Natividade Ribeiro, escritora e professora em Macau ao longo de 20 anos, veio a Macau para apresentar a sua mais recente obra, “Que Lenço Cobriria a Dor”. O livro, que aborda a luta que travou contra um cancro por entre uma pandemia, “tem muita luz e muito humor”, conta, em entrevista ao PONTO FINAL. A apresentação do livro acontece amanhã, pelas 18h30, na Livraria Portuguesa. Esta visita a Macau vai resultar num outro livro que já está a ser escrito, revelou a escritora.
Natividade Ribeiro, escritora e antiga professora que deu aulas em Macau durante mais de duas décadas, voltou agora ao território para apresentar a sua mais recente obra, lançada em 2022, intitulada “Que Lenço Cobriria a Dor”, um livro que aborda a luta da autora contra um cancro por entre uma pandemia. Aqui, também a ilha de São Miguel, nos Açores – de onde Natividade Ribeiro é natural – e até o hospital onde foi tratada são personagens. Não é um livro de auto-ajuda e nem sequer é um diário desse período, é um conjunto de textos autobiográficos – poesia e prosa – que se vão ligando uns aos outros, assentes no quotidiano da doença e da pandemia. “É um livro que tem luz e muito humor”, descreve, em entrevista ao PONTO FINAL. A apresentação do livro acontece amanhã, pelas 18h30, na Livraria Portuguesa. Natividade Ribeiro diz que, para a sessão, ainda tem guardada uma surpresa, que não quis revelar. Na entrevista, a escritora revelou ainda que irá escrever um livro sobre esta visita a Macau.
“Que Lenço Cobriria a Dor” é um livro que aborda a luta que travou contra um cancro. Porque é que decidiu escrever este livro?
Este livro foi apresentado já em Julho de 2022, na minha terra natal, no Centro Cultural de Vila Franca do Campo, em São Miguel. Em Dezembro foi apresentado também na Casa dos Açores de Lisboa. Agora, como vim fazer uma visita breve a Macau, achei que faria todo o sentido apresentar esse livro. É um livro que não tem a ver com Macau, mas é um pretexto para o reencontro com pessoas. A escrita está sempre presente em mim, estou sempre a escrever. Há escritas que são mais planificadas e antecipadas, e há outras que surgem, como esta, em catadupa. Eu comecei os tratamentos três dias antes do confinamento nacional [em Portugal]. Nos hospitais só ficaram os doentes em tratamento, os acompanhantes e os outros que estavam apenas a ser acompanhados deixaram de ir ao hospital. Nós temos de passar muitas horas no hospital e o silêncio é o maior desafio a um escritor. O silêncio enorme e duas situações tão extremosas e desconhecidas, como é o caso de um cancro e uma pandemia, foi o que me levou a escrever este livro, que foi escrito de uma forma muito diferente dos outros todos, que foi uma forma muito compulsiva. Comecei a escrever no primeiro tratamento e acabei no último tratamento. É um livro assumidamente autobiográfico. Não é um livro de auto-ajuda. Tem uma mensagem pedagógica, mas vai além disso: tem um aspecto literário bastante cuidado e não fica preso só a uma autobiografia daquela situação. Extravasa para uma situação social. A minha ilha, São Miguel, também está muito presente. Não sei porque é que, durante aquela situação, eu fui levada para a minha ilha, para as minhas origens. Para além da doença, há textos muito interessantes sobre o passado e o presente relativamente à minha ilha. Apesar de serem duas temáticas muito pesadas, é um livro que tem luz e muito humor.
Escrever este livro terá servido como forma de terapia, de algum modo?
Qualquer acto criativo é sempre terapêutico. O autor não se consegue livrar dessa presença, desse alívio. Quando se cria também se põem muitos demónios cá para fora. Eu escrevo sempre sobre qualquer coisa que me inquiete, e, de facto, estava numa situação extremamente inquietante.
E poderá servir para ajudar pessoas que passam pela mesma situação…
Tem uma mensagem pedagógica, uma mensagem bastante positiva. É um livro muito desprendido, literário, e cada pessoa irá tirar a sua leitura do livro. Este livro não tem de ser especial em relação aos outros, qualquer livro nos deixa rastos e mensagens e de certeza que este também o fará.
Em que formato está escrito o livro?
