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      “O Encontro das Comunidades Macaenses é uma afirmação fundamental para a sobrevivência do modo de vida em Macau”

      A Casa de Macau em Portugal quer organizar mais actividades, mas, sobretudo, ser mais interventiva na sociedade civil. A liderar os destinos desta instituição desde Abril, Carlos Piteira assume querer trazer para junto de si os mais jovens, ao mesmo tempo em que luta para que a instituição assuma um verdadeiro papel de ponte entre Portugal e Macau. Em entrevista ao PONTO FINAL, o presidente revela que a instituição está agora a preparar levar uma comitiva de mais de 100 pessoas ao Encontro das Comunidades Macaenses, que terá lugar na RAEM, entre 30 de Novembro e 6 de Dezembro, um momento que considera ser fundamental para marcar a presença dos macaenses de todo o mundo como uma comunidade viva e necessária.

      Um dos seus objectivos, enquanto presidente da Casa de Macau em Portugal, passa por dar maior visibilidade à instituição e à comunidade macaense. Passaram apenas alguns meses, mas, até agora, que passos foram dados nesse sentido?

      Gostava de enquadrar esta questão da Casa de Macau, num contexto da importância de Macau para Portugal. A Casa de Macau deve ultrapassar um pouco a vertente meramente lúdica, de convívio e de gastronomia.

       

      Que tipo de papel gostava que a Casa de Macau em Portugal tivesse?

      Gostava que a Casa de Macau ascendesse a um patamar também de elemento simbólico e valorativo daquilo que é a importância de uma Casa de Macau em Portugal. Nós fomos, durante um período do Estado Novo e do pós-25 de Abril, aquilo que podemos chamar de uma Casa de Macau de Portugal. Após a transição, saltamos mais para a vertente da Casa de Macau em Portugal, porque estamos a representar a RAEM em Portugal. Obviamente que as actividades [que organizamos] fazem sentido, mas gostava que, volta não volta, a Casa de Macau tomasse também alguma posição daquilo que é a sua importância enquanto legado — a marcação de uma singularidade de Macau, que é a presença dos macaenses e da comunidade portuguesa, que também não está a ser muito bem enquadrada no pós-transição.

       

      Porque é que a presença da comunidade portuguesa em Macau não está a ser bem enquadrada?

      Está a ser tratada como uma comunidade migrante normal, como quem vem do Luxemburgo, França e Canadá, quando a comunidade portuguesa em Macau é parte intrínseca do modo de vida de Macau.

       

      O que é que a Casa de Macau propõe fazer para mudar essa perspectiva?

      Claro que são poucos meses, pelo menos com esta nova direcção, mas o que nós temos tentado fazer? Por um lado, reanimar alguma paralisação, que teve a ver com a COVID-19 e, por outro lado, repor a importância da Casa de Macau em Portugal. Eu sei que estas coisas fogem um bocadinho ao que se tem feito na Casa de Macau, que é o chá gordo e as actividades, mas essas envolvem uma afirmação identitária, por um lado, que é o reforço da comunidade macaense e dos traços identitários da sua preservação de valores, mas simultaneamente o reforço daquilo que é o estar vivo na conjuntura actual e a desempenhar um determinado papel.

       

      Que iniciativas novas estão a ser programadas?

      O que nós estamos a tentar lançar é um conjunto de iniciativas que consigam atrair os não sócios — gente que está ligada a Macau e que está em Portugal. Podem ser portugueses que viveram e que têm afecto por Macau ou macaenses. Lançamos actividades de carácter cultural ou informativo, de forma a atrair gente, como o “Há minchi!”, porque senti que uma boa parte da população jovem que estava em Macau e que está hoje em Portugal perguntava: onde é que há minchi? Entretanto, vamos organizando conversas, de forma a que esta gente [os jovens] possa vir a ter uma futura ligação ou estar na futura gestão da Casa de Macau, porque é por aí que estamos a apostar — o legado dos portugueses (e são bastantes) que estiveram no liceu, os que estudaram em Macau ou os macaenses que vieram para Portugal. Outra das mais-valias da Casa de Macau é o espólio que temos de macaenses que têm histórias para contar e, se essas histórias não forem contadas, perdem-se. Por isso, o que temos feito é convidar pessoas que tenham alguma essência do que é a vida de Macau, oferecemos um chá, fazemos uma conversa [“Tardes de Chá com Conversa e Livros”], que transformamos depois em podcast [“Macau, Memórias e Vivências”].

       

      Há possibilidade de chegar aos portugueses, a residir em Portugal, e que não têm ligação a Macau?

