A obra versa sobre a vida do missionário jesuíta Bento de Góis que, em 1602, parte de Goa em busca do Cataio e de comunidades cristãs perdidas na Ásia. O livro “Bento Goes – uma longa caminhada na Ásia Central” é apresentado no Centro Cultural de Vila Franca de Campo, na ilha de São Miguel, e conta com a chancela da Letras Lavadas Edições.
O mais recente trabalho literário de Henrique Levy versa sobre a vida de Bento de Góis, o missionário jesuíta que nasceu nos Açores e morreu na China. O romance “Bento Goes – uma longa caminhada na Ásia Central”, com chancela da Letras Lavadas Edições, leva-nos até ao século XVII, quando o jesuíta, “vestindo-se com trajes de mercador, parte, em 1602, em busca do Cataio e de comunidades cristãs perdidas na Ásia” e será apresentado hoje, dia 24 de Março, pelas 18h (hora em Portugal) no Centro Cultural de Vila Franca do Campo, ilha de São Miguel, nos Açores. “Desde há muito tempo que a longa caminhada de Bento de Goes pela Ásia Central me inquietou e intrigou. É notável a vida deste açoriano, natural de Vila Franca do Campo, que parte em busca do lendário Grão-Cataio, reino onde se afirmava existirem comunidades cristãs nestorianas”, referiu ao PONTO FINAL o autor.
Frei Bento de Góis nasceu em Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, em 1562. De seu nome verdadeiro Luís Gonçalves, em 1582, após ter sido destacado para a Índia como soldado, abandonando uma vida boémia e licenciosa, ingressa na Companhia de Jesus, em Goa. Em 1588 adopta, por fim, o nome com o qual ficaria conhecido – Bento de Góis – e dedica-se à vida missionária em vez da ordem sacerdotal. “A corajosa aventura pedestre de Bento de Goes, que nasceu Luís Gonçalves, deu a conhecer, à Europa, a existência de reinos e estados até então desconhecidos. Para além deste grandioso feito, Bento de Goes foi também um linguista. Possuía um marcado conhecimento das línguas e das culturas de múltiplos reinos da Ásia. Falava persa, turco e outras línguas orientais”, afirmou Henrique Levy.
Em 1602, parte da antiga Índia Portuguesa em busca do Cataio – um nome alternativo para o norte da China, originário da palavra quitai – e de comunidades cristãs perdidas na Ásia. A grande odisseia – de cerca de seis mil quilómetros – para chegar até aos cristãos nestorianos não foi feita sozinha. Primeiramente, segue numa caravana que o levará até Cabul e daí parte em nova caravana, chegando a Sucheu, já na China, em 1605. Destaca-se que a maior parte do seu percurso foi realizado em territórios muçulmanos que, tal como hoje, não morriam de amores pelos cristãos. “A consistência da narrativa surge na voz de três mulheres que, durante os vinte anos em que Bento de Goes viveu em Vila Franca do Campo, nos dão conta da extraordinária aventura do herói. Neste romance esforcei-me por demonstrar que o herói, por tanto habitar o coração materno – os múltiplos corações maternos – , fez do mundo a sua mátria que vai percorrer até ao lugar do sol nascente, como se o fizesse na sua própria casa. As narradoras são três mulheres do povo e, através delas, se faz a representação cultural e literária dos Açores no século XVI – o tormento dos terramotos e dos vulcões, as tempestades que tudo arrasavam e obrigavam à reconstrução das casas e ao flagelo da fome, do isolamento e da solidão. Surgindo as vozes poéticas dos arquétipos da intimidade familiar, mais humana, a darem conta de um espaço e tempos percorridos, epicamente, indo do íntimo e familiar para o épico, e fazendo trança narrativa de ambos”, enfatizou o romancista.
UMA CHEGADA EFÉMERA
No início de 1606, Bento de Góis chegou a Suzhou, uma cidade da província de Jiangsu, junto da Muralha da China. Torna-se, então, no primeiro europeu, em muitos séculos, a atravessar a Ásia Central e a chegar à China pelo ocidente. “Embora a viagem de Bento de Góis seja uma das maiores explorações da história da humanidade, são poucos os que, actualmente, sabem quem foi este jesuíta”, pode ler-se na sinopse do livro.
Contudo, a chegada de Bento de Góis veio provar que o reino de Cataio e o reino da China eram afinal a mesma coisa, tal como a cidade de Khambalaik, relatada por Marco Polo nas suas aventuras, era efectivamente Pequim. Mas a estadia de Góis em terras chinesas durou cerca de um ano. Foi assaltado e ferido, acabou doente e sem meios de subsistência, o que comunicou em carta ao padre Matteo Ricci, na corte de Pequim, que enviou o João Fernandes, jesuíta de origem chinesa. Morreu a 11 de Abril de 1607.
Apesar da ligação profunda aos jesuítas e da chegada à China, Bento de Góis nunca esteve em Macau. “O objectivo era chegar ao Cataio, onde morreu, às portas de Pequim”, referiu ainda o autor ao PONTO FINAL, lamentando que o missionário tenha ficado esquecido nos anais da História. “O importante explorador foi votado ao esquecimento. A maioria das pessoas a quem perguntei quem era Bento de Goes não deu a resposta correcta. Salvo honrosas excepções, os açorianos não parecem fadados para dignificar os seus heróis, sejam eles exploradores, artistas, políticos ou poetas. Preferindo dar relevo a personagens que não sejam oriundas do arquipélago. Vá-se lá saber porquê.”
Henrique Levy nasceu em Lisboa, mas assumiu, desde cedo, a nacionalidade cabo-verdiana por causa dos avós. Há algum tempo a residir no arquipélago dos Açores, o escritor também passou por Macau, durante a Administração Portuguesa do território, onde, nos anos de 1980, foi professor na Escola Luso Chinesa de Coloane e na escola Luso Chinesa Sir Robert Ho Tung. É poeta e romancista, sendo autor de seis romances: “Cisne de África” (2009), “Praia – Lisboa” (2010), “Maria Bettencourt: diários de uma mulher singular” (2019), “Segredo da Visita Régia aos Açores” (2020), “Memórias de Madre Aliviada da Cruz” (2021) e “Vinte e Sete Cartas de Artemísia” (2022) – obra com o qual arrecadou o prémio Natália Correia de 2022 – e de sete livros de poesia: “Mãos Navegadas” (1999); “Intensidades” (2001); “O silêncio das Almas” (2015); “Noivos do Mar” (2017); “O Rapaz do Lilás” (2018), “Sensinatos” (2019) e “Poemas do Próximo Livro” (2022). Editou, em co-autoria com Ângela de Almeida, em 2020, o livro de poemas, “Estado de Emergência”. Editou e anotou “A Sibylla – versos philosophicos” (2020) de Mariana Belmira de Andrade, cuja primeira edição data de 1884 e tem contos, poemas e ensaios literários publicados em Jornais, Revistas e Antologias. Actualmente Henrique Levy, que também é professor universitário, coordena a Nona Poesia, a única editora açoriana dedicada exclusivamente à poesia.