Na apresentação do livro “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos”, o antigo secretário-adjunto do Governador de Macau entre 1986 e 1987, António Vitorino, admitiu sentir alguma apreensão face ao que vive Hong Kong e de que forma isso poderá ter impacto em Macau.
“Não podemos ignorar que estamos inseridos num mundo global onde se avolumam os sinais de tensão, fractura e, nesse sentido, obviamente que há apreensão em geral e no caso específico de Macau”, admite o antigo secretário-adjunto do Governador de Macau entre 1986 e 1987, António Vitorino, ao PONTO FINAL, à margem do lançamento do livro “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos”.
O ex-ministro da Defesa e da Defesa Nacional de Portugal fez a apresentação da publicação, no dia 9 de Dezembro, na Biblioteca Palácio Galveias, numa sessão que contou com a presença de vários ilustres com importância no processo de transferência de administração do território, que aconteceu a 20 de Dezembro de 1999.
Para António Vitorino, a transferência de administração de Macau é uma “história de sucesso”, por terem sido criadas “as condições de autonomia para que a RAEM seja aquilo que as suas populações pretendem fazer do território”. Ainda assim, “as condições políticas são o que são”, diz ao PONTO FINAL. Na apresentação que fez do livro “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos”, o antigo governante português admitiu sentir alguma apreensão face ao que está a acontecer no território vizinho, “num comprimento de onda de potência global, que não tem feito sentir-se em Macau, na medida em que o território tem sido ‘utilizado’ pela China como uma porta de ligação para os países de expressão oficial portuguesa”, refere.
Além dessa apreensão, António Vitorino revelou ainda sentir alguma “nostalgia” pela Macau que conheceu na altura e também pela China desse período, “que não tem nada a ver com a China de hoje e deixa marcas de saudade”.
Ainda assim, afirmou, sente que Macau é uma história de sucesso e que “há um dever cumprido para com as comunidades de Macau, particularmente para com a comunidade macaense” e também para com “a espantosa história da presença de Portugal e Macau”.
25 anos, 25 testemunhos
Na apresentação de “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos”, António Vitorino destacou os 25 testemunhos de pessoas com importância neste período da história de Macau e de várias perspectivas. Inserindo-se num tempo longo, por se projectar num período de 50 anos, começando com a transição de regimes em Portugal, sobre o qual fala o antigo Governador de Macau, Garcia Leandro, entre 1974 e 1976, mas também se foca nas negociações da Declaração Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, englobando ainda o período que vai da assinatura deste acordo até à aprovação da Lei Básica da RAEM e, por último, a fase da transição, que vai até Dezembro de 1999.
Olhando hoje, 25 anos depois da transferência de administração, para Macau, António Vitorino afirma que se trata de “uma história de sucesso, com vicissitudes, com certeza, aliás vicissitudes do lado chinês e do lado português”. Folheando o livro, o antigo governante português afirma que, em primeiro lugar, sempre houve “a procura do bom entendimento entre Portugal e a China, que foi sempre uma preocupação do lado português ao longo da negociação da Declaração Conjunta e depois durante o período de transição, com alguns ‘quid pro quo’, sobre a diferente interpretação entre Portugal e a China sobre as razões da nossa presença multissecular no território de Macau”.
Em segundo lugar, continuou António Vitorino, destaque-se a “concordância entre os órgãos de soberania portugueses”, que, na sua opinião, “funcionou sempre em relação a Macau”. Esse entendimento deveu-se ao “sentido de Estado e de responsabilidade”, mas também à necessidade de demonstrar que “Macau não seria equiparável ao processo de descolonização das ex-colónias”.
Já a terceira dimensão, que António Vitorino destaca, prende-se com a preocupação que todos manifestaram “em preservar as condições de estabilidade no território e criar as melhores condições para que o território se pudesse afirmar com autonomia, a autonomia de Macau.”
As dificuldades na negociação
António Vitorino, que foi membro do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, mencionou ainda três tópicos difíceis de negociar com a República Popular da China. “O primeiro diz respeito ao património construído”, afirmou, explicando que foi difícil fazer compreender a parte chinesa de que havia um património construído em Macau e “Portugal queria garantias de que não ser subvertido”. O segundo ponto diz respeito ao papel da Igreja Católica e a ligação ao Vaticano da Diocese de Macau. “Foi possível negociar o estatuto, não estava apenas ligado à prática do culto, era importante a sua presença no ensino no território de Macau”, afirmou. Afinal, uma característica importante do ensino no território era “ter sido feito por instituições ligadas à Igreja Católica”.
Por último, houve um terceiro ponto de difícil negociação, que diz respeito à questão da nacionalidade, sobretudo considerando que a legislação chinesa não reconhecia a possibilidade de dupla nacionalidade.
Editado pela Âncora Editora, o livro “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos” teve a coordenação da antiga presidente da Teledifusão de Macau (TDM), Maria do Carmo Figueiredo, e reúne os testemunhos de Adriano Jordão, Ana Paula Laborinho, Aníbal Cavaco Silva, António Caeiro, António Noronha, António Ramalhos Eanes, Carlos Cid Álvares, Carlos Monjardino, Eduardo Marçal Grilo, Gilberto Lopes, João Charters de Almeida, Joaquim Chito Rodrigues, Jorge Rangel, Jorge Silva, José Avillez, José Garcia Leandro, José Rocha Dinis, José Rodrigues dos Santos, Maria Alexandra Costa Gomes, Maria Celeste Hagatong, Pedro Catarina, Pedro Pauleta, Peter Stilwell, Rui Martins e Vasco Rocha Vieira.
A escolha dos nomes envolvidos foi “pessoal”, diz a coordenadora, admitindo que alguns eram incontornáveis, como os anteriores Governadores de Macau, Rocha Vieira e Garcia Leandro, e o Presidente da República da altura, Ramalho Eanes, e o então Primeiro-Ministro, Cavaco Silva. O livro “Macau entre Portugal e a China: 25 testemunhos” será ainda apresentado em Macau, na Livraria Portuguesa, no dia 18 de Dezembro, dois dias antes da celebração dos 25 anos da RAEM.