      Na Casa de Macau, existe a possibilidade de se conhecer Macau sem ir lá, porque há pessoas que podem falar do território, seja a título de curiosidade ou para trabalho. Penso que é fundamental estarmos associados aos trabalhos académicos e há dois tópicos fundamentais em aberto. Qual é o futuro de Macau? Qual é o futuro da comunidade macaense? E depois temos também outras coisas mais lúdicas, como as “Tardes da Mahjong na Casa de Macau”, que é uma tradição que junta as pessoas em convívio. Estamos a retomar aquilo que já se fazia e que é um workshop, mas que chamamos “Viagem dos Sabores: Elogio à Comida Macaense”. Temos aqui vários chefs da cozinha macaense. A ideia é convidar uma dessas pessoas para partilhar um prato. Outra possibilidade é ter um ciclo de cinema. Quem me está a ajudar é o Ruka Borges [realizador de Macau], que está a tentar fazer um levantamento do que é que tem sido feito. Queremos fazer ciclos de cinema, havendo sempre reflexão sobre a questão de Macau e o seu futuro ou dos macaenses e do seu futuro. Paralelamente, podemos ter medicina tradicional chinesa e aulas de auto-defesa, mas com base no Tai Chi.

       

      São iniciativas regulares ou pontuais?

      Regulares. Além disso, estamos a pensar em constituir, por iniciativa do Joaquim Ng Pereira, um dos defensores do patuá aqui, um grupo de teatro em patuá da Casa de Macau. Temos aqui [na Casa de Macau] os dois grandes traços, que é a gastronomia e o patuá, que são os valores a preservar. Depois, é a sua ligação às instituições, que é o trabalho-base que temos vindo a fazer: retomar um pouco esta colaboração, que também estava pouco dinâmica, com as instituições aqui em Portugal. A Fundação Oriente já se tornou sócia benemérita da Casa de Macau. Também já estabelecemos contacto com a Fundação Jorge Álvares e temos uma parceria de divulgação daquilo que são as actividades da Casa de Macau. A biblioteca da Fundação Casa de Macau e da Casa de Macau vai transitar para o CCCM [Centro Científico e Cultural de Macau] com o nome Biblioteca Casa de Macau e da Fundação Casa de Macau.

       

      Porque é que, ao longo dos anos, tem havido um afastamento das instituições?

      A Casa de Macau, no início, começou por ser quase um Clube Militar aqui em Portugal, que servia pessoas (militares e não só, também funcionários que tinham missões em Macau). Depois, com o 25 de Abril, abriu um pouco. Tornou-se um bocadinho aquilo que é uma Casa de Macau virada para o convívio dos sócios. O problema da Casa de Macau é que nunca se posicionou como instituição com intervenção na sociedade civil.

       

      Como é que a Casa de Macau pode ser mais interventiva?

      A Casa de Macau deveria posicionar-se para ser um elemento activo na afirmação dentro da sociedade civil portuguesa e, eventualmente, fazer a ponte com a RAEM de uma forma muito mais directa. Por outro lado, a Casa de Macau em Portugal pode ser um referencial para as outras Casas de Macau pelo mundo fora, que, essas sim, não terão este papel mais interventivo, como as do Canadá, Estados Unidos e Brasil. Uma das minhas reflexões é a questão do paradigma identitário — nós estamos a assistir ao paradoxo das matrizes identitárias, porque, nesta realidade de macaenses em Macau, a reinvenção da identidade vai ser necessária. A matriz portuguesa deixou de fazer sentido nas futuras gerações macaenses.

       

      Só agora é que deixou de fazer sentido?

      Sim, porque eles [jovens macaenses] vão ter de se pautar muito mais por uma matriz de funcionalidade — o que é funcional para o macaense em Macau — e depois temos o contraditório, que é a preservação de valores fora das comunidades macaenses nas Casas de Macau. Este triângulo dos macaenses em Macau, macaenses em Portugal e macaenses no mundo, é que vai dar sentido à comunidade macaense no futuro.

       

      Qual é o papel que a Casa de Macau está a ter na mobilização de pessoas e organização de actividades para o Encontro das Comunidades Macaenses?

      A nossa participação é equivalente às outras Casas de Macau, ou seja, não temos nenhuma iniciativa nem nenhuma capacidade de iniciativa, porque está toda centralizada no Conselho das Comunidades Macaenses em Macau. Agora, eu tenho a intenção de, informalmente, durante o Encontro, explorar novas possibilidades de articulação. A única coisa que temos é que, provavelmente, seremos a Casa de Macau que levará mais pessoas na comitiva — nesta altura [à hora do fecho da edição], estamos com 118.

