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      InícioEntrevista“A vivência comunitária dos macaenses é imprescindível para manter a cultura”

      “A vivência comunitária dos macaenses é imprescindível para manter a cultura”

      A comunidade macaense em São Paulo, Brasil, está a sofrer um declínio na participação, particularmente entre as gerações mais jovens. As disputas internas, a pandemia e a falta de identidade cultural são factores e os maiores contribuintes. Para preservar o seu património, a comunidade tem de encontrar novas formas de se envolver.

       

      A comunidade macaense em São Paulo, no Brasil, já foi vibrante e unida, com actividades e encontros regulares e lotados. No entanto, as disputas internas e o impacto da pandemia fizeram com que a participação activa da comunidade diminuísse. A Casa de Macau de São Paulo tem actualmente 110 membros, contudo, estima-se que o número real de macaenses em São Paulo ronde os 300 a 400. A média de idade dos membros é bastante elevada e as gerações mais novas parecem estar a perder o interesse pela cultura e comunidade macaense. Embora São Paulo tenha uma comunidade macaense maior em comparação com outros estados do Brasil, a comunidade no Brasil como um todo é relativamente pequena em comparação com outros países. Em entrevista ao PONTO FINAL, Pedro Martins, cuja herança macaense remonta até Frederico Martins e Angelina Guerreiro, aprofunda a vivência macaense em São Paulo, bem como os desafios que ameaçam a preservação da mesma. Para salvaguardar a cultura macaense, Pedro acredita que a Casa precisa de envolver e educar os membros mais jovens sobre o seu património e reescrever a definição de “macaense”, num contexto de diáspora. Em geral, o jovem que viajou 17.970 quilómetros para estar presente no Encontro das Comunidades Macaenses de 2024 considera que são necessárias mais iniciativas para reavivar e fortalecer a comunidade macaense em São Paulo e no Brasil.

       

      Como é que descreveria a comunidade macaense em São Paulo, se é uma comunidade unida e se continua a manter a ligação a Macau?

      A comunidade macaense de São Paulo teve um momento inicial, principalmente com as primeiras gerações que chegaram no Brasil, muito rica. Foi muito viva. Chegaram nas décadas de 60 e 70, principalmente macaenses da geração da década de 30 e 40. Alguns trouxeram os pais e vieram também com os filhos pequenos e, até mais ou menos a década de 2000, a comunidade foi muito unida. Na década de 70 até à década de 90, eles se reuniam de uma maneira mais informal, eles usavam uma casa de algum macaense que tinha um espaço maior, chegaram a usar também a Casa de Portugal, lá em São Paulo. Eles tinham coral [coro], tinham actividades de culinária, se reuniam também em restaurantes chineses, eram muito vivos. O ápice dessa vivacidade da Casa de Macau de São Paulo ocorreu na década de 90, quando todas as casas de Macau ao redor do mundo receberam dinheiro para construir sua própria casa, isso foi o ápice. Era o momento em que eles mais se reuniram, tinham almoço todos os domingos, faziam coral, faziam danças, organizavam peças em patuá, esse foi o momento mais pujante da comunidade de São Paulo. De 2000 para cá, a comunidade macaense de São Paulo começou a viver um momento de queda nas suas interacções, na sua vivência. Eu atribuo dois factores principais para essa queda da pujança, uma delas foi a questão de disputas internas entre os membros que acabaram afastando uns e outros e também a pandemia, que fez com que pessoas com a idade já avançada perdessem o hábito de frequentar a Casa. Hoje, a Casa de Macau de São Paulo vive um momento de pouca vivacidade, que pode ser visto pelo facto de que só vieram seis pessoas de São Paulo para o encontro de macaenses desse ano.

       

      Como é que o Brasil, no geral, vê Macau?

      Macau ainda é muito desconhecido pelo Brasil. Ainda muito recentemente começaram a surgir na Internet vídeos de brasileiros que falam “olha, existe uma cidade no sul da China que fala português, que preserva o português…”, mas ainda é muito desconhecido. Ainda hoje o Brasil não dá tanta atenção quanto a própria China dá para a importância de Macau como plataforma de conexão entre os dois países. Macau ainda tem muito a ser explorado pelo Brasil, para entender essa integração lusófona, para parcerias de universidades, para organizações da media, para entender mais o papel de Macau nessa interação com a China. Nesse contexto, a comunidade macaense poderia ter um papel muito importante, até para fazer essa conexão mas, devido ao baixo número de macaenses perto da população brasileira, acaba que os próprios brasileiros, organizações de jornais, organizações académicas, o próprio corpo diplomático brasileiro, precisam de ter uma iniciativa maior e buscar Macau para explorar esse potencial.

