Edição do dia

Sábado, 30 de Setembro, 2023
Cidade do Santo Nome de Deus de Macau
céu pouco nublado
30.9 ° C
34.9 °
30.9 °
74 %
2.6kmh
20 %
Sáb
31 °
Dom
30 °
Seg
29 °
Ter
29 °
Qua
31 °

Suplementos

PUB
PUB
Mais
    More
      Início Entrevista “Mudar a mentalidade dos jogadores é um dos nossos principais objectivos”

      “Mudar a mentalidade dos jogadores é um dos nossos principais objectivos”

      Lázaro Oliveira foi o homem escolhido para orientar a Selecção de Futebol de Macau, cargo que assumiu em 2020. Devido à pandemia da Covid-19, foi obrigado a orientar a equipa à distância numa altura em que também não havia competição internacional para a formação do território. Em entrevista ao PONTO FINAL, o treinador angolano falou sobre os desafios de orientar uma selecção de futebol num território com várias especificidades, como a falta de espaços para treinar, mostrando-se, porém, com bastante vontade em fazer evoluir o actual 182.º classificado do ranking da FIFA.

      De regresso a Macau após as restrições da pandemia da Covid-19, Lázaro Oliveira já tem vindo orientar de forma presencial a selecção de futebol local, cargo que assumiu em 2020. Uma derrota por 1-0 frente a Singapura marcou a estreia oficial do técnico angolano numa partida em que a preparação não foi a ideal. No entanto, e apesar de todas as condicionantes que tem encontrado em Macau, mostra-se confiante em conseguir fazer evoluir o futebol local. “Acho que tem tudo para crescer, oxalá todas as pessoas ajudem”, disse ao PONTO FINAL.

      Como surgiu esta oportunidade de vir treinar a selecção de Macau?

      Foi através de um conhecido meu, lá de Portugal, que me falou desta possibilidade. Entretanto, o secretário geral da Associação de Futebol de Macau e mais duas pessoas deslocaram-se a Portugal para conversar comigo, para saber o que pensava, as minhas expectativas, e disseram-me qual era a realidade de Macau. Tivemos duas reuniões e chegámos a um acordo para a minha vinda e do Pedro [Pedro Simões] aqui para Macau.

      E como foi o impacto depois de perceber a realidade local?

      Eles foram muito coerentes. A partir do momento em que me contactaram fui consultar algumas coisas na internet, mas eles também baixaram as minhas expectativas, que estavam elevadas devido à minha carreira profissional, sempre ligado ao futebol, como treinador e jogador. Disseram-me que era uma realidade diferente, depois, por causa da Covid-19, as coisas não puderam avançar rapidamente. É uma realidade completamente diferente daquilo a que eu estava habituado, mas pode ser bastante interessante por se começar um projecto de início e depois ver a sua evolução. Estou já perfeitamente habituado à realidade, é evidente que há determinadas coisas que ainda fazem um bocadinho de confusão, mas já estou adaptado à realidade de Macau.

      FOTOGRAFIA GONÇALO LOBO PINHEIRO

      Devido à Covid-19 trabalhou muito tempo à distância. Como é que correu?

      Havia uma ligação, nós temos uns grupos no WhatsApp, estava em contacto com os treinadores. Eles enviavam-me algumas situações de treino de ginásio, treino de campo, depois fazia alguns relatórios para as próprias autoridades.

      Quais foram os maiores desafios que encontrou aqui como seleccionador?

      A questão da falta de campos é um dos grandes obstáculos. Exceptuando a equipa do Chao Pak Kei, que tem um campo próprio, os outros treinam em espaços reduzidos, e penso que isso é um grande obstáculo para o desenvolvimento. Há algumas limitações na mentalidade dos jogadores também, que não são profissionais. Estamos a tentar mudar a mentalidade, até nos mais jovens, o que também é um problema, porque muitos estão a estudar e vão para fora de Macau para continuar os estudos, o que é um obstáculo para que no futuro a Selecção de Macau seja reforçada com jovens jogadores. A própria competitividade da liga também, é um campeonato pouco competitivo, desde 2019 que o Chao Pak Kei é campeão sempre sem derrotas, e este ano tudo leva a crer que vai pelo mesmo caminho. Para a selecção nacional não leva a que apareçam novos jogadores que possam evoluir, e isso é outro obstáculo.

      Como é o dia a dia do seleccionador?

