Márcia Cordeiro Guerreiro, que assumiu em Março o cargo de delegada de Portugal no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau), acredita que uma das valências mais importantes que Portugal tem para oferecer à China é o capital de conhecimento sobre os mercados lusófonos. Em entrevista ao PONTO FINAL, a responsável sublinha a importância da aposta na economia do mar e na promoção de Macau – e também Hengqin – como porta de entrada das empresas portuguesas para o mercado da Grande Baía.
Foi em Março deste ano que Márcia Cordeiro Guerreiro assumiu o cargo de delegada de Portugal no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau). Agora, em entrevista ao PONTO FINAL, faz o balanço dos primeiros meses e aponta a economia do mar, o ambiente, a língua portuguesa e a área cultural como alguns dos sectores onde, na sua opinião, devia haver um reforço da cooperação entre os países do Fórum. Márcia Cordeiro Guerreiro diz ainda que “Portugal tem um capital de conhecimento dos mercados lusófonos que é muito útil à China” e que a existência do Fórum ao longo dos últimos 20 anos “beneficiou bastante os países de língua portuguesa no seu relacionamento com a China”. Para atrair mais empresas portuguesas, a responsável do Fórum sugere que Macau e Hengqin sejam promovidas como “a porta de entrada na área da Grande Baía”.
Assumiu o cargo de delegada de Portugal no Fórum de Macau em Março. Que balanço faz destes primeiros meses?
Até agora, o balanço é positivo. Nestes primeiros meses tenho-me estado a inteirar dos trabalhos do Secretariado Permanente e também a participar na retoma de algumas actividades do Fórum Macau que não estavam a ser feitas devido à pandemia. Dentro destas actividades, realço a visita do secretário-geral do Fórum Macau e do Secretariado Permanente a Portugal. Visita, essa, que foi um bom sinal para a continuidade das missões presenciais aos países de língua portuguesa, que é uma actividade prevista nos planos de acção do Fórum Macau, e em particular para o reforço da cooperação com Portugal e naturalmente com os outros países de língua portuguesa que também foram visitados, Brasil e Angola.
Há algum projecto concreto que tenha saído dessa visita e que queira destacar?
Esta primeira visita constituiu um retomar das nossas relações e para reforçar a cooperação que existe entre Macau, China e Portugal. O que se falou foi das perspectivas que temos para a realização da 6.ª Conferência Ministerial e também da possibilidade de reforçar a cooperação em várias áreas de muito interesse para Portugal e para a China. Destaco aqui a economia do mar, que é uma área que tem estado em destaque. Esta visita teve duas vertentes, a parte institucional e a parte mais empresarial, em que nós visitámos algumas câmaras de comércio e também centros de investigação, nomeadamente o CEiiA, no Porto, para vermos o que é que Portugal está a fazer no âmbito da investigação tecnológica. Depois, também visitámos o CIMAR, um centro de investigação marinha que é muito importante para Portugal e que está no novo terminal de Leixões. O CIMAR já tem uma série de parcerias com universidades de Macau, participaram em alguns colóquios que o Fórum promove e fizeram aqui algumas apresentações desse sector da investigação marinha e sobre o que é que está a ser feito em Portugal. Sendo Portugal o primeiro país a ser visitado, é um sinal positivo da China da importância que dá à relação com Portugal.
Falou da 6.ª Conferência Ministerial. Já há datas para a sua realização?
Não, ainda não existe uma data fechada. Ainda estão a ser feitas concertações.
Mas será ainda este ano?
Ainda não se sabe.
E o que é que se espera da Conferência Ministerial, do ponto de vista de Portugal?
Aquilo que se espera da Conferência Ministerial é que nós consigamos aprovar um plano de acção com áreas de cooperação que beneficiem todos os países que participem no Fórum Macau. Nesse aspecto, diria que o objectivo é dar um maior foco a áreas económicas como parcerias entre empresas chinesas, portuguesas e eventualmente empresas dos países de língua portuguesa em África e na Ásia, e podermos fazer mais parcerias. Este é o caminho, até porque é assim que conseguimos investir. Sozinhas as empresas talvez não tenham essa capacidade. Portugal tem um capital de conhecimento dos mercados lusófonos que é muito útil à China. Se nós conseguirmos desenvolver mais estas parcerias trilaterais, isso é que devia ser o ‘core’ da cooperação no âmbito do Fórum Macau, tentar investir mais e promover o desenvolvimento económico de todos os países com base nas parcerias entre empresas. Isso, naturalmente, iria aumentar as trocas comerciais, porque iriam criar-se sinergias que poderiam alavancar a economia de todos os países participantes.