Está escrito num hibridismo do princípio ao fim. Ora surge em prosa, ora surge em verso. Racionalmente, não sei porque é que neste livro em específico fui levada às vezes para a prosa e outras vezes para a poesia. A poesia está muito muito presente na minha vida. Mesmo quando escrevo prosa, há um toque de prosa poética. São também personagens deste livro todos os elementos da Fundação Champalimaud, onde fui tratada. Era quase impossível não falar daquela gente e do apoio que nos foi dado. O próprio edifício é também personagem do livro, porque todo ele é feito para pôr o paciente bem. O que é certo é que conseguem. Uma outra componente que existe no livro é que, perante a pandemia e perante os tratamentos que tinha de fazer, a leitura era um acto importante de ajuda. Não é um diário. Há textos que surgem soltos, mas depois estão todos ligados.
Consegue recordar o dia em que foi diagnosticada? Como é que reagiu?
Foi muito engraçado. Por coincidência, eu tive o diagnóstico certo numa terça-feira de Carnaval, em 2020. Agora sou professora reformada, mas nessa altura ainda estava a trabalhar e fiquei contente porque não tive de faltar, não tive de meter atestado médico. A reacção foi extraordinária. A sobrevivência é muito grande. São sensações muito primeiras. Os açorianos vivem muito o Carnaval, fazem desfile, muitas actividades, e nós, desde crianças, participamos sempre muito nos carnavais. O meu marido foi a essa consulta e nós saímos os dois em silêncio porque há situações que provocam um silêncio profundo. Nessa altura eu era uma espécie de sombra carnavalesca.
Faz referência às redes sociais, aos livros, à ilha de São Miguel. Que papel é que esses elementos tiveram durante esse período?
Eu tinha de fazer alguma coisa nesse espaço. Aliás, durante a pandemia, houve imensa criação. Todos os criadores ficaram em casa a criar, e foi isso que eu fiz, criar. Escrevo desde muito jovem e tenho vindo a publicar lentamente e eu não concebia fazer outra coisa se não escrever e ler. As redes sociais surgem porque elas me trazem do mundo exterior aquilo que eu quero delas, tem-me trazido muitos escritores, muita poesia, autores que eu provavelmente nunca iria conhecer se não fosse através das redes sociais. Foi um efeito extremamente benéfico nesse aspecto.
No conjunto da sua obra, há algum ponto em comum entre os livros que publicou? E qual o lugar deste último no conjunto da obra?
O ponto em comum é, por exemplo, a ilha estar sempre presente. Eu não me consigo livrar da ilha. Está presente sempre nas minhas escritas.
Quando é que saiu de lá?
Saí com 19 anos, fui estudar. Mas volto lá todos os anos. No início de Outubro, vou participar no 38.º Colóquio da Lusofonia, que este ano se passa em São Miguel, na Ribeira Grande. Este livro será também apresentado. Também queria dizer que trago a Macau uma surpresa, para além deste livro, que eu não quero ainda revelar. Trago uma surpresa escrita que tem a ver com Macau e que será apresentada agora na apresentação do livro. Toda a minha escrita é marcada pelos lugares onde passo, tenho dois livros sobre Macau. Um é o “Nada, Nada Professora”, que é uma professora que vem sozinha para Macau e que, nesse livro, relata as suas viagens interiores e no mundo, tendo em conta um contexto de docência completamente diferente da língua materna. Depois, na véspera de eu vir, chegou-me dos Açores o terceiro volume uma trilogia cuja temática é textos sobre viagens. Eu fui convidada pelo editor das Letras Lavadas para participar nessa antologia e o texto desta antologia é sobre Macau. Fui ao “Nada, Nada Professora” e ponho a personagem reformada e ela vem a Macau ver se pode voltar ou não. O título é “Jogar Com a Cidade”. Depois tenho um outro livro que é “Os Três Lugares de Uma Mulher” e os meus grandes lugares são sem dúvida São Miguel, onde vivi 19 anos, Macau, onde estive 20 anos, e Lisboa. Houve uma altura em que eu tinha tanto dos Açores, como tinha de Macau, como de Lisboa.
Qual o peso que Macau tem ainda na sua vida?
É muito grande. Os meus livros partem sempre de algo muito vivencial, mas depois desprendem-se porque vão falando dos lugares e eles passam a ser quase documentos importantes de época.
Tem outros projectos em vista?
Sim. Agora acho que não me vou safar de escrever um livro sobre esta estadia em Macau.
O que é que, em particular, faz com que queira escrever um livro sobre esta visita a Macau?
Estou a escrever diariamente e, por isso, sei que vai sair daqui um livro. Nunca gostei muito de diários, mas se calhar vou-me aventurar por aí.
Então, está a ser proveitosa esta visita…
Claro. A qualquer lado que vá é sempre estimulante.