      As selecções não treinam todos os dias, no período em que não havia competição às vezes conseguíamos treinar duas vezes por semana e trazer os jogadores à selecção, e isso é uma das nossas grandes conquistas, os jogadores aceitarem muito bem a nossa ideia de jogo e a nossa metodologia de treino, e passámos de uma fase no passado em que se calhar vinham poucos jogadores aos treinos e agora a lista é elaborada e praticamente todos os jogadores, com maior ou menor dificuldade, conseguem vir aos treinos. Em relação ao nosso dia a dia, muitas vezes vimos aqui à Associação planear os treinos, planear possíveis jogos, e no fundo é um bocadinho isso.

      A falta de profissionalização dos jogadores torna mais difícil programar os treinos, e até os jogos?

      A questão dos treinos é evidente, há jogadores, como os bombeiros, que estão de serviço e por vezes não conseguem vir. No jogo com Singapura, por exemplo, nós treinámos na véspera, e tínhamos um jogador que é bombeiro e não pôde vir treinar. Acabou por jogar, mas não fez o treino de preparação para o jogo, e é mais uma das situações que temos que nos habituar.

      Há flexibilidade entre a Associação de Futebol de Macau ou o Instituto do Desporto, por exemplo, e o Corpo de Bombeiros para ajudar a facilitar este tipo de situações?

      Penso que essa situação coloca-se quando os jogos são oficiais, acho que há abertura do Instituto do Desporto, enviando umas cartas para os respectivos locais de trabalho para deixarem os jogadores virem aos jogos e aos treinos.

      Com estas condicionantes todas, que futuro pode ter a Selecção de Macau?

      Nós estamos numa fase em que tudo o que vier é lucro, como se costuma dizer. Começamos do zero, porque ao contrário de outras selecções em que a Covid-19 praticamente não parou nada, aqui em Macau parou tudo, a selecção estava sem competir desde 2019. Penso que é um trabalho que nos dará um grande prazer porque vai começar bebé, e depois vamos ver o seu crescimento ao longo dos anos. Acho que tem tudo para crescer, oxalá todas as pessoas ajudem. Estamos a falar de jogadores, treinadores, os próximos clubes, a Associação e o Instituto do Desporto, tem que haver aqui uma conjugação de valores para que o futebol de Macau evolua. Penso que com esta abertura pós-covid há a possibilidade de se realizarem mais jogos, mas sempre condicionados com as competições locais, a própria competição da AFC, onde vai participar o Chao Pak Kei, e a condicionante dos campos.

      E sente que há vontade das várias organizações ligadas ao desporto?

      Sinto que há uma grande vontade da minha parte e da parte dos jogadores. O futebol de Macau crescer a nível de organização e exigência passará também um bocado por os clubes se associarem e reivindicarem certas situações. Não pode ser só um clube a tomar uma posição porque não terá força, mas se os clubes se juntarem, até nesta situação dos campos, penso que terá que haver uma ligação forte entre os clubes para depois se poderem reivindicar.

      FOTOGRAFIA GONÇALO LOBO PINHEIRO

      Devido à elevada carga de jogos, vários dirigentes pediram já no passado relvados sintéticos. Seria uma boa solução?

      Pelo menos se calhar levaria a que houvesse mais actividade, mais treinos. A relva natural, com a utilização sistemática, chega-se a uma altura em que se torna praticamente impraticável. Penso que Macau precisava sobretudo de pelo menos mais um ou dois campos, dois relvados, sejam sintéticos ou relva natural, era importante para haver mais treinos, mais horários disponíveis, para as selecções nacionais e para os próprios clubes que participam sobretudo na primeira liga, e que possam usufruir de um espaço em que possam treinar a campo inteiro. Temos aqui uma competição que é extremamente importante aqui em Macau, que é a Bolinha. Eu compreendo esse aspecto, mas a nível da Europa não tem expressão, não há este tipo de competição, e para a selecção nacional não é benéfica, porque é muito diferente do futebol de 11. Vou ver a Bolinha pelo prazer de ver jogos e jogadores, mas não para tirar ilações porque é um espaço reduzido e em futebol de 11 é completamente diferente.

      Mesmo assim, é uma competição que consegue atrair mais pessoas que os jogos de futebol de 11…

      Isso é outro problema. Quando falaram comigo em Portugal falou-se na paixão das pessoas pelo futebol, e nota-se que há. No nosso jogo da selecção tivemos um certo público e foi importante, e isto só leva a crer que se as pessoas divulgarem mais os jogos, as pessoas virão.

      Há jogadores na selecção que querem ser profissionais?

