Perante a falta de docentes, a Associação de Pais e de Encarregados de Educação da Escola Portuguesa de Macau (APEP) pediu ao Presidente da República de Portugal que intercedesse junto do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) sobre a não autorização de quatro professores para leccionarem em Macau. Entretanto, poucos dias depois, no dia 3 de Dezembro, surgiu uma resposta do MECI, mas continua a ser insuficiente face às necessidades: a aprovação de mais duas licenças especiais. Numa entrevista ao PONTO FINAL, o presidente da APEP, Filipe Figueiredo, fala sobre o ambiente que se vive na comunidade, as críticas de que tem sido alvo a direcção e o agravamento de alguns problemas com a politização da Escola Portuguesa.
Qual é o balanço que faz deste primeiro ano da nova administração da Escola Portuguesa?
Aconteceu muita coisa. O que acaba por motivar uma parte substancial do que está a acontecer é a mudança quer na administração da Fundação, quer na própria direcção da Escola, com a contratação do novo director. Grande parte das coisas que aconteceram resultaram de ter havido esta mudança, uma vez que não havia mudanças substanciais na gestão da escola, praticamente deste a sua fundação. É normal que, havendo processos e procedimentos que estão instalados e que não são mudados há muito tempo, havendo uma nova direcção, que veio de fora e não estava metida nesses procedimentos e querendo implementar algumas mudanças, que isso tenha causado alguns atritos. Depois, houve mudanças que tentaram ser implementadas, ou que poderiam ter sido implementadas de outra forma, para não causar o tumulto que causaram.
Esta nova direcção viu-se envolvida numa grande polémica, após ter dispensado alguns profissionais, que foram depois novamente reintegrados pelo Governo português. O que aconteceu?
Houve uma falha de comunicação. Não vou tecer comentários sobre a mudança de professores, porque isso é algo que compete à direcção e à Fundação. Aos pais compete aferir se os professores são ou não são bons e, no que isso diz respeito, é importante ressalvar que, depois desse acontecimento em Maio, houve muita confusão. Toda a gente dizia que os novos professores eram amigos, vinham de Timor, vinha a namorada e não sei quem. A verdade é que, todos os professores novos que vieram, até ver, pelo menos, está toda a gente, pais e alunos, satisfeita com eles. Dito isto, houve uma falta de comunicação — talvez tenha havido alguma falta de sensibilidade na forma como as decisões foram tomadas — porque, daqueles cinco [dispensados], nenhum deles foi substituído. Isto devia ter sido logo dito. Não foi. Só foi dito mais tarde, o que agravou a situação. É verdade que nesse grupo de professores estava uma professora [Alexandra Domingues] — ela foi professora de uma das minhas filhas e eu confesso que, como professora, tinha (e tenho) boa consideração por ela — e que isso poderá ter causado alguma celeuma.
O que está a dizer é que essa professora em particular era bastante querida pelos pais?
A maioria das pessoas tinha-a em boa consideração.
Essa professora levou a que os pais estivessem particularmente revoltados com a decisão da nova direcção?
Sim, se essa professora não tivesse estado naquela lista, se calhar, nada do que se passou se teria passado.
Resumindo, na sua opinião, toda a questão que envolveu a mudança do corpo docente foi uma falha de comunicação?
Naquela altura, quando isto aconteceu, parecia que estes professores se tinham ido embora para serem contratados amigos. A verdade é que nenhum destes professores — os que foram contratados — foi para as disciplinas que os professores [dispensados] leccionavam.
Mas a verdade é que hoje há falta de professores?
Sim, mas não são professores de Português nem daquelas disciplinas [que os professores dispensados leccionavam].
Porque é que há esta falta de professores?
