Depois de 23 anos à frente da CESL Asia, António Trindade sublinha os contributos dados pela empresa à economia de Macau. Em entrevista ao PONTO FINAL, Trindade diz que a empresa conseguiu crescer mesmo durante a pandemia. Já o investimento no Monte do Pasto duplicou as vendas, adiantou. O empresário antevê uma mudança no mundo nos próximos anos, no âmbito da utilização de recursos, e diz também que “o grande desafio da humanidade é a sustentabilidade da alimentação”. Quais serão, então, as prioridades da CESL Asia para o futuro? “É o futuro”, afirma, acrescentando: “O nosso grande projecto de futuro é tentar encontrar soluções em Macau para Macau e que permitam que Macau passe do nível de desenvolvimento que tem hoje para o próximo nível”.
É presidente da CESL Asia desde 1998. Como vê o desenvolvimento da empresa ao longo destas últimas duas décadas?
A CESL Asia resulta da fusão de duas empresas, uma era minha e outra era a Somague. Em 97 começámos a explorar a possibilidade de nos juntar. A CESL Asia resulta dessa fusão. Desenvolvemos uma identidade diferente. Fazemos constantemente uma perspectivação daquilo que temos de ser hoje para poder contribuir no máximo no futuro. Isto quer dizer que temos de perspectivar o passado e utilizar o conhecimento para poder perspectivar o futuro. O sucesso tem várias medidas. Posso dizer que tenho todas as indicações de que a CESL Asia é uma entidade de muito sucesso e que muito contribuiu na comunidade de Macau de várias maneiras. Sinto-me super realizado. A CESL Asia tem um percurso total de cerca de 30 anos e no ano passado só uma das actividades da empresa é que teve resultados negativos e mesmo assim foram marginais. No global, a CESL Asia no ano passado ainda assim conseguiu fazer melhor financeiramente do que nos anos anteriores. Começámos do zero e somos premiados pela inovação. A CESL Asia gere o Centro Cultural e de vez em quando vem gente das escolas mais prestigiadas do mundo em formação de quadros de governos de administração pública para ter uma aula de um ‘case study’ sobre o Centro Cultural. O Governo não tinha ideia de como fazer o ‘outsource’ da gestão de um centro cultural e nós fizemos isso. Hoje somos 450 pessoas em Macau, algumas delas pessoas de referência em Macau, e que fazem coisas que são referência mundial. A CESL Asia apresenta soluções únicas para desafios como na gestão do património e na gestão de activos de infraestruturas.
Qual é que foi o projecto que mais o orgulhou ao longo dos anos?
Tanta coisa. É impossível dizer. O mais significativo é aquilo que nós estamos a fazer hoje perspectivando os 20 anos que vêm a seguir. Um projecto agrícola, uma herdade no Alentejo, tem tudo de bandeira. 3.800 hectares é um património brutal para uma empresa de Macau, pequenina. Portugal nunca tinha exportado carne para parte nenhuma e fá-lo hoje através de nós, altamente referenciados pela sua qualidade e pela sua prestação. Isto representa uma contribuição para o desenvolvimento económico na zona mais pobre de Portugal. Transformámos esses 3.800 hectares e mil desses hectares já estão a ser plantados para produzir colheitas agrícolas de muito maior valor. Estamos a fazer tudo sob a perspectiva da sustentabilidade. Em relação a Macau temos as nossas actividades de gestão de activos que são ao nível do melhor que há no mundo, já fomos parceiros dos melhores do mundo. Demos uma contribuição tangível à sustentabilidade da economia de Macau. Estamos a pegar no nosso passado, na informação, perspectiva e contexto, e a transformar isso em conhecimento para ajudar na decisão para o futuro.
Ao longo das últimas duas décadas, o mercado das tecnologias, energia, agricultura e energias renováveis alterou-se muito…
Muda todos os dias. Mesmo dentro da CESL Asia. O que se aprende na inovação é fazer coisas que nunca se fizeram antes, mas vêm de uma perspectiva daquilo que já se fez no passado. No espaço dos próximos cinco a dez anos o mundo vai dar uma volta completa.
Em que sentido?