       

      Nesse sentido, qual é o papel que a casa de Macau de São Paulo desempenha em São Paulo e, mais concretamente, no Brasil?

      A Casa de Macau de São Paulo originalmente era muito importante para manter a unidade e a convivência dos macaenses que foram para o Brasil nessas décadas de 60 e 70. Hoje o papel dela já se transformou muito, porque aqueles macaenses que vieram, muitos já estão com uma idade muito avançada e os filhos dele já não cresceram estão juntos, já não criaram laços de amizade como os pais criaram. Hoje ela já não tem mais um papel tanto de permitir a reunião de amigos, mas sim de preservar a vivência comunitária dos macaenses e dos filhos dos macaenses. Esse é o maior papel e o maior desafio dela, como fazer com que as novas gerações, as gerações que nasceram nas décadas de 70, 80 e em diante até a minha geração, consigam manter esse senso de pertencimento a Macau, esse senso de ser macaense por meio dessa vivência em comunidade? Da forma como tem sido vivido ultimamente, que é uma vivência mais individualizada, todos se consideram macaenses mas não têm uma vivência em comunidade. É muito fácil de se diluírem na cultura brasileira, acabarem, com o tempo, perdendo essa conexão com Macau. Macau acaba virando um rodapé na bibliografia deles e não mais algo do dia a dia ou algo que eles sempre se recordem. Eu vejo que a Casa de Macau de São Paulo é fundamental para permitir essa vivência comunitária, que preserva a identidade e o senso de pertencimento à comunidade macaense.

       

      Diria que São Paulo tem uma maior comunidade macaense que os outros estados brasileiros?

      No Brasil os únicos locais com comunidades significativas são São Paulo e Rio de Janeiro, outros estados têm, no máximo, um macaense. Do que eu tenho notícia, fora São Paulo e Rio de Janeiro, só o estado do Pará tem um macaense. Todos estão concentrados no Rio e em São Paulo. São Paulo tem uma comunidade maior do que a do Rio de Janeiro, foram muito mais macaenses para São Paulo, só que perto das comunidades dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Portugal, a do Brasil é muito menor.

       

      Quantos associados tem a Casa?

      Hoje tem 110 associados só que, para você analisar a comunidade macaense de São Paulo, não pode só se olhar para esse quadro de associados porque muitos macaenses, ao longo dos últimos 20 anos, saíram, se desassociaram da casa. Eu estimo que hoje, considerando todos os que nasceram em Macau ou têm alguma ligação com Macau, são em torno de 300 a 400, mas só um quarto disso é que realmente frequenta a Casa.

       

      Qual é a idade média dos associados?

      Dos que nasceram em Macau, a maioria deles está na faixa dos 80/90 anos. Existe também um número significativo que está na faixa dos 70, só que o grosso é realmente esses 80 e 90 anos. Os filhos desses macaenses, muitos dos quais também nasceram em Macau mas foram muitos jovens, com dois ou três anos para o Brasil, estão na faixa dos 40/50 anos. Considerando todos os associados, como esses macaenses, aos filhos deles e também agora os netos e bisnetos, acho que a média de idade deve ser em torno dos 30 a 40 anos.

       

      E a casa tem algum estímulo ou alguma meta para trazer mais jovens?

      O grande desafio disso é que nos últimos 20 anos da Casa de Macau de São Paulo, os jovens, tanto da faixa dos 40/50 anos quanto da minha geração dos 20/30 anos, perderam o hábito de viver Macau, de ir para a Casa, comer a comida macaense, ter contacto com o patuá, entender a importância dessa ascendência que eles têm. Isso fez com que eles perdessem o interesse de frequentar a casa. Aquelas pessoas que realmente frequentam os eventos, principalmente almoços, são todos idosos na faixa dos 80/90 anos. Os jovens perderam essa vivência. Isso é muito perigoso porque a vivência comunitária dos macaenses é imprescindível para manter a cultura, sem essa vivência a cultura vai se diluindo e vai-se perdendo ao longo das gerações. Para casa isso é uma missão imprescindível, se ela quiser continuar existindo nos próximos 20/30 anos. O desafio é como mostrar para esses jovens a importância de manter essa vivência macaense, convencê-los de que ainda que eles não tenham crescido em Macau, ainda de que nos ainda que nos últimos 30 anos ou 20 anos eles não tenham frequentado a Casa, é muito importante voltar a frequentar e manterem a cultura e a vivência macaense.

