António Maló de Abreu está pela primeira vez em Macau para uma visita de cinco dias. Em entrevista ao PONTO FINAL, o deputado do PSD pelo círculo Fora da Europa na Assembleia da República de Portugal pede uma “reforma profunda” da rede consular, que vê como as artérias do Estado português. Maló de Abreu considera que o Governo português não tem dado atenção suficiente a Macau e não tem aproveitado o papel de plataforma da RAEM. O deputado português garante também que a sua voz se fará ouvir em casos de cerceamento de liberdades em Macau.
António Maló de Abreu, deputado do PSD eleito em 2022 pelo círculo Fora da Europa na Assembleia da República de Portugal, veio visitar Macau pela primeira vez para tomar o pulso à comunidade portuguesa no território. Em entrevista ao PONTO FINAL, o deputado português começou por criticar a situação do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong e da rede consular em geral, pedindo uma “reforma profunda” tanto a nível de recursos humanos como a nível tecnológico. “Nós somos muito pequenos e só seremos maiores se conseguirmos integrar as comunidades portuguesas”, afirmou. Considerando que o Governo português não tem dado atenção suficiente a Macau, Maló de Abreu descreveu o território como “um ponto central” da política externa de Portugal, nomeadamente pelo papel de plataforma face ao interior da China. Sobre as críticas que têm surgido nos últimos anos, de que em Macau há menos pluralismo de opiniões e liberdade de expressão, o deputado afirmou: “Percebo a atitude de certos Governos e de certos regimes, mas sou crítico de tudo o que seja cercear a liberdade de imprensa ou de expressão”. Maló de Abreu garantiu também que a sua voz se ouvirá se houver uma diminuição de liberdades. Por fim, Maló de Abreu mostrou-se optimista face ao futuro da comunidade portuguesa em Macau, prevendo o regresso de alguns dos portugueses que saíram nos últimos anos. “Espero que a comunidade portuguesa recupere e espero que se mantenha em Macau e não se perca”, sublinhou.
É a primeira vez que visita Macau. Tem acompanhado à distância a situação da região?
Claro. Tenho muito interesse. Estive para vir a Macau no ano passado, no princípio do ano, mas infelizmente a situação da pandemia não permitiu que viesse a Macau nessa altura. Prometi que na primeira janela de oportunidade vinha a Macau, portanto cá estou. Fui eleito pelo círculo eleitoral de Fora da Europa – que é este enorme círculo que começa em Cabo Verde, apanha África toda, o continente americano, a Ásia e Oceânia. Macau tem uma comunidade portuguesa muito importante e há laços muito importantes. Está numa zona geográfica e geoestratégica que, do meu ponto de vista, é muito importante. Esta pode ser a nossa porta de entrada e um dos nossos pontos nesta zona do mundo, que é uma das mais importantes.
Já se encontrou com vários membros da comunidade portuguesa em Macau. Quais as preocupações levantadas por eles?
Há situações das comunidades portuguesas que são transversais a todos os países, uma delas é a situação em que se encontra a nossa rede consular e o atraso que há em relação a uma série de processos que demoram meses a andar. Essa é uma preocupação que não é só de Macau, é uma preocupação da Austrália, do Brasil, dos EUA, do Canadá, etc. Portugal, erradamente, diminuiu para cerca de 50% os recursos humanos da sua rede consular mundial. A rede consular é muito importante para a diáspora. As tecnologias não dão resposta às comunidades mais envelhecidas. Essa é uma situação que é transversal a todas as comunidades em toda a parte do mundo. Houve um esmagamento dos recursos humanos da rede consular. Do meu ponto de vista, quem tem 10 milhões de portugueses em Portugal e mais cinco milhões de portugueses e lusodescendentes precisa de ter uma rede consular – que é como as nossas artérias – a chegarem o mais longe possível e mais próximo dos portugueses.
O Governo não tem tratado dessas artérias?
