Foram sete dias de muito convívio e de voltar a cruzar-se com amigos e família. Os participantes afirmam que o Encontro das Comunidades Macaenses de 2024 foi um sucesso e falam, até, que deverá haver uma repetição daqui a três anos, ainda que refiram alguns pontos menos positivos relativamente a edições anteriores.
Decorreram cinco anos desde o último Encontro das Comunidades Macaenses e os participantes estavam entusiasmados por conviverem de novo, depois de um interregno causado pela pandemia de COVID-19. Mas, apesar de muito satisfeitos pela oportunidade, os inquiridos pelo PONTO FINAL acabaram por destacar que, em comparação com edições anteriores, houve algumas diferenças: menos actividades organizadas e iniciativas para os jovens, além de mais burocracia. Ainda assim, tudo parece indicar um reencontro daqui a três anos.
Para o presidente do Conselho das Comunidades Macaenses, José Luís de Sales Marques, o Encontro, que aconteceu entre 30 de Novembro e 6 de Dezembro, foi um sucesso. “O que tivemos em Macau foi um grupo bastante grande de macaenses — 1.200 vindos de fora, o que é um número realmente impressionante, considerando que os bilhetes continuam caros de avião, a viagem é muito prolongada e muitos dos nossos conterrâneos já têm alguma idade avançada”, diz.
No fundo, notou-se que, entre os macaenses na diáspora, “havia uma grande vontade de regressar a Macau e visitar os seus familiares, mas, sobretudo, estar aqui”, refere Sales Marques. É, na verdade, uma das características mais fortes da diáspora, “o apego à terra, a ligação a Macau e tudo aquilo que isso significa.”
Fazendo um balanço positivo da iniciativa, o dirigente considera que os números foram bastante significativos, notando-se ainda uma “grande participação dessas pessoas” nos eventos principais. “Parece que os Encontros já começaram a ser uma tradição e não apenas algo que acontece, ocasionalmente”, refere. “Esperamos que se repitam no futuro com essa mesma regularidade”, acrescenta.
Quanto aos programas dos Encontros, serão sempre adaptados em função de diferentes factores. “Nós tentamos sempre incluir uma vertente da actualização dos participantes relativamente às grandes novidades de Macau e nas nossas redondezas, nesta área da Grande Baía, por isso, incluímos uma visita à Ilha da Montanha, que foi um pouco curta, talvez, mas não deixou de despertar os participantes para uma nova realidade”, diz Sales Marques, destacando este ponto do programa.
Outra área importante diz respeito à parte cultural e, na última edição, houve uma iniciativa que acabou por ser cancelada. “Não conseguimos organizar o concurso de gastronomia por falta de participação e isso é um ponto de preocupação nossa”, refere.
Tratando-se a gastronomia macaense de património intangível de Macau e da própria China, o dirigente considera que “devia haver um esforço conjunto maior de toda a gente, eventualmente com o apoio do Governo e de outras entidades, para alimentar isso na diáspora”. Afinal, essas tradições passam de família em família e há que assegurar uma continuidade, sob pena “de se perder muito daquilo que é o enriquecimento da própria gastronomia.”
Outro ponto que Sales Marques gostaria de ver reforçado no futuro são as “iniciativas culturais” ligadas a temáticas como a história e a identidade de Macau. “Julgo, até, que deveria haver alguma pré-organização nas próprias Casas, para serem mais vivas e participativas”, sugere. O resto está relacionado “com as condições materiais reunidas na altura”, até para organizar esses eventos. “Há alturas em que essas coisas se fizeram talvez em maior escala, outras, como desta vez, em que não foi preciso fazer em tão grande escala, mas, trabalhando em conjunto com outras associações/organizações, como o Instituto Internacional de Macau e também a Associação dos Jovens Macaenses”, diz ainda. Recorde-se que o Conselho das Comunidades Macaenses acumulou um subsídio de 2,9 milhões de patacas da Fundação, 2,6 milhões dos quais corresponderam a um apoio para o Encontro das Comunidades Macaenses.
1.400 pessoas no Encontro
Para o presidente da Casa de Macau em Portugal, o Encontro que aconteceu em Novembro correu bem, uma vez que “estavam 1.200 pessoas da diáspora mais 200 de Macau”. Olhando para as diferentes Casas da diáspora, Carlos Piteira refere que o maior número veio dos Estados Unidos. “São três Casas e levaram quase 200 pessoas; a seguir viemos nós, que conseguimos levar 120 pessoas, uma comitiva bastante representativa”, afirma.