Uma das grandes questões da sustentabilidade da vida como nós a temos é a disponibilização de energia de impacto zero no ambiente. A produção de energia é o grande factor da contribuição da vida humana na degradação da qualidade. Hoje em dia, as soluções existem, estão a começar a ficar ‘mainstream’, estão disponíveis. Mudou-se o paradigma, a energia agora é produzida a um décimo do custo da energia tradicional que era considerada a mais barata há dois anos. A energia solar está a destruir a utilização dos terrenos. A energia solar não é só maravilhas, utiliza muito espaço que o retira à produção de comida e de qualidade de vida para as pessoas. São questões que carecem de solução. A energia completamente disponível em que o preço também não é impedimento para a sua utilização é também a solução para a limpeza de toda a miséria que nós temos andado a fazer nas últimas décadas. Isto não é utopia, é realidade. Com energia mais barata podemos remover dióxido de carbono de onde ele está e convertê-lo em factores positivos para a qualidade de vida das pessoas. No prazo de uma década, a necessidade de estradas pode reduzir em 70%, não são precisas. Há 50 anos inventaram a história da indústria dos automóveis para enriquecer os países, criaram a vontade de as pessoas terem carros por prazer. Vão existir carros autónomos que estarão disponíveis quando as pessoas precisarem.
A CESL Asia manifestou interesse na aquisição da Efacec. Porque é que o negócio não foi firmado?
Uma parte da Efacec foi posta à venda pelo Governo. Nós fomos convidámos e perspectivámos comprar, mas desistimos do processo. Achámos que não acrescentávamos valor àquilo que estava a ser pretendido. Numa perspectiva de contribuição social achámos que aquilo que estava a ser feito não era solução para a Efacec. Estivemos muito interessados, mas chegámos à conclusão que não era viável e nós não íamos conseguir viabilizar.
E quanto ao projecto da Monte do Pasto, como tem estado a correr o investimento?
É a maior produtora de gado bovino da Península Ibérica de longe e uma das maiores da Europa. Está no seu processo de desenvolvimento e de realinhamento estratégico. Está a correr muito bem. O contexto é extremamente desafiante porque de repente surgiu a Covid. Devo dizer que este ano, neste contexto, no primeiro semestre duplicámos o nosso orçamento no volume de vendas. Tendo duplicado as vendas, estamos a fazer um projecto de inovação relevante para a humanidade: carne sustentável. Durante a pandemia comprámos mais mil hectares para culturas de alto valor, tudo com os critérios de sustentabilidade e alto valor. O grande desafio da humanidade é a sustentabilidade da alimentação. A China teve um desenvolvimento enorme porque houve uma alteração que muda o desenvolvimento social da humanidade, com a aplicação dos agentes que vieram permitir que os agricultores tivessem acesso directo aos mercados. A cadeia de criação de valor alterou-se radicalmente. Os agricultores beneficiaram e isto tirou da pobreza dezenas de milhões de pessoas. O investimento que fizemos em Portugal ganhou em várias perspectivas, como plataforma dá uma vantagem enorme, entre Macau, Portugal e a China. Nós somos o exemplo disso. O Monte do Pasto já não está dependente de uma actividade única, produz soluções sustentáveis para a comida, há uma série de outras perspectivas que nos permitem assumir riscos sustentavelmente. Se errarmos temos soluções alternativas.
Quanto é que a CESL Asia investiu em Portugal ao longo dos anos?
Directamente pela CESL Asia estamos a falar de 50 milhões.
Quais os projectos para o futuro?
É o futuro [risos]. O nosso grande projecto de futuro é tentar encontrar soluções em Macau para Macau e que permitam que Macau passe do nível de desenvolvimento que tem hoje para o próximo nível, de maior desenvolvimento. A sofisticação é ainda de maior relevância. Crescer é um desafio muito grande. Temos de encontrar soluções. Andamos a fazer esse exercício há cinco ou dez anos. A ida para Portugal faz parte disso. Há dez anos percebemos que, para criar valor e desenvolver valor, tínhamos de diversificar as nossas capacidades.
Ao nível da sustentabilidade e energias renováveis, por exemplo, como é que tem visto os esforços do Governo de Macau?
Vejo pouco. Uma coisa que vejo, que é extremamente significativa, é que há admissão clara e objectiva dos problemas. Problemas que existem há anos e que têm sido negados. Mas ainda não vi, da parte dos responsáveis pela execução, mudanças significativas. Macau é muito rica e a riqueza, em vez de aumentar a qualidade de vida das pessoas, foi reduzir a perspectiva. Macau diz que investiu brutalmente, nestes últimos anos, em infraestruturas para resolver estes problemas. Macau era uma cidade de muito baixa performance ambiental, muito suja. Os esgotos iam para a rua, a água não era salobre. Em cinco ou seis anos, Macau tornou-se um exemplo de recuperação ambiental. No início do século XXI, Macau era uma referência para a China. As coisas mudaram completamente. De repente, aparece a admissão do problema. Em relação às energias renováveis, Macau não tem muito solo, Macau não tem a qualidade de vento para produzir eficientemente energia eólica. Em Macau, o consumo de energia produz desproporcionalmente um impacto ambiental que é não aceitável.