       

      Qual é a importância de haver um Encontro das Comunidades Macaenses, nesta altura?

      Nos períodos anteriores, era meramente um Encontro com gente ligada a Macau, agora é uma afirmação. O haver Encontro das Comunidades Macaenses em Macau, pós-transição, é uma forma de afirmação identitária daquilo que é a comunidade macaense e do peso que tem. O irmos a Macau e o chamarmos a Macau a nossa terra é a pluralidade e a diversidade da afirmação identitária — desde pessoas que basta ter tido um bisavô macaense para dizerem que são macaenses até aos que dizem que são macaenses genuínos porque falam patuá ou os portugueses, canadianos, etc, que dizem que são macaenses porque gostam de Macau e viveram em Macau. Talvez seja uma forma de, quer para o Governo da RAEM quer para o Governo Central, dar sentido de que aquela realidade é singular porque tem estas características, mesmo que formalmente a sua integração seja no território chinês. O Encontro das Comunidades é uma afirmação fundamental para a sobrevivência do modo de vida em Macau, através dos macaenses neste sentido amplo, porque macaenses são todos os que vão lá estar.

       

      Como vê o futuro de Macau, tendo em conta as mudanças que estão a acontecer em Hong Kong?

      As grandes mudanças na Lei Básica foram circunstâncias que estavam para acontecer, mas que levariam os tais 50 anos. Era para ser um processo gradual, que foi precipitado pelos acontecimentos de Hong Kong. Hong Kong tem de entrar dentro daquela zona de controlo e, tudo o que acontecer lá, é extensível a Macau. O que nos leva ao compromisso de elementos que Hong Kong não tem e que Macau tem. Hong Kong não tem, por um lado, a questão da presença britânica como Macau tem a questão da presença portuguesa, e aqui é fundamental que a presença portuguesa em Macau não seja considerada uma comunidade de migrantes. Tem de ser considerada como população activa que intervém no modo de vida da organização de Macau.

       

      Isso não é o que está a acontecer agora?

      Isso não está a acontecer agora… Tem de ser assinalado através dos consulados, das instituições portuguesas, de forma a que, quando falam da comunidade portuguesa de Macau, falem em população activa e até intervir, que é uma coisa que não têm feito, na deslocação de portugueses para Macau, em condições diferentes de outros expatriados.

       

      Está a falar da dificuldade que hoje existe, na atribuição dos BIR a portugueses?

      Exacto. Faz algum sentido? Isto porque também não houve aqui uma política de incentivo e não só, com a questão de Hengqin, com o manancial de oferta que há lá, de negociar com a China e com Macau, de forma a que os portugueses sejam considerados necessários para a existência de Macau. Outra questão é a resistência de uma comunidade macaense que se vá conseguindo afirmar pela diferença. Esta dualidade é que vai fazer a diferença entre Macau e Hong Kong. Os portugueses fazem parte da história de Macau e os britânicos fazem parte da colonização de Hong Kong.

       

      É importante que estas questões sejam abordadas no Encontro das Comunidades Macaenses, em Novembro?

      No Encontro, não. No Encontro, o fundamental é marcar a presença de macaenses de todo o mundo como uma comunidade viva e necessária para perpetuar a tal singularidade de Macau. Eu diria que estas questões da reformulação identitária ficariam para depois.

       

      Já há sinais de que possa haver um próximo Encontro de Macaenses?

      A grande mensagem final deste Encontro seria a necessidade de fazer outro daqui a três anos. Se conseguirmos, estamos a salvaguardar, pelo menos durante mais dois ou três anos, esta lógica de irmos afirmando a identidade macaense e a relação de Portugal com Macau.

       

      Para promover as actividades da Casa de Macau, que financiamento existe?

      A herança que nós tivemos foi uma Casa de Macau deficitária. Durante os últimos 10 anos, tivemos mais despesas do que receitas. Por um lado, rever os financiamentos da Fundação Casa de Macau, que é quem nos tutela. Por outro lado, aumentar os chamados sócios beneméritos. Começámos pela Fundação Oriente e vamos ver se outras poderão aderir, eventualmente até empresas privadas. Depois, cada vez que faço um evento, faço com margem de receita e com aumento do número de sócios.

       

      Quando assumiu a presidência, a Casa de Macau tinha 260 associados. Esse número já aumentou? Os novos sócios são mais jovens?

      Talvez tenhamos mais 80 sócios. Ainda não fiz a estatística, mas, entre sócios acima dos 65 e abaixo dos 65, devemos estar a aumentar abaixo dos 65.