Neste momento, faltam dois professores: um de Matemática e outro de Físico-Química. Pelo menos aquilo que nos é dito, e tenho de confiar nisso, após as coisas estarem mais ou menos planeadas para o início deste ano lectivo, houve alguns professores que saíram, o que causou a falta de professores. Entretanto, fruto do despacho do senhor Ministro, que reintegrou os outros professores [que tinham sido dispensados], foi ordenado que a Escola, nas contratações, seguisse um determinado procedimento. Era preciso criar critérios de contratação e isso foram coisas que atrasaram. Tudo isso só começou no final de Agosto. Foi seguido o processo de contratação, seleccionados os professores e, em meados de Setembro, iniciou-se e concluiu-se o pedido de autorizações. Houve também aqui uma série de situações que mudaram também, não desde o ano passado, mas há relativamente pouco tempo, nomeadamente no que diz respeito aos BIR [Bilhete de Identidade de Residente da RAEM]. Dantes, um português vinha para cá, tinha trabalho e acesso ao BIR. Hoje em dia, já não acontece. Obriga a que os currículos tenham de ser enviados para a DSEJ [Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude] avaliar. Depois da avaliação da DSEDJ, isto vai para a DSAL [Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais], para dizer se autoriza ou não a contratação de não residentes. Fez-se este processo todo, houve autorização e depois, não sei como as coisas se processam propriamente, os professores foram contactados, pediram a licença especial e aos cinco que foram contratados foi autorizada uma licença e indeferida as restantes, devido à falta de professores em Portugal. Aquilo que me é dito também é que isto não é uma especificidade da Escola Portuguesa. Estão cerca de 30 professores para as Escolas Portuguesas no estrangeiro, nesta situação.
Entretanto, a APEP requereu a intervenção do Presidente da República de Portugal. O que é esperado?
Quando soubemos que isto aconteceu [o indeferimento das licenças], escrevemos ao Ministério da Educação — este não nos respondeu, nem sequer acusou recepção de e-mail, a pedir para avaliarem a situação. Nós percebemos, obviamente, as dificuldades que existem em Portugal, mas, sendo as Escolas Portuguesas no estrangeiro uma bandeira da língua e da cultura portuguesa, estando sempre o Governo de Portugal a dizer que as Escolas Portuguesas no estrangeiro são importantes e são um veículo que mostra a importância e a boa educação dada na escola em Portugal, que isto seja tido em consideração. Ao contrário do que acontece em Portugal, no estrangeiro é difícil encontrar, para não dizer impossível, professores que ensinem em língua portuguesa. Como o Ministério não nos respondeu — entretanto, respondeu há relativamente pouco tempo, já depois da carta para o Presidente da República —, nós enviámos a carta para o Presidente da República, com conhecimento para os grupos parlamentares, para o Consulado e para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Que resposta foi essa que veio, entretanto, do Ministério da Educação?
Um e-mail no dia 3 de Dezembro, o dia em que foram aprovadas duas licenças especiais.
Isso resolve o problema?
Foram pedidas cinco inicialmente. Dessas, foi aprovada ainda em Outubro uma e depois outra. A seguir, foram pedidas mais três (são dois pedidos distintos para disciplinas distintas) e destas foram aprovadas duas. O problema ficaria resolvido com a aprovação das oito pedidas e não de quatro. Fundamental neste momento é a aprovação de duas (Matemática e Físico-Química). É que não nos podemos esquecer que, devido ao que foi dito aqui, desde o final de Maio, e durante alguns meses, alguns dos professores inicialmente contratados decidiram não vir.
E as licenças para estas duas disciplinas mais críticas continuam por aprovar?
Sim.
Qual é o plano B, nesse caso?
Aquilo que pedimos ao Ministério da Educação é para encontrar solução. A verdade é que em Macau é impossível contratar, não há. Se calhar, a Escola vai ter de fazer outro procedimento concursal ou uma coisa desse género, e optar por professores que não tenham vínculo ao Governo, ao Ministério da Educação, que não necessitem dessa autorização.
Entretanto, o ano lectivo está a passar…
O ano lectivo está a passar, está a decorrer. Não há alunos sem aulas. Há professores com excesso de carga horária. Foram contratados localmente dois professores que estão a exercer funções enquanto esta situação não se resolve.
Os alunos estão a ser prejudicados neste momento?
Estão. Os alunos e a comunidade toda. Os alunos, porque nunca é bom haver mudanças de professores a meio do ano. Nunca é bom começar o ano com falta de professores. Os professores, porque, principalmente aqueles que estão com mais carga lectiva, certamente andarão mais cansados e isso reflectir-se-á na forma como leccionam. Os pais, porque estão preocupados, principalmente no que diz respeito aos alunos do 9.º ano, porque há exames nacionais.
Há alguma coisa que a actual direcção possa fazer para resolver esta situação?
A direcção, olhando para isto, tem de encontrar um plano B para solucionar o problema.