O principal papel de Portugal é dar a conhecer os outros países lusófonos?
Portugal tem aqui um papel muito importante como porta para estes países. Portugal tem uma das economias mais desenvolvidas, tem empresas e recursos humanos muito capazes e consegue apoiar a China e outros países, como por exemplo o Brasil, para investir na China com o apoio de Portugal também pelo conhecimento aqui de Macau. É por aí que temos de ir. Temos de alavancar as nossas vantagens para podermos participar nestes projectos conjuntos e assim toda a gente fica a ganhar.
Voltando à questão da chegada a este cargo de delegada de Portugal no Fórum Macau, quais são os seus objectivos? O que é que gostava de ver realizado do ponto de vista das cooperações entre Portugal e a China?
Eu gostava que se apostasse mais na formação, que é um dos objectivos do Fórum Macau. O Fórum Macau tem vários colóquios que organiza e programas de formação para oficiais dos países de língua portuguesa que vêm cá a Macau, conhecem Macau mas também têm feito algumas visitas a Hengqin e a Cantão. Neste momento nós temos colóquios de medicina tradicional chinesa, já tivemos da economia azul – que eu gostaria que se realizasse novamente porque eu acho que é de facto uma vantagem de Portugal -, a nível do turismo, a nível do empreendedorismo e também no âmbito das trocas de informações ao nível das entidades dos países de língua portuguesa com as entidades de Macau para conhecer melhor a China. Eu gostava que houvesse mais projectos desses e que abarcassem mais áreas. Pode ser que se consiga fazer, mas essa será uma luta para o próximo plano de acção e é aí que está o nosso foco.
Já são conhecidos alguns pontos desse plano de acção?
Ainda é prematuro falar sobre isso porque ainda estamos na elaboração. Certamente a parte portuguesa vai querer reforçar a cooperação em algumas áreas em que talvez não estejamos a dar tanto foco. Todos os países de língua portuguesa dão muita importância ao mar, a China tem uma costa muito grande, e tentar alavancar a cooperação nesse âmbito era bom. Há várias coisas que se podem fazer de forma sustentável, por exemplo, energias verdes offshore. A energia é algo necessário e agora estamos a tentar encontrar alternativas ao carvão, às energias fósseis, e acho que é por aí que podemos ir. Temos também aquelas áreas em que o Fórum também é muito importante, como a promoção da língua portuguesa, a área cultural, e é por aí que queremos continuar a reforçar a cooperação. Também as tecnologias, a mobilidade eléctrica, por exemplo.
Estão já a ser feitos esforços para se apostar nessas áreas?
Existem muitas conversações nesse sentido, vamos tentar pôr isso em prática. Esta é a parte em que temos de batalhar mais porque isso também depende das empresas estarem interessadas em fomentar estas parcerias com as empresas chinesas.
E, daquilo que tem visto, as empresas portuguesas estão interessadas?
Eu acho que as empresas portuguesas ainda têm muito desconhecimento sobre a China. E também das empresas chinesas sobre as empresas de Portugal e das empresas dos países de língua portuguesa em geral. Outra das nossas funções é tentar diminuir este fosso de conhecimento. Isto é, tentar promover junto de empresas chinesas quais são os sectores mais relevantes, onde é que eles podem cooperar; e fazer o mesmo também em Portugal em relação às empresas chinesas. Vamos retomar os encontros empresariais em princípio no próximo ano. A pandemia também levou a que houvesse aqui um arrefecimento nas relações económicas. É visível nas exportações e importações que houve aqui uma redução e agora vamos tentar que no próximo ano se consiga reverter essa tendência.
Como vê a situação actual da cooperação económica e comercial entre a China e Portugal especificamente?
As relações comerciais entre os dois países estão boas. Portugal é um parceiro estratégico da China desde 2005. Em 2018, pela primeira vez, o Presidente Xi Jinping visitou Portugal, foi assinada uma parceria azul, e nós temos vindo a reforçar a nossa cooperação. Embora este ano se tenha sentido um bocadinho este arrefecimento nas trocas comerciais, isso tem a ver mais com a conjuntura internacional do que propriamente com o nosso relacionamento com a China. Na Europa, nós somos dos parceiros que tem uma relação mais próxima com a China e, daí, também somos aquele parceiro que pode ajudar a China a entrar não só em Portugal mas também na União Europeia, daí a nossa vantagem estratégica. Nós estamos neste triângulo entre Europa, África, América e esse é um dos grandes valores de Portugal.