       

      Para além dos almoços, a Casa de Macau de São Paulo organiza mais actividades ou outros eventos para juntar a comunidade com a do Rio de Janeiro?

      Historicamente, principalmente quando as casas de São Paulo e do Rio foram construídas, o imóvel em si, tinha muitos intercâmbios entre as casas. Na Casa de Macau de São Paulo um dos grandes destaques em relação a outras casas do mundo é que tinha muitas peças escritas patuá. Nós temos uma senhora, já de uma idade muito avançada, chamada Maria, o apelido dela é Mariazinha, ela é macaense e ela é conhecida em São Paulo como a dama do patuá, porque ela escrevia muitas peças em patuá e direccionava essas peças. Fora de Macau, e talvez de Portugal, o Brasil era uma das únicas comunidades que tinha peças escritas e praticadas em patuá. Também tinha corais [coros] de macaenses que cantavam músicas em português, em patuá, em inglês, até em cantonense. Tinha danças também, peças teatrais, tinham muitas actividades que eram muito vivas, muito pujantes. Hoje, com a deterioração da comunidade, os eventos se resumiram mais a almoços, onde se celebra algum evento importante de Macau, o dia de Portugal, o dia de São João, o Natal, o Ano Novo Chinês, mas esses eventos se resumem só a almoços e a vivências compartilhadas. Já não existem mais peças, corais, todos aqueles eventos que você tinha no passado foram-se perdendo com o tempo.

       

      Nesse sentido, quais são as dificuldades pelas quais a Casa de Macau de São Paulo está a passar?

      Eu acho que tem várias dificuldades, mas que todas estão conectadas a dois problemas centrais, uma delas é a ausência dos mais jovens na casa, jovens tanto de 20 a 30 anos quanto 40 a 50 anos. É um problema muito grande, em que você tem uma predominância só dos mais velhos de 80 a 90 anos. Os jovens significam o futuro, sem jovens sem futuro, esse é um grande problema central. Os jovens perderam esse senso de pertencimento à vivência comunitária dentro da cultura macaense e da comunidade, esse é o principal problema. Além disso, eu também posso citar dois eventos que aconteceram nos últimos 20 anos que afastaram os próprios macaenses dessa faixa de 70 a 90 anos, que foram algumas disputas internas e também a pandemia. Esses dois eventos fizeram com que a própria comunidade, que antes era muito unida, também se afastasse. Isso faz com que se perca esse senso de pertencimento a Macau, tanto que um dos motivos além da idade avançada, além da distância geográfica, além da questão de adaptação, um dos grandes motivos para pouquíssimos macaenses terem vindo para o encontro de macaenses desse ano foi a distância uns dos outros dentro da comunidade. Essa falta de uma integração social fez com que eles não tivessem tanta motivação para vir ao encontro, algo que no passado, por exemplo no encontro de 1998, vieram mais de duzentos macaenses de São Paulo e agora vieram cinco. Isso é algo gravíssimo. Eu cito uma questão, agora mais da identidade macaense, que é um tópico importante que várias Casas ao redor do mundo abordam. Hoje a comunidade macaense tem um desafio muito grande de actualizar o termo “macaense”, ou seja, o que é que significa ser macaense? A definição é dinâmica, ao longo da história ela foi se actualizando a cada realidade histórica. Nos últimos 400 anos foi-se adaptando o significado de ser macaense e hoje o grande desafio é como definir macaenses englobando a grande diáspora. É a primeira vez na história que existem mais macaenses na diáspora do que macaense Macau, é muito importante que as novas definições de macaense englobem as realidades da diáspora. No caso da de São Paulo, especificamente, um dos desafios de definir o que é ser macaense é entender que, agora em São Paulo, etnicamente os macaenses se diluíram muito. Todos os filhos dos descendentes de macaenses que nasceram a partir da década de 70 e 80 tem só um dos pais macaense, o outro pai é de uma outra etnia. Isso é um desafio muito grande porque como é que você vai definir macaense considerando essa realidade, considerando essa questão da ascendência? Pensando nos macaenses como um todo, tanto a comunidade de São Paulo quanto a do Rio de Janeiro ou a da Austrália, têm uma característica actual, são multinacionais, são globalizados. Todas estão inseridas em culturas muito diferentes, mas estão unidas por esse senso de pertencimento a uma tal. Aqui eu cito dois autores muito importantes da comunidade macaense que nos ajudam a actualizar o significado de ser macaense. Um deles é o Jorge Rangel, que no encontro de macaenses deste ano falou uma frase muito interessante que é a seguinte: “Macaense somos todos nós.”. Todos nós temos um senso de pertencimento a Macau. Isso é muito importante porque essa definição abrange a realidade das diásporas, as pessoas que não nasceram em Macau ou não cresceram em Macau, mas que querem preservar esse senso de identidade macaense. O outro autor também se chama Jorge, Jorge Morbey. Ele foi ex- presidente do Instituto Cultural de Macau e também escreveu alguns artigos, nos quais disse que macaenses são tanto aqueles nascidos em Macau, quanto aqueles nascidos na diáspora, na diáspora mais antiga como a de Xangai, da Malásia, de Goa, de Portugal, quanto da nova diáspora, que são aqueles nascidos nos Estados Unidos da América, no Canadá, no Brasil. Essas duas definições que eles dão, tanto a de Rangel de “macaenses somos todos nós”, quanto a de Morbey de considerar macaense todos os filhos da diáspora, são fundamentais para darem conta dessa nova realidade dos macaenses.

