Os três anos de pandemia e de escassez de visitantes foram duros para o sector do turismo de Macau, admitiu Helena de Senna Fernandes, em entrevista ao PONTO FINAL. “Houve momentos em que não havia mesmo ninguém nas Ruínas de São Paulo e isso dá pavor”, lembrou. Todavia, a directora dos Serviços de Turismo (DST) mostrou-se confiante no futuro e salientou: “O ritmo da recuperação está a ser muito mais rápido do que aquilo que estávamos a pensar”. No futuro, a DST quer aumentar o tempo que os turistas passam em Macau e não necessariamente aumentar o número de turistas além dos quase 40 milhões que entraram na região em 2019. Helena de Senna Fernandes garantiu que Macau tem infraestruturas hoteleiras suficientes para receber 40 milhões de visitantes. “Mas não temos de estar sempre atrás de mais visitantes”, ressalvou. A DST quer agora recuperar tempo perdido: “Perdemos três anos de trabalho a nível internacional, agora é trabalhar em todas as frentes”. Para isso, foram lançados planos de subsídios para atrair turistas, com um orçamento total de 600 milhões de patacas. O plano específico para atrair turistas do exterior deverá ser lançado no início do próximo mês, avançou a directora da DST.
Foram três anos de pandemia e de receitas residuais no sector do turismo. Foi o período mais negro da indústria desde que assumiu o cargo de directora da DST, em 2012?
Foi um período difícil, mas não posso dizer que tenha sido negro. Foi bastante difícil. Durante a minha vida profissional já tivemos vários altos e baixos. Mesmo antes da transferência de soberania tivemos dificuldades em termos de segurança e em 2003 tivemos o SARS. Até 2020 houve algumas épocas em que os visitantes diminuíram um bocadinho, mas nada comparado com este período. Não me lembro de nenhuma época sem pessoas nas Ruínas de São Paulo e isso aconteceu nos últimos três anos. Houve momentos em que não havia mesmo ninguém nas Ruínas de São Paulo e isso dá pavor, sobretudo para nós que trabalhamos na área do turismo. De facto não havia movimento.
Quanto tempo é que o sector irá demorar a recuperar tudo aquilo que perdeu nos últimos três anos?
É muito difícil prever. Eu acho que o ritmo da recuperação está a ser muito mais rápido do que aquilo que estávamos a pensar. Vemos que, durante o último Ano Novo Chinês, tivemos bastantes visitantes. Agora temos por volta de 50 mil pessoas por dia, em média. Já subiu muito, comparando com Dezembro de 2022 e até com Janeiro. Agora, também com a abertura para grupos turísticos e com o recomeço dos voos internacionais para além da Air Macau, eu acho que as coisas vão melhorar. Claro que não vai ser de um dia para o outro, porque falta pilotos, falta pessoal de ‘housekeeping’, falta pessoal em todo o lado. Talvez um ou dois anos, se calhar.
Estes três anos que passaram podem ter efeitos negativos a longo prazo para o sector?
Eu espero que não. Não fiz nenhum estudo em pormenor, por isso é difícil dizer com autoridade que não vai haver nenhum efeito negativo. Espero que não. Pelo menos o que estou a ver é que as coisas estão a recuperar rapidamente e estamos a aproveitar alguma da experiência que temos com novos produtos e itinerários durante os últimos três anos e usá-la para o mercado local. Essas experiências podem ser aplicadas ao mercado de turistas tanto do interior da China como turistas internacionais que vêm – espero – em breve.
Macau não perdeu terreno para outros destinos da região?
Sim e não. Claro que, durante os últimos três anos, houve muito pouco ou quase nenhum contacto com a comunidade internacional. Essa é uma parte que nós temos de trabalhar rapidamente agora. Também estamos a ver que os turistas agora estão a mudar. Os turistas que agora vêm cá são mais jovens e também estão a ficar mais tempo. Se calhar, este tipo de desenvolvimento é bom. Há uma parte negativa, mas também há uma parte positiva. A parte positiva é que podemos repensar o que a gente quer atingir. Agora estamos a trabalhar muito para turistas que pernoitam. São menos grupos, mas têm itinerários com mais elementos e há uma maior mostra do produto. As pessoas que vêm em grupo ficam mais tempo. Isto é importante, mas temos de trabalhar e redobrar os nossos esforços junto da comunidade internacional. Temos os ingredientes e agora temos de os trabalhar.
Desde o fim das restrições, os turistas que chegam a Macau têm ficado mais tempo?
O que estamos a ver é que muita gente quer ficar mais tempo, mas hoje em dia ainda temos carência em termos de transportes – sobretudo internacionais – e também temos alguma dificuldade para termos todos os quartos de hotel abertos. Não há gente suficiente para o trabalho de ‘housekeeping’. Durante este ano ainda vamos ter este problema. Há muitas pessoas que já saíram de Macau e muitas delas se calhar não voltam, por isso há que recrutar mais pessoas para virem para Macau. Mesmo dentro de Macau as pessoas têm de aprender novas maneiras de trabalhar. É difícil, mas também é uma altura em que a gente pode fazer uma mudança na nossa estratégia. O Governo quer mais elementos não-jogo e quer também, por exemplo, desenvolver a parte das convenções, incentivos e exibições. É uma boa oportunidade para que todos nós, tanto da parte do Governo como da indústria, repensemos a estratégia e reposicionemos o trabalho.