Portugal, ao longo dos anos, tem tirado frutos da sua participação no Fórum?
Tem, claro. Na promoção da língua e cultura portuguesa e lusófona na China através de Macau. Eu acho que isso é um dos aspectos fundamentais do Fórum Macau e que o Fórum Macau apoia e que, sem esta organização, talvez isso fosse mais difícil. O Fórum Macau, não se substituindo às relações bilaterais, é um mecanismo complementar, é mais um canal de comunicação para a China e isso é fundamental e tem promovido o nosso constante diálogo com a China que, talvez de outra forma, fosse difícil.
O Fórum foi estabelecido há 20 anos. Como é que vê o seu desenvolvimento nas últimas duas décadas?
O Fórum tem tido um desenvolvimento progressivo, tem-se vindo a acrescentar áreas de cooperação constantemente. Tivemos estes últimos anos que talvez não tenham sido tão bons para a proximidade entre os países lusófonos e a China, mas, de qualquer das maneiras, manteve-se a cooperação. Eu acho que o Fórum tem vindo a fazer um caminho de constante promoção das trocas comerciais entre os países de língua portuguesa e a China. Com Macau, as trocas comerciais têm vindo a crescer, apesar de se ter registado uma quebra. As nossas trocas comerciais têm vindo a beneficiar da existência do Fórum Macau.
Portanto, na sua opinião, tem cumprido bem o seu papel…
Tem, sim. Claro que temos de pensar que o Fórum Macau é uma instituição intergovernamental com dez Estados, a China e os nove países de língua portuguesa. É baseado no consenso e o facto de ser uma organização com algum cariz político leva a que isso influencie a operacionalização de determinadas iniciativas que estavam plasmadas nos planos de acção, mas acho que isso não é impeditivo de o Fórum ter um papel cada vez mais relevante e acho que a existência do Fórum beneficiou bastante os países de língua portuguesa no seu relacionamento com a China.
Macau tem reiterado a aposta na diversificação da economia e na Zona de Cooperação Aprofundada. Que papel tem Portugal neste projecto?
A Ilha da Montanha é um complemento a Macau, é mais um território que vem apoiar a diversificação da economia de Macau, de acordo com os planos do Governo. Portugal, tendo um tecido empresarial com grandes valências, pode atrair empresas portuguesas para se estabelecerem em Hengqin, mediante condições vantajosas que são proporcionadas a essas empresas. Neste momento, acho que ainda falta mais promoção. É preciso que as empresas conheçam melhor Hengqin e as vantagens de se estabelecerem lá, tanto para enviarem produtos e serviços para a China e quiçá para o resto da Ásia. Talvez aí as empresas possam ver uma vantagem para se estabelecerem lá. Tem havido visitas, tivemos aqui recentemente visitas de empresas portuguesas e associações de ‘startups’ que visitaram Hengqin, e agora é necessário, para além da promoção, haver interesse em realmente estabelecerem-se cá e essa é a parte que nós temos de fazer. Há algum desconhecimento e depois há também a distância geográfica e a dimensão do território. Temos de promover Macau e Hengqin como a porta de entrada na área da Grande Baía. Por aí é que Macau conseguirá talvez demonstrar que realmente existem muitas vantagens em as empresas estarem cá e aproveitarem um mercado de quase 80 milhões de pessoas com um dos maiores PIB per capita da China. As cidades da Grande Baía são das mais abertas ao mundo. É aqui que as empresas têm de se focar, nessa vantagem de entrar num mercado muito grande e numa região com um dinamismo económico excepcional. A questão é chegarmos às empresas e tentarmos vender isso às empresas e alertá-las para isso. Esse é um trabalho que nós temos de fazer. Esta promoção tem de vir de todos os quadrantes, tanto do Fórum Macau como do Governo de Macau e de outras instituições que cá estejam. Em conjunto é que nós vamos conseguir fazer isso e depois é tentar que as empresas de facto se estabeleçam cá e tenham sucesso, porque o sucesso delas é o nosso sucesso.