No que toca a um equilíbrio entre os pontos positivos e negativos, o dirigente refere a “manutenção de um Conselho de Comunidades Macaenses na RAEM”, como sinal de que se “dá algum relevo à dispersão das Casas de Macau pelo mundo fora, e que são 13 ao todo.”
Olhando para a comunidade macaense pelo mundo, Carlos Piteira reflecte sobre as diferentes origens. “Obviamente que temos, entre elas, uma comunidade anglófona, que começa logo em Hong Kong e depois vai pelo Canadá, Estados Unidos, Austrália, e depois uma corrente lusófona”, diz, deixando no ar a pergunta: “Como a comunidade vai buscar esta dualidade e depois tem este sentimento de pertença quando chega a Macau?”
Por outro lado, quanto aos aspectos menos conseguidos, o presidente da Casa de Macau em Portugal afirma que “não se conseguiu aquela aglutinação”, para que todos se juntassem e assumissem “uma posição mais alinhada”. Tratando-se este Encontro de um possível “último” ou “o primeiro de outra lógica de Encontro dos Macaenses”, Piteira afirma que “esta linha divisória acabou por não se conseguir marcar”. Aliás, do programa, diz, a “parte cultural do Instituto Internacional de Macau foi a única que levantou algumas oportunidades de reflexão, mas também muito padronizada por aquilo que é o senso comum”. Faltou, assim, abordar aqueles que, na sua opinião, são os “pontos fracturantes”, como “o futuro de Macau e dos macaenses”.
Outro aspecto menos bem conseguido foi o peso que se sentiu de uma maior burocracia. “Em edições anteriores, a RAEM dava uma determinada verba, o Conselho distribuía essa verba pelas Casas de Macau e nós tínhamos autonomia para fazer a gestão do Encontro, atribuindo os subsídios”, diz. Contrariamente, desta vez, a Fundação Macau optou por fazer uma auditoria bem pesada. “Esta nuance revela uma intromissão, aquele controlo por parte do sistema chinês sobre uma coisa que não era assim que funcionava”, acrescenta.
O presidente aproveitou o momento também para lançar um repto: “Haver, pelo menos uma vez por ano, no Dia de Macau, uma coisa que todos nós fizéssemos e partilhássemos com as outras Casas, pelo menos no sentido de salvaguardar aquilo que é a nossa afirmação identitária no Dia de Macau e estarmos interligados numa rede. O problema aqui são os recursos [que cada Casa tem].”
Resumindo, para o dirigente, seria importante que se aproveitasse o evento também “com o espírito de trabalho”, procurando que dali saísse um “manifesto qualquer que fosse útil para todos”, para além de serem capazes de abordar “as tais temáticas fracturantes”. Por exemplo, um ponto que ninguém quer abordar, mas que, na sua opinião, precisa de ser falado: “A matriz portuguesa salvaguarda muita coisa, mas esquecemos que a matriz chinesa é que nos marca a educação. O que um macaense também deve à cultura chinesa?”.
Voltar a Macau para a ligação às raízes
O vice-presidente do Clube Lusitano da Califórnia, nos Estados Unidos, Leonardo Xavier, também esteve presente na última edição do Encontro das Comunidades Macaenses. “Já fui a quatro: dois dos jovens e dois normais”, recorda.
Enquanto elemento de uma das maiores comunidades na diáspora, Leonardo diz que o objectivo de cada um na participação destes eventos é “contactar com as raízes da sua história de família”. Muitos desconhecem a sua “linhagem macaense”, enquanto outros estavam à procura de voltarem a ter contacto. De qualquer maneira, comparando esta edição com anteriores, o dirigente refere que notou “menos actividades e eventos”, o que é compreensível, na sua opinião, considerando “que há um financiamento da China”, apesar de ser visível o interesse por parte do país asiático em “manter a relação com a comunidade portuguesa.”
Salientando que é “vital” a manutenção destes Encontros para assegurar “que as tradições e o património de Macau estão vivos”, alerta que se trata de “uma diáspora com poucas possibilidades de sobrevivência”, dados os números. “Realisticamente falando, há apenas uns quantos macaenses ainda dentro e fora de Macau”, diz. O Clube Lusitano da Califórnia representa, na verdade, uma das maiores comunidades de macaenses espalhados no mundo, com 1.000 membros, e procura manter “a cultura e as tradições vivas”.
