Antes de engendrarmos um mundo onde quase tudo é descartável, o desperdício era coisa de gente rica. O resto das pessoas tirava o máximo partido das (poucas) coisas que podia possuir, sobretudo por necessidade absoluta, mas também porque não teria sentido ser de outra maneira. Com a elevação do consumo a modo de vida supremo, o desperdício fez-se símbolo de bem-estar social e exibição de status, até que se banalizou, passando a integrar a própria produção e deixando atrás de si um imenso rasto de contradições sociais, para não falar do impacto ambiental. Neste já não tão novo mundo, o desperdício é agora muitas coisas, desde logo campo fértil para a análise sociológica, e pode chegar a ser a sobrevivência de quem pouco apreço tem pelo sistema que assim se sustenta. É esse o caso de José Viriato, personagem central do novo romance de Isabela Figueiredo, escritora que tem vindo a pontuar o cenário literário português com obras firmes e duradouras, sem o fogo de artifício que tantas vezes rodeia supostos fenómenos literários incapazes de deixar rasto. Um Cão no Meio do Caminho é um livro duro, obstinado na sua procura pelo que há nas esquinas menos visíveis do que somos, terno no modo como se adentra nas vulnerabilidades e nelas encontra sinais de uma humanidade que às vezes tentamos disfarçar. Sobre isso mesmo conversámos com a autora, numa entrevista via zoom que nos concedeu a partir do seu refúgio alentejano, longe da confusão e dos tantos desperdícios que a cidade alberga.
Entre os muitos textos sobre a China que se guardam nas bibliotecas do mundo, tanto mais inacessíveis quanto a sua antiguidade os afasta do mercado editorial, Paul French decidiu escolher alguns e disponibilizá-los aos leitores contemporâneos. «China Revisited» é o nome da colecção que agora inaugura na Blacksmith Books, editora de Hong Kong, focando-se em textos dedicados a Hong Kong, Macau e ao sul da China. Os primeiros três títulos já estão nas livrarias e são motivo para uma breve conversa com o escritor e agora editor desta empreitada de louvar, que estará na Livraria Portuguesa no próximo dia 3 de Março, para conversar com os leitores de Macau.
Neste número, já não contamos com a crónica poético-fotográfica com que Yao Feng nos brindou ao longo de tantas edições, contribuição que aqui agradecemos calorosamente, deixando ao autor a sugestão de uma reunião em livro que dê a esse trabalho a perenidade que a imprensa periódica, já se sabe, não permite. Passaremos a contar com um novo espaço de crónica, assinado por Dora Nunes Gago, que se estreia nesta edição com uma revisitação da Istambul de Orhan Pamuk e nos há-de levar a vários outros autores e geografias, nem sempre registáveis num mapa. Viajemos, então.