       

      E questões financeiras, não têm sido um problema para a casa?

      Uma realidade muito particular das Casas de Macau do Brasil é que, pensando nos encontros, tanto de jovens quanto das comunidades, o custo de viagem é o maior de todas as Casas do mundo, porque como não existe um voo directo do Brasil para a China, para Macau, para Hong Kong. É sempre preciso fazer um grande voo primeiro para Europa, Estados Unidos, Oriente Médio ou até África e depois outro até Hong Kong ou Macau. Esses dois voos que são necessários, do Brasil para algum lugar no meio do caminho e desse lugar para a China, tornam as viagens muito caras. Eu estava conversando com o pessoal da comunidade dos Estados Unidos e eles precisam de um voo só, existem voos de São Francisco para Hong Kong directos, até o pessoal de Portugal também tem voos mais curtos ou com menos paradas [escalas]. No caso do Brasil não, são dois voos muito grandes e isso encarece muito as vindas a Macau. Pensando também nos custos para a própria vivência comunitária lá no Brasil, isso também é um outro grande desafio. As Casas têm um custo de manutenção muito alto. A Casa de Macau de São Paulo é um terreno muito grande, exige muita manutenção, muita limpeza, muita conservação. A do Rio de Janeiro também, eles também tiveram vários problemas durante a pandemia de roubo, de furto, que exigiram uma reconstrução e uma reforma. Todos esses custos acabam prejudicando muito a vivência comunitária. Essa questão financeira afecta muito tanto a vivência do dia-a-dia quanto a participação nos encontros de jovens e de comunidades.

       

      Essas questões foram participadas ao Governo?

      Até onde eu conheço, São Paulo não tem uma cultura de solicitação de ajuda ao Governo. Isso será algo por enquanto muito difícil de se pedir, até porque a comunidade macaense é diferente de outras comunidades, ela é muito pequena, nunca teve uma participação tão grande junto ao Governo como a comunidade italiana, a comunidade arménia ou até a própria comunidade portuguesa. A comunidade macaense sempre foi muito pequena e nunca teve ligações muito fortes com pessoas do Governo. Acredito que é um desafio também global das comunidades macaenses, como repensar a sua gestão financeira, criar um fundo para administrar o património, conseguir ter um retorno financeiro frequente, conversar com as instituições de preservação da cultura como a Fundação Oriente, o Conselho das Comunidades Macaenses, o Instituto Internacional de Macau, para criar uma nova perspectiva de gestão financeira para a manutenção das Casas. Inclusive, até no encontro das comunidades macaenses, o presidente da Fundação Casa de Macau teve uma reunião com os representantes de cada Casa de Macau e apresentou essa questão de busca de um maior diálogo com as Casas para dar mais apoio financeiro e apoio logístico.