Mas o Encontro das Comunidades Macaenses acaba por ajudar a que as conexões entre os diferentes elementos da comunidade, espalhados pelo mundo, se mantenham. “Temos um grupo de pessoas da diáspora, a que chamamos primos”, diz, acrescentando: “Já fiz amigos da Austrália, Canadá, Portugal, Brasil e temos grupos de WhatsApp onde falamos”.
Na última edição que aconteceu em Macau, tal como em anteriores, procura, sobretudo, isso: estabelecer redes de contacto.
Orgulhoso das suas raízes, diz que, nestes Encontros, cruza-se com muita gente que passou pelo mesmo que ele. “A minha mãe nasceu em Macau e o que os meus pais tiveram de fazer para seguir com as suas vidas há muitas semelhanças com muitos dos meus ‘primos’ na Austrália, Canadá, Brasil”, afirma.
Salientando que é “difícil manter os jovens envolvidos”, o regresso ao território acaba por “revitalizar as pessoas na diáspora”, permitindo que se liguem e se mantenham ligados. “Já levei primos aqui para mostrar onde os pais se casaram e para terem contacto com tradições e culturas que, na realidade, nunca perceberam”, conclui.
Menos eventos ligados aos jovens
Kristy Wan, membro da administração da Casa de Macau da Austrália, está longe de ser uma estreante nestas andanças. “Já fui a muitos outros Encontros. O primeiro foi em 1997 e eu tinha cinco anos”, recorda. Depois disso, outros se seguiram e participou inclusivamente no Encontro dos Jovens Macaenses, em 2012. Já foi sozinha e já levou família. Na anterior edição à COVID-19, recorda-se da “muita incerteza” sobre se haveria uma repetição da iniciativa. “Por isso, quando surgiu a oportunidade de um novo em 2024, pensei: é melhor ir”, refere.
Com um currículo tão vasto de participação nestas iniciativas, afirma que notou diferenças nesta edição em comparação com anteriores. “Não teve tantas actividades organizadas como em edições anteriores”, diz. Para si, não foi um problema, considerando que “conhecia tanta gente que estava de regresso à cidade”, conseguindo, assim, dinamizar com alguma facilidade a sua rede de contactos. Porém, admite que, para aqueles que conhecessem menos gente, poderia ser mais difícil estabelecer contactos.
Quanto ao seu próprio percurso, Kristy diz que é macaense e cresceu na Austrália, entre culturas. “A família da minha mãe representava o lado macaense e, apesar de ter sempre participado em eventos da Casa de Macau da Austrália, isso nunca teve grande impacto”, declara. Em 2012, no primeiro Encontro dos Jovens Macaenses, foi quando se sentiu verdadeiramente “ligada a estas pessoas que não tinham necessariamente crescido em Macau, mas que tinham um apego à terra”. E, quanto mais falavam, mais percebia que “eram semelhantes”, apesar de viverem em zonas diferentes do mapa.
Outro ponto que notou diferente de edições anteriores foi a falta de eventos ligados aos jovens. “Acho que houve dois eventos, uma partida de futebol e outra iniciativa ligada à cultura, com a discussão de temas como as festividades em Macau, a aprendizagem de linguagem usando inteligência artificial, o patuá”, recorda.
Interessada em participar para ter uma noção melhor das suas raízes, acaba por ser isso que procura nestes Encontros.
Finalizadas as obras da Casa de Macau em Portugal
Estão finalizadas as reparações do edifício principal da Casa de Macau em Portugal. “Conseguimos a restauração do edifício, há ali outras coisas a fazer, laterais, mas não são essenciais”, diz o presidente da associação, Carlos Piteira. “O essencial, para mim, era pintar o edifício todo, acabar com as infiltrações, o telhado, o anexo também está todo recuperado, a parte das infiltrações também está resolvida”, diz. Há, porém, uma segunda fase de obras que terá de seguir adiante, mas que está dependente de outros factores. “Tem a ver com a eventualidade da Fundação Casa de Macau coabitar connosco”, declara, contrapondo que nada disso está confirmado. Custeadas pela Fundação Casa de Macau, as obras, que duraram alguns meses, repuseram “a dignidade da imagem” da associação, com o edifício restaurado. Falta ainda a recuperação da cave, “um espaço por aproveitar e com potencial para uma eventual coabitação com a Fundação Casa de Macau e outras actividades”.