As relações económicas entre Portugal e a China estão de boa saúde, embora tradicionalmente deficitárias, considerando a dimensão de um e de outro país, diz o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa. À margem de mais uma edição da rubrica “Conversas sábias”, organizada pelo Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, António Noronha, em entrevista ao PONTO FINAL, falou sobre o papel que a RAEM deveria ter — e não tem — nas trocas entre estes dois países e afirmou que os empresários portugueses se aventuram pouco.
Qual é o balanço que faz das relações económicas entre Portugal e a China?
Estão no bom caminho. Continuamos com uma balança económica deficitária, mas isso é normal. Será normal importarmos mais da China do que exportarmos para a China. Se calhar, não temos tido a habilidade nem a diplomacia suficiente para fazermos um bocadinho mais de comércio — nós, portugueses — com a China. Isso é um desafio que temos em Portugal, mas, de qualquer maneira, as coisas têm corrido relativamente bem. Os crescimentos têm sido sustentados, não há aqui nenhuma quebra. Dá-me a sensação de que existe uma cada vez maior confiança entre os povos, embora estejamos integrados na União Europeia, que, de alguma maneira, tem imposto restrições que não ajudam muito no desenvolvimento de relações de confiança. Está estabelecida uma boa relação de confiança entre os portugueses e os chineses — Macau é uma plataforma de acesso, ainda que pouco explorada (devia ser muito mais explorada) — e, portanto, em termos globais, as coisas estão no bom caminho. Podem melhorar, naturalmente, como tudo na vida.
Por que motivo é que Macau está pouco explorada?
Depois do handover, embora tenhamos bons contactos em Macau, a população portuguesa ficou sem perceber que podia usar Macau como porta de entrada. É uma cultura próxima, que conhece há 510 anos a cultura chinesa — tudo aquilo podia ser uma coisa facilitada. O que é certo é que os empresários portugueses se aventuram pouco. Acho que é por falta de conhecimento — por exemplo, de todos os incentivos que existem na Grande Baía, tudo o que está a ser feito para famílias, para empresas, tudo isso é pouco conhecido. A própria Câmara vai precisar de ter um papel, no sentido de ajudar a que os empresários conheçam este tipo de ajudas para o desenvolvimento económico nessas áreas.
O Fórum Macau é uma instituição que existe em Macau para promover essa troca de informação. Até agora, acha que esse papel tem sido bem cumprido?
Sou presidente da Câmara há muito pouco tempo. Quando cheguei, ouvi falar do Fórum Macau e fiquei manifestamente entusiasmado com o Fórum Macau — um fundo chinês que tem a intenção de fomentar tudo quanto é a língua portuguesa pelo mundo e eu pensei que estava aqui uma oportunidade de ouro. Mas as oportunidades de ouro têm sido exploradas por outras geografias que não a portuguesa. Os brasileiros têm explorado o Fórum Macau, Angola também tem explorado o Fórum Macau e Portugal não se tem interessado o suficiente, porque, como é natural em qualquer fundo, comparticipa com uma parte, mas é preciso também o país interessado mostrar que existe um projecto, mostrar que existe algo em que valha a pena investir. Esta última visita do ministro da Economia de Portugal, Pedro Reis, talvez tenha suscitado maior interesse por parte da comunidade empresarial portuguesa, porque ele foi acompanhado de uma comitiva. Se me pergunta: mas tem resultado? Não, não me parece que tenha resultado e acho que fazemos mal em que não tenha resultado.
É Portugal que não está a aproveitar as oportunidades ou é o Fórum que não tem cumprido o seu papel?
É Portugal que não está a aproveitar suficientemente aquilo que lhe é proporcionado, mas, naturalmente, nestas coisas tem de existir alguma reciprocidade. Tem de haver uma troca do que quer que seja e isso não tem sido aproveitado. Aliás, penso que é a primeira vez que um ministro da Economia se desloca para o encontro do Fórum Macau.
Há acusações por parte da União Europeia e dos Estados Unidos, relativamente à China, de inundar o mercado com produtos industriais baratos. De que maneira isso tem tido impacto em Portugal?
Temos tido aqui algumas questões relativamente a empresas chinesas, mormente naquilo que são os automóveis, os veículos eléctricos e na parte das comunicações (o 5G) — um, por questões de segurança e outro, por questões de infra-custo de produção. Essas tarifas europeias têm de alguma maneira restringido a actividade. Temos aí duas empresas em Portugal, principalmente a Huawei, que sofre muito com esta parte do 5G [a exclusão da Huawei aos serviços 5G em Portugal], porque toda a infraestrutura de telecomunicações portuguesas, seja qual for o operador, seja a Portugal Telecom, seja a Vodafone, estão todas assentes na infraestrutura Huawei e, fazer uma alteração nisto, tem custos elevadíssimos para os operadores. Independentemente disso, a grande questão que está por detrás é que é um relatório de uma avaliação subjectiva em que os factos não são conhecidos, possivelmente por questões de segurança nacional. Mas, se calhar, deveriam ser um pouco mais sustentadas essas restrições, porque esse parceiro, a Huawei, sofre com isso. Relativamente aos veículos eléctricos, o que se passa é que é uma maneira de termos quase mais inflação, são mais tarifas [a UE impôs uma tarifa à importação de veículos eléctricos]. Podíamos comprar veículos que, se calhar, são tão bons como outros veículos europeus e não os compramos. No que toca a Portugal, nós sofremos algumas questões, pelo facto de estarmos integrados na União Europeia, embora a União Europeia funcione a várias velocidades. Ao lado de Portugal temos a Espanha, e aí, relativamente a esta questão do 5G, não se passa nada. Estão a aguardar a ver o que isto dá. Quando aparecer uma regra, eles adoptarão a regra.