O Estado português não tem tratado bem das suas artérias. Não tem feito chegar o sangue o mais longe possível e o mais perto possível das suas comunidades. Acho que é fundamental uma reforma profunda da rede consular tanto em recursos humanos como em meios tecnológicos. Portugal tem de perceber o seguinte: nós somos muito pequenos e só seremos maiores se conseguirmos integrar as comunidades portuguesas. Nós somos nós e as nossas comunidades. E, para termos as nossas comunidades integradas, elas têm de sentir que estão próximas de Portugal, que são acarinhadas pelo Estado português, que têm respostas eficazes, que não são portugueses de segunda. A nossa rede consular é fundamental para os portugueses sentirem rápidas respostas às suas necessidades em questões básicas como o cartão de cidadão, passaporte, etc. A rede consular é uma questão fundamental.
Avizinha-se uma greve dos funcionários consulares. O Governo português não fez o suficiente para a evitar?
Claro que não. É dramático. Haver greve na nossa diplomacia e na nossa rede consular é o pior que nos pode acontecer. As situações têm de ser resolvidas porque passaram anos sem estes assuntos serem enfrentados. Quem é que quer trabalhar num consulado quando ao lado ganha o dobro ou o triplo? Não se podem pagar ordenados de Portugal a quem vive em sítios onde o nível de vida é outro. Têm de ser bem pagos, tem de haver carreiras. É preciso fazer uma reestruturação da nossa rede consular.
Acha que o Governo português não tem dado atenção suficiente a Macau, nomeadamente?
Tenho a certeza que não. Macau é um ponto central da nossa política externa. Não só pela comunidade que cá temos, mas pode ser exactamente um dos pontos de alavancagem da nossa estratégia internacional.
Pela sua ligação à China continental?
Como é óbvio. É preciso fazer cumprir os nossos acordos com a China, é preciso ter um diálogo muito efectivo com a China e julgo que Macau deve ser o ponto onde nós temos de investir mais para estarmos mais próximos da China e para podermos atacar bem este problema das relações com a China de forma a termos vantagem. Nós temos vantagens em virtude das nossas relações com a China, mas pode ser muito melhor alavancada se soubermos estar aqui como deve ser.
Portugal não está a aproveitar bem o que Macau oferece?
De maneira nenhuma. Quando é que esteve cá o último governante português? O primeiro-ministro, os ministros e secretários de Estado andam por todo o mundo e há quanto tempo não vêm a Macau? Por aí se vê a importância que dão a Macau. Se dessem alguma importância todos os anos pelo menos estaria cá um alto dirigente do Estado português.
De que forma é que se poderiam aproveitar melhor as valências de Macau?
Em todos os aspectos. Temos luso-eleitos, empresas, empresários, comunicação social, uma série de pessoas da nossa comunidade, incluindo em Macau, que não são aproveitadas no sentido de vender a imagem de Portugal e a dinâmica que Portugal quer implementar nas suas relações internacionais e nos seus negócios estrangeiros – o nome do ministério é dos Negócios Estrangeiros. Em todos os aspectos – desde a universidade, língua, negócios, o que for – tudo conta e tudo tem de ser bem articulado e Portugal não tem sabido fazer isso, de maneira nenhuma.
Já se encontrou com o embaixador de Portugal na China e com o cônsul-geral de Portugal em Hong Kong e Macau. Foram essas preocupações que abordaram? Que respostas é que podem ser encontradas?
Claro. Eles têm as mesmas preocupações. O embaixador que está na China veio de um dos consulados mais difíceis que temos neste momento, que é o de São Paulo, onde há mais queixas. Ele conhece bem a realidade. O ministério e os diplomatas sabem bem as dificuldades por que passam. Têm havido promessas, mas as resoluções têm sido adiadas, primeiro foi a pandemia, agora é a guerra da Ucrânia e no próximo ano haverá outro motivo qualquer para não se fazer uma aposta séria na nossa política externa. Em Portugal só nós, que vivemos numa bolha, é que pensamos que somos importantes, mas só somos importantes se conseguirmos olhar para fora de Portugal e conseguir aproveitar as dinâmicas externas que passam muito pelas nossas comunidades que estão lá fora.