Falou da falta de recursos humanos no sector. Isso está a fazer com que sector não recupere tão rapidamente como poderia recuperar com mais recursos humanos. É uma preocupação da DST?
Já realizámos duas reuniões em Janeiro. Convidámos a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais [DSAL] para falar directamente com a nossa indústria. A nossa indústria manifestou as suas preocupações e necessidades e teve uma boa resposta por parte da DSAL. Por outro lado, realizámos uma reunião em conjunto com a nossa indústria e com a presença da DSAL e da Federação das Associações dos Operários de Macau [FAOM]. Eu acho que está a haver uma boa sensibilização entre as duas partes. Primeiro, temos de assegurar o emprego para as pessoas de Macau, mas de facto também há muitas tarefas que o pessoal local não quer fazer, temos de ser realistas. Todas as partes têm esta noção. Vamos trabalhar em conjunto para, por um lado, haver emprego para pessoas de Macau e, por outro, se houver situações que o mercado local não consegue dar resposta, temos de abrir a possibilidade de recrutar de fora.
Dessas reuniões saiu alguma garantia da DSAL?
Durante estes três anos há muitas quotas que as próprias operadoras e PME devolveram à DSAL e a DSAL prometeu que, em cinco dias úteis, vão aprovar as quotas. Mas aprovar as quotas é uma parte do trabalho. Outra parte, mais essencial, é o recrutamento. Não é de um dia para o outro que as pessoas são recrutadas e treinadas. Por isso agora há que acelerar o processo para recrutamento e formação de pessoal.
Falou também do facto de os residentes de Macau não estarem disponíveis para trabalhar no sector. Isso também tem prejudicado a recuperação? Como é que se cativa os locais a trabalharem na indústria?
São as condições de trabalho. Ouvi da parte das operadoras que estão a tentar oferecer melhores condições para que os residentes que não estão empregados fiquem com interesse de entrar nesta área. Isto é um ‘give and take’, eles têm de oferecer condições. Eu julgo que vamos lá, mas terá de ser passo a passo, não será de um dia para o outro que vamos conseguir superar as deficiências, mas com tempo a gente vai lá.
Há também quem se queixe do preço actual dos quartos de hotel. Alguns deputados alertaram também para essa questão. A DST está atenta à situação?
Estamos atentos, mas não se pode pensar que se pode continuar a praticar os mesmos preços como durante a pandemia, isso não é saudável. Se formos comparar os nossos preços com os preços praticados, por exemplo, em Hainão ou em Singapura, realmente os preços daqui não são tão exorbitantes. Temos de ser realistas. Esta é uma questão de procura e oferta. Se há muito mais oferta do que procura, claro que os preços vão baixar. Mas agora, com tanta procura, não vamos continuar a praticar os preços como durante os três anos da pandemia, isso não é realista. Tem de se ser razoável. Os nossos hotéis, em comparação com qualquer outro lado, são topo de gama.
Em 2019, antes da pandemia, Macau recebeu quase 40 milhões de visitantes. Em termos de infraestruturas, Macau está preparado para receber uma quantidade semelhante de turistas no futuro?
Mesmo durante a pandemia, abrimos mais hotéis. Agora temos cerca de 40 mil quartos. E vão continuar a abrir alguns hotéis. Temos pelo menos dois mil quartos ainda por licenciar. Em termos de oferta hoteleira, de facto temos suficiente. Se houver procura, julgo que vão abrir mais hotéis. E esses hotéis não se concentram só no Cotai, também abriram hotéis em outras zonas da cidade. Julgo que, com boas perspectivas para negócio, os investidores vão continuar a investir e há projectos interessantes que temos em mãos. Mas há outra parte em que temos de trabalhar um bocadinho mais, por exemplo, o trânsito. Há queixas de que não há táxis suficientes. Com o Metro Ligeiro a ir até A-Má ainda este ano – espero bem que sim – se calhar isso vai ajudar a oferecer uma outra maneira de nos movimentarmos entre as diferentes áreas de Macau. Na minha opinião, temos suficientes infraestruturas para 40 milhões de visitantes, mas não temos de estar sempre atrás de mais visitantes. Na nossa estratégia, o que é importante é fazer com que as pessoas fiquem cá mais tempo. Temos mais produtos. Há três anos não tínhamos o TeamLab, não tínhamos realidade virtual nas Ruínas de São Paulo, muitas coisas cresceram nestes últimos três anos e o nosso produto vai continuar a crescer também. O que precisamos é que as pessoas fiquem a saber desses novos produtos e que fiquem interessados em visitar.
Então, no futuro a curto-prazo, não será atingido novamente o nível das 40 milhões, já que o objectivo é que as pessoas fiquem mais tempo?