Portugal é mais cauteloso?
Mais conservador. Eu chamar-lhe-ia assim. Gostamos de ser bons alunos, só que, depois, ao sermos bons alunos, as contrapartidas é que, às vezes, são pouco visíveis.
Qual é o papel da Câmara neste contexto — fazer alguma pressão junto do Governo?
Não lhe chamaria pressão, mas sensibilização junto das entidades governamentais. Estivemos com a secretaria de Estado da Economia e, a cada momento, sensibilizamos para este tipo de situações, que não ajudam de facto. Se nós não adoptarmos soluções 5G ou 6G mais evoluídas, quem vai sofrer é a população — degradam-se os serviços e, portanto, não temos grande vantagem. Podemos dizer que é uma questão de segurança nacional, que é isso que está por detrás. É uma questão de segurança nacional, até certo ponto, porque poderá haver soluções de determinadas áreas, clusters, que podem ser introduzidos. Acho que deveria haver outras soluções que não esta. Poderia haver aqui uma solução intermédia.
Olhando para o futuro das relações comerciais entre a China e Portugal, que novos investidores/empresas estão por entrar em Portugal?
Temos o investimento de Sines que é um investimento brutal e tentamos que o mesmo se sinta confortável em estar em Portugal e que avance. Os licenciamentos e todo o aspecto administrativo não têm sido fáceis. É preciso sermos cautelosos, naturalmente, preservando os nossos interesses, mas ser cautelosos e não afugentar este tipo de investimentos. Para nós, são importantes, criam emprego, geram riqueza e eu acho que é importante que todos os que estão envolvidos estejam muito interessados nisso, mas, de facto, há aquele relatório necessário para, de alguma maneira, sustentar que tudo foi cumprido. Não os afugentemos, é o que eu digo. Há intenções de fábricas de montagem de automóveis, têm havido alguns contactos, mas ainda não estão firmados acordos, no sentido de tentar utilizar antigas fábricas de montagem, que podem ser reconvertidas e dar guarida a esses investidores chineses.
Da parte dos empresários chineses, vê agora algum receio em investir em Portugal?
O território português continua muito apetecido. Nós, portugueses, somos bastante acolhedores. Os chineses sentem-se bem em Portugal e Portugal pode ser uma porta de entrada — sei que isto é uma opinião, que pode não ser comungada por toda a gente. Aliás, há uns que acham que isto não tem qualquer sentido. Eu sou da opinião que Portugal pode ser uma entrada suave, sem ser disruptiva, na Europa e com acesso a outros mercados, tal e qual como é a Europa do Leste, onde os chineses também têm feito algumas entradas e conseguem, por essa via, ter outra porta de entrada. Tudo isto tem a ver com a ‘One Belt One Road’, com essa iniciativa de alargar mercados e crescimento. Portugal continua a ser um bom destino e os chineses gostam de vir por Portugal tentar conhecer outras partes da Europa, e nós ajudamos nessa matéria. Em 2024, quase todas as semanas tivemos uma delegação de alguma província a vir conhecer. Acredito que o conhecimento e as pessoas conhecerem-se é fundamental para a palavra confiança.
Quais são os objectivos da Câmara, a curto e médio prazo?
Continuar a dar suporte aos nossos parceiros, continuar a ter mais parceiros e mais empresas que estão dentro da Câmara, no sentido de potenciar o relacionamento entre a China e Portugal. Não só entre a China e Portugal, mas também entre a Câmara e outras Câmaras tentar perceber o que podemos fazer de igual, o que podemos fazer melhor e o que podemos não fazer. Há aqui algo que tem de ser explorado. Nós, nesta altura, temos cerca de 200 associados. Gostaríamos de ter mais, naturalmente, e, sobretudo, que os associados se sintam defendidos e, para além de defendidos, que tirem proveito da Câmara como algo que os ajude nos negócios. A Câmara tem de ter uma missão, que é ajudar os seus associados, e, especialmente, nos momentos menos bons. Nos momentos bons, toda a gente vive em festa e não há problema nenhum. Nos momentos menos bons e aqueles em que é preciso uma entidade governamental, o acesso ao embaixador, esse tipo de coisas, a Câmara tem de estar lá e muito disponível para ajudar os associados.
De que maneira é que a Câmara vai, por exemplo, promover Macau junto dos empresários portugueses?
Difundindo. Dizendo que em Macau (Hengqin) existe ali uma plataforma e os empresários podem ali fazer a utilização de incentivos fiscais. Há a parte administrativa chinesa, que não é fácil, e a parte burocrática, mas existem escritórios que podem ajudar nessa matéria.