       

      O diálogo com outras Casas de Macau é algo constante ou apenas revivido quando se encontram?

      Antigamente, principalmente com a Casa de Macau do Rio de Janeiro, o diálogo era algo mais institucionalizado. Você tinha a Casa de Macau de São Paulo enquanto instituição entrando em contacto com as outras casas. Hoje, esse contacto ficou muito individualizado. Por exemplo, algum macaense de São Paulo vai para o Canadá e vai visitar a Casa de lá, ele vai individualmente, não vai representando a Casa. Não existem excursões. Isso é uma coisa também muito triste, porque essa relação das casas a um nível mais institucional permitiria muito mais parcerias, seja parcerias financeiras ou parcerias logísticas. Por exemplo, no encontro de macaenses deste ano eu notei que as Casas dos Estados Unidos são as majoritárias [maioritárias], acho que 70%-80% dos macaenses que vieram ao encontro estão associadas a essas Casas. Eles poderiam ajudar bastante as outras Casas que têm menos pessoas, seja por exemplo, dando dicas de endereços de hotéis, dicas de passagens aéreas [bilhetes de avião], confraternizações, almoços. Essa falta de um diálogo institucional entre as Casas prejudica muito parcerias que poderiam ser muito ricas para a comunidade. Eu até conversei também com os macaenses da casa do Rio de Janeiro e muitos deles que são mais velhos, na faixa dos 60/70, mencionaram que no começo, quando as Casas foram construídas, tinham um diálogo muito forte entre elas e isso inclusive facilitava muito as viagens para os encontros da época, facilitava muito a compra de passagens aéreas, facilitava muito a parceria que estabeleciam para ter uma melhor estadia em Macau. Isso era muito mais rico, tinha um potencial muito maior para preservação e vivência da comunidade.

       

      Tem falado muito acerca das questões identitárias da comunidade macaense, particularmente entre as gerações mais jovens. De que forma é que a identidade cultural tão vincada do Brasil interage com a identidade macaense da diáspora que lá vive? Afecta-a de qualquer forma? É um factor de dissuasão para os jovens?

      É muito interessante essa pergunta porque no Brasil pode-se notar, com a adaptação da comunidade macaense ao local, que essa adaptação foi tão forte, essa integração sociocultural foi tão forte, que ela ameaça diluir a cultura macaense. Corre-se o risco da comunidade macaense de São Paulo acabar se diluindo facilmente na cultura brasileira. A cultura brasileira é muito semelhante à cultura macaense nas questões essenciais, na língua, na religião católica. O facto de Brasil ter um povo muito miscigenado acabou integrando os macaenses de uma maneira muito forte, muito tranquila. Uma expressão forte dessa diluição da comunidade macaense é o facto de que não houve um único casal da comunidade macaense, da geração nascida depois da década de 70, que casou e teve filhos. Todos os macaenses que nasceram no Brasil a partir da década de 70, hoje estão casados com outros brasileiros e tiveram filhos que já só têm um dos genitores [progenitores] macaense. Esse é o maior exemplo dessa integração muito forte na sociedade brasileira. Essa integração muito forte é um desafio ainda maior para a comunidade macaense, para fazer com que os jovens tenham um senso de pertencimento a Macau. Eu ouvi relatos de algumas das Casas de alguns outros lugares do mundo que, por serem compostos por mais macaenses, houve muitos casamentos dentro da comunidade. Isso no Brasil, tanto por causa dessa integração cultural quanto pelo menor número de macaenses, acabou não ocorrendo e acabou sendo um desafio muito grande para esse senso de pertencimento.

       

      Diria que a questão da distância entre o Brasil e Macau também pesa nesse desafio?

      É uma questão logística, de Macau ser muito longe e de não ser muito fácil viajar até aqui. Em média, de São Paulo até Hong Kong ou Macau, considerando todo o esforço logístico, se gasta em torno de 30 horas. 30 horas é muito tempo, não só pela questão de tempo como pela questão financeira. Isso também acaba afastando muito as pessoas de Macau, fora também os outros problemas que nós abordámos.