqua.
A Europa é um espaço de liberdade que continua a ser uma referência primeira em todo o mundo. Segundo dados das autoridades nacionais e recolhidos pela Agência de Refugiados das Nações Unidas pelo menos 4,8 milhões de refugiados da Ucrânia já foram registados por toda a Europa, incluindo os queprimeiro fugiram para os países vizinhos e mais tarde seguiram para países europeus. Esse número crescerá no futuro.
Como disse Winston Churchill “todas as grandes coisas são simples, e muitas dela podem ser expressas numa única palavra: liberdade, justiça, honra, dever, misericórdia, esperança.” Este é o nosso tempo e maneira de viver.
Arnaldo Gonçalves
Jurista e professor de Ciência Política e Relações Internacionais