Como vê o trabalho desenvolvido pelo Conselho das Comunidades Portuguesas?
O Conselho das Comunidades Portuguesas é um conselho consultivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, apesar de nós na Assembleia o ouvirmos com muita regularidade. Acredito que o secretário de Estado das comunidades não possa andar pelo mundo o ano inteiro e, sentado no Terreiro do Paço, precisa de ter olhos, que são os embaixadores e cônsules, mas precisa de ter olhos também na sociedade civil. No fundo, os 80 conselheiros das comunidades são os olhos e a boca das nossas comunidades, associações, da sociedade civil. Eu coordeno o grupo de trabalho na comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República para rever a lei do Conselho das Comunidades Portuguesas e o meu objectivo principal é tentar encontrar uma lei em que o conselho não seja só ouvido, mas que seja escutado obrigatoriamente em relação a tudo o que diga respeito às comunidades. Não quer dizer que sejam atendidos, mas que sejam escutados e que emitam parecer. Os conselheiros daqui, como de outros lugares, têm feito chegar às entidades competentes, tanto Assembleia da República como Governo, as suas preocupações. Não me parece que, no geral, tenha havido resposta às necessidades da comunidade de Macau.
Tirando os problemas do consulado e o aproveitamento de Macau como plataforma, há alguma questão relacionada com o território que o preocupe?
Já estive num jantar com associações de matriz portuguesa e vou visitar um conjunto de associações e entidades. Vou ouvi-los e vou tentar saber quais são as suas dificuldades. Até sábado tenho uma agenda muito preenchida e de muitos contactos para perceber, para além dos problemas que são comuns a todas as comunidades, quais os problemas específicos de Macau. Espero até ao fim da semana ter uma noção exacta. Eu no fundo tento ser a voz dos portugueses que vivem fora na Assembleia da República, criando uma caixa de ressonância dos problemas para que pelo menos alguns sejam atendidos e resolvidos.
Nos últimos anos têm surgido críticas dizendo que há cada vez menos espaço, em Macau, para o pluralismo de opiniões e para a liberdade de expressão. É uma questão que o preocupa?
Claro. Eu sou um social-democrata, a liberdade faz parte do meu ser. Defendo uma liberdade de expressão absoluta, com direito ao contraditório. Tudo o que for cercear as liberdades obviamente que me preocupa. Se houver em Macau ou em qualquer lugar do mundo um cerceamento das liberdades obviamente que a minha voz se fará ouvir.
Recebeu preocupações de algumas pessoas em relação a isso?
Vou recebendo preocupações. Percebo a atitude de certos Governos e de certos regimes, mas sou crítico de tudo o que seja cercear a liberdade de imprensa ou de expressão. Obviamente que me manifesto sempre contra qualquer cerceamento de liberdade. Sem pejo.
Recentemente houve muitos portugueses a sair de Macau. Acha que os portugueses têm tido os seus direitos e interesses protegidos em Macau?
Do que sei, efectivamente houve muitas saídas de Macau. Dos contactos iniciais que fiz fico com a ideia de que porventura muitos dos que saíram, em função até da pandemia e etc., têm alguma disponibilidade para regressarem a Macau. Vamos ver se isso se resolve. Em Macau há condições para os portugueses viverem e trabalharem. Espero que a comunidade portuguesa recupere e espero que se mantenha em Macau e não se perca. Portugal tem de fazer a sua afirmação enquanto Estado. Espero que não se percam os valores, tradições e cultura portuguesa. Nós só existimos enquanto tivermos raízes e passado, e se não respeitarmos e defendermos esse passado não temos futuro. A ideia que tenho – e ainda não é uma ideia firme – é de que os portugueses voltarão para Macau e que há outros portugueses que virão para cá se houver oportunidade. Portugal tem de investir nisso.