E já devia estar a apresentá-lo, considerando que estamos em Dezembro?
Sim. Tem havido conversas com o Ministério. O secretário-geral do Ministério faz parte do conselho de administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau. E nada se resolve. As soluções — ou, pelo menos, tentativas de solucionar esta situação — deviam estar em cima da mesa.
Paralelamente à questão dos professores, também há críticas dos pais às condições da EPM, como a falta de salas de aula e de outros espaços. Em que ponto estamos?
Estamos no ponto em que estamos há muitos anos. A Escola tem tido, ao longo dos anos, um aumento de alunos e o espaço mantém-se. Sabemos que há projectos para melhoria. Em princípio, diria eu, pelo menos foi aquilo que foi falado no último conselho de administração onde a Associação tem assento, há um projecto de melhoramento de algumas infra-estruturas. Isto era para ter sido posto em prática durante o Verão, mas depois, com aquelas confusões todas, acabou por não dar. Têm sido feitas pequenas obras, e acho que estão planeadas a breve trecho, não uma intervenção grande, mas uma intervenção, pelo menos no que diz respeito às casas de banho, que efectivamente estão velhas.
Do seu ponto de vista, considerando a celeuma em que tem estado envolvida a Escola Portuguesa de Macau, as críticas dos pais e a perturbação na comunidade, há motivo para alarme?
Esta celeuma toda é tudo um conjunto de situações que ocorreram quase simultaneamente e criaram tudo isto. Um dos grandes problemas e que gerou este burburinho foi politizar-se a Escola. Isso foi, se calhar, a pior coisa que podia ter acontecido e que agravou a situação em que estava.
Refere-se às filiações partidárias dos professores que foram contratados e foram destacadas pela comunidade?
Sim. E de comunicados lançados pela secção PSD em Macau, de intervenção de políticos locais, que nunca tiveram qualquer interesse pela Escola e continuam a não ter, porque, da mesma forma que os professores foram ter com esses políticos, nós também escrevemos, nesta questão dos professores, para ver se eles faziam alguma coisa e nenhum nos respondeu. Os interesses são relativos.
A politização da Escola veio criar mais atrito?
Quando se tenta pôr numa escola questões partidárias, isso tem tudo para correr mal. Quando as coisas já não estão bem, tem tudo para correr ainda pior.
Não acha que esta nova direcção também tem alguma culpa nesta questão?
Na politização, não tem. Na comunicação e na forma como as coisas foram feitas, podiam ter sido feitas de outra forma.
Seria caso para pedir uma mudança da direcção?
Não me cabe a mim estar a dizer isso. Os mandatos têm a sua duração. Estes estão cá há um ano, os outros estiveram cá muitos anos e foram também sujeitos a críticas. Neste momento, uma mudança seria ainda pior.
Os seus quatro filhos estão na Escola Portuguesa. Como pai, está preocupado com a qualidade do ensino?
Na minha situação particular, sinceramente, os meus filhos não estão nas turmas onde há falta de professores. Como pai, obviamente que estou preocupado, porque acho que é fundamental que o quadro docente esteja completo. Preocupa-me também — isto é transmitido também às crianças (sinto isto em casa, tenho filhos que vão do 12.º ano ao 3.º ano) — porque sinto algum mal-estar dentro da própria escola. Em paralelo com a falta de professores, essa devia ser também uma preocupação da actual direcção.
Em jeito de balanço, quais as grandes questões que têm de mudar rapidamente na Escola Portuguesa de Macau?
É a questão do corpo docente, quer estabilizando — há sempre depois professores que querem sair por vários motivos, porque mudam de escola ou porque se reforma ou pelo que quer que seja — mas, pelo menos, ter o quadro completo (acho que isso é fundamental). É fundamental também haver uma pacificação interna e a questão do espaço.
Mudança, alargamento ou obras no espaço?
Melhorias das infra-estruturas.
Isto já é uma questão antiga, mas acha que o espaço actual é suficiente para os interesses da Escola Portuguesa de Macau?
Manifestamente, o espaço actual com o que lá está edificado não é suficiente. Agora, se é possível reconverter aquele espaço, alargando-o, como houve aí há uns anos um projecto que era criar um edifício ou utilizar os edifícios existentes para criarem-se mais salas, isso aí já é uma questão mais técnica que eu não consigo dizer.