      Houve jogadores que tentaram essa via, mas realmente não há da parte dos jogadores essa grande vontade porque em Macau é difícil sair para o estrangeiro. Não tenho conhecimento neste momento que algum jogador queira abraçar esse projecto. Nós criámos uma cultura de exigência para que no futuro os jogadores que saiam daqui para outros países para competir não sintam tanta diferença, porque neste momento há uma grande diferença.

      Como compara a qualidade dos jogadores nas ligas de Macau com Portugal, por exemplo?

      É difícil fazer essa comparação. Penso que há uma grande diferença, não só a nível físico, mas principalmente a nível de competitividade e intensidade. Não queria comparar com nenhuma divisão, mas nenhuma equipa aqui jogaria numa segunda liga em Portugal, nem na Liga 3, são realidades completamente diferentes. E temos equipas no Campeonato de Portugal que chegariam aqui e seria um passeio. Temos que nos cingir à nossa realidade, a minha ideia é preparar cada vez melhor os jogadores para que no futuro essa décalage não exista.

      Tiveram recentemente o primeiro jogo internacional, frente a Singapura. Como avalia a prestação da equipa?

      Satisfeito com a nossa prestação. Singapura fez dois jogos, em Hong Kong, e depois vieram cá a Macau, estiveram reunidos 10 dias. Nós não tivemos reunidos, não havia possibilidade por causa dos jogos do campeonato, e fizemos um treino na véspera do jogo. E esse treino, que era para ser de uma hora, teve 30 minutos porque caiu uma carga de água e trovoada. Só para compararmos a diferença, ou seja, como é que se consegue preparar um jogo com um treino? Enquanto o campeonato de Singapura parou para a selecção, Macau continuou a jogar. Nós, com as mesmas armas, podemos fazer coisas engraçadas, confio bastante no potencial dos jogadores. Mudar a mentalidade dos jogadores é um dos nossos principais objectivos e penso que isso tem sido conseguido, da forma como treinamos, a exigência, a intensidade, a cultura táctica. Dizer a eles que podemos jogar olhos nos olhos com qualquer adversário, isso é extremamente importante. Um dos grandes objectivos para o futuro é que Macau consiga jogar de igual para igual com as restantes selecções do seu nível aqui da Ásia.

      Foi também complicado porque apanhou a selecção numa altura em que estavam um pouco de costas voltadas com a Associação por não terem ido jogar ao Sri Lanka.

      Sim, foi um problema. O nosso início foi difícil porque esse problema não estava resolvido. Praticamente todos os jogadores que têm sido chamados querem vir à selecção, agora e no futuro, houve outros a quem foi dada essa hipótese e que negaram, e eu respeito isso tudo, mas para mim fecharam a porta. Representar a selecção tem que ser um orgulho enorme, não pode ser um acontecimento banal. É uma decisão que alguns tomaram, eu respeito a decisão deles, mas vamos com aqueles que querem, e felizmente para nós têm sido muitos os que querem.

      Com quantos jogadores costumam normalmente trabalhar? Ainda fazem observações?

      A realidade de Macau é uma realidade pequena, em termos de quantidade não temos muitos jogadores que possam integrar. Fazemos uma lista de 25-30 e temos colocado muitos jovens a quem tem sido dada uma oportunidade. E oxalá que os miúdos tenham essa vontade em querer evoluir e crescer no futebol.

      FOTOGRAFIA GONÇALO LOBO PINHEIRO

      Há algum jogo previsto agora para breve?

      Temos um jogo previsto para 19 de Junho com o Myanmar, na China.

      Noutros anos vieram algumas equipas a Macau, inclusive de Portugal, para realizar jogos amigáveis. É uma boa forma de promover o futebol em Macau?

      Penso que sim, haja disponibilidade financeira. Depende um bocadinho da capacidade financeira para trazer os clubes. Já vieram cá grandes equipas a Macau, isso é extremamente importante para chamar os jovens, ver aqui grandes estrelas, como veio cá o PSG. Para o desenvolvimento do futebol de Macau era fantástico. Acho que estamos numa fase em que, com esta abertura, podem-se fazer muitas coisas, agora haja vontade de toda a gente para que isso seja possível.

      Tem alguma estimativa sobre quanto tempo irá dedicar a este projecto chamado Macau?

      Não, a ideia que eu tenho é tentar fazer com que Macau evolua em termos futebolísticos, que os jogadores consigam evoluir em termos de conhecimentos tácticos e técnicos.

      Fora o futebol, o que é que o Lázaro gosta de fazer por Macau?

      Deixei de jogar, mas gosto de fazer desporto, se me convidarem para ir fazer um joguinho com os amigos eu vou, ainda me sinto com capacidade. Gosto de correr, conheço os trilhos todos.