Não vai ser de um dia para o outro que vamos chegar aos 40 milhões de visitantes e não é assim tão saudável passar de um dia para o outro dos 5 milhões para 40 milhões. Temos infraestrutura preparada para isso e temos de ter pessoal e de retreinar muitas pessoas para os nossos novos produtos que vão aparecendo durante os próximos dez anos. Os novos contratos de jogo vão-nos trazer muitos mais produtos internacionais. Eu não tenho uma bola de cristal, mas temos a possibilidade de atingir os 40 milhões, mas esse também não é o nosso objectivo. Se, naturalmente e gradualmente, houver mais interesse em Macau e as pessoas vierem, vai haver um crescimento. Mesmo antes da pandemia, já tivemos esta ideia e este objectivo [de prolongar a estadia dos turistas]. Naquela altura era difícil, porque muita gente vinha só um dia e não conseguimos mudar o pensamento das pessoas. Durante a pandemia houve esta mudança em que as pessoas reconheceram que podem ficar mais tempo em Macau e há coisas suficientes para fazer com uma estadia mais prolongada.
Há alguma estimativa sobre o número de turistas que vão chegar este ano a Macau?
Ainda não fizemos os nossos novos cálculos. Pensámos em 40 mil pessoas por dia, em média. Esta foi uma projecção que fizemos em Novembro. Agora, com esta nova perspectiva, estamos a refazer os nossos cálculos. Ainda não temos uma projecção final, ainda estamos a observar como é que está a ser a tendência depois do Ano Novo Chinês. Com os novos voos, temos de fazer um cálculo completamente novo. Se calhar, até ao fim do mês, vamos ter uma noção dos turistas que vamos receber até ao fim deste ano.
Foram lançados planos para atrair turistas…
A competição é muito grande hoje em dia. Perdemos três anos de trabalho a nível internacional, agora é trabalhar em todas as frentes.
Será lançado um plano para atrair turistas do estrangeiro…
Para o interior da China, desde 2020, já temos a oferta de descontos para hotéis, temos também os descontos ‘buy one get one’ da Air Macau e também lançámos este mês o plano para subsidiar grupos turísticos do interior da China. O que estamos agora a fazer é um plano para subsidiar grupos vindos de Taiwan. Por outro lado, há outro plano para grupos turísticos dos mercados internacionais. Vai haver um subsídio um bocadinho mais elevado do que para o interior da China.
Em que moldes é que vai funcionar esse subsídio? Quem serão os destinatários?
Os destinatários serão as agências de viagens. As nossas agências de viagens podem pedir esse subsídio consoante os grupos que conseguem atrair. O subsídio vai ser por cada visitante que pernoite. Se ficar duas noites, o subsídio será mais elevado.
Qual é o orçamento do plano?
No total, para todos os tipos de subsídios, incluindo a Air Macau e descontos para hotéis e tudo, vai ser por volta de 600 milhões de patacas.
Quando é que vai entrar em vigor esse plano de subsídios para turistas do estrangeiro?
Estamos já em procedimento. Espero que no início de Março já esteja em funcionamento.
Um dos objectivos do Governo é precisamente diversificar a fonte dos turistas, para que não sejam só turistas do continente a chegar a Macau. É possível atrair turistas do estrangeiro a curto prazo com esses planos?
Estamos a trabalhar e a fazer todos os esforços. O problema é que a Air Macau só tem um voo por semana para todos os seus destinos internacionais. Mas agora, com a AirAsia a entrar em funcionamento e com a Air Macau a aumentar o número de voos por semana, vamos ter a possibilidade de trazer turistas internacionais. Na semana passada, convidámos as agências de Hong Kong a virem a Macau. Um dos objectivos é que as agências de Macau trabalhem em conjunto com as agências de Hong Kong para trazerem visitantes internacionais através de Hong Kong.
Quanto aos mercados internacionais, o foco passa para já por Tailândia e Coreia do Sul…
Esses são aqueles destinos que têm voos directos. Depois vamos alargando. Neste momento, temos voos directos já para Japão, Coreia, Tailândia, Malásia. Esses são os primeiros destinos onde vamos lançar o nosso trabalho e logo a seguir vamos pensar noutros.
Mercados ocidentais, por exemplo?
Esse tem de ser um segundo passo. De facto, é mais fácil atrair visitantes da Ásia porque as distâncias são menores. Passo a passo, vamos alargando. Temos de ser realistas, não vamos ter, de um dia para o outro, muitas pessoas a virem da Europa ou dos Estados Unidos ou de outras partes do mundo. Vamos começando com a Ásia, onde há muitos ‘hubs’ – como Malásia, Singapura, Tailândia.
As operadoras de jogo têm agora de apostar nos elementos não-jogo…
Está na lei, eles têm de cumprir os contratos. [risos]
Isso vai permitir que mais turistas cheguem a Macau?
Sem dúvida. As operadoras têm, dentro do contrato, cláusulas a dizer que eles têm de trazer mais visitantes internacionais. Eu acho que eles vão trabalhar para esse efeito. Os eventos que eles vão trazer vão ajudar a contribuir para trazer mais visitantes internacionais.