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      Antigo advogado de Macau, Luís Mesquita de Melo, lança romance “Nas esquinas do olhar”, hoje, no Faial

      O ex-advogado do território, Luís Mesquita de Melo, lançou na quarta-feira, em Lisboa, o seu primeiro romance. Intitulado “Nas esquinas do olhar”, é uma obra de ficção, que parte dos Açores, passa por Lisboa, chegando a Macau e ao Vietname. É apresentado hoje, no Faial.

       

      O espaço da Livraria Martins, em Lisboa, era pequeno para os amigos e entusiastas que se juntaram para assistir ao lançamento do mais recente livro de Luís Mesquita de Melo, com apresentação da jornalista Anabela Mota Ribeiro. “Nas esquinas do olhar” é lançado também, hoje, no Faial, no Auditório da Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça, e conta com a presença do escritor açoriano, Victor Dores.

      A acção situa-se nas décadas de 80 e 90 do século passado e prolonga-se até aos dias de hoje. “O livro tem três personagens principais, uma delas é o Álvaro dos Reis”, revela Luís Mesquita de Melo ao PONTO FINAL. “O nome dele tem um pouco a ver com a dualidade entre o Álvaro de Campos e o Ricardo Reis [heterónimos de Fernando Pessoa], que representam duas formas completamente diferentes de ver a vida e que reflectem também uma certa dualidade de personalidade deste personagem”, explica.

      Além do protagonista, na trama de “Nas esquinas do olhar” entra também uma figura que é muito familiar no universo do território: um bate-fichas da China continental. “Aqui está todo o universo do jogo de Macau, que tentei retratar no seu lado mais negro”, explica o anterior causídico do território.

      Ao mesmo tempo, corre uma “história paralela de uma rapariga vietnamita, que nasce no Delta do Rio Mekong” e tem o desejo de ser bailarina. Porém, acaba por ser aliciada, no Vietname, para a prostituição. Enredada neste sub-mundo do território, acabará por se cruzar com Álvaro dos Reis, que se propõe salvá-la.

      Nesta narrativa, escrita num registo próximo da prosa poética, que se recorta em diferentes geografias, entram também os “boat people”, os refugiados que fugiram de barco da Guerra do Vietname, especialmente em 1978 e 1978, mas também até ao início da década de 1990. “Quando ela sai do Vietname, sai num desses barcos”, diz, a propósito da personagem de “Nas esquinas do olhar”.

      Com espaço nestes diferentes cenários, a narrativa desenvolve-se, intercalando com “regressos momentâneos aos Açores” e acompanhada de um conjunto de versos, extraídos por Luís Mesquita de Melo, de fados, ao longo do tempo. “São a melhor poesia que se faz em Portugal e ilustram momentos, sentimentos e estados de almas de todas as personagens, ao longo deste caminho”, destaca.

       

      A açorianidade nos seus livros

      O primeiro livro do autor, “A humidade dos dias”, lançado em 2019, é uma série de crónicas que retratam a sua infância e juventude, no Faial. Já o segundo, “Navegações e outras errâncias”, publicado em 2021, contém um conjunto de sete contos, todos eles ficcionados, ligados à comunidade do canal Faial-Pico.

      O escritor e filósofo dos Açores, Onésimo Teotónio Almeida, referiu-se a uma certa açorianidade presente na escrita de Luís Mesquita de Melo. Em “Navegações e outras errâncias”, identificou-a com o “mar, a ânsia de partir, o desejo de ficar, a busca de um não sei quê, a sedução da viagem e a inquieta sede de algo diferente do quotidiano”.

      Assumindo que este seu olhar integrado numa literatura açoriana é “uma realidade quase inultrapassável”, em “Nas esquinas do olhar” Luís Mesquita de Melo quis “universalizar um pouco a escrita”. Aproveitou, por isso, tudo o que viveu, a partir do momento em que saiu para o Oriente, trazendo-o para este livro.

      Ainda assim, a sua condição de açoriano não o abandona. “Somos aquilo que somos, o que vivemos, onde crescemos.” E, nessa medida, a sua escrita vem também contribuir para a relevância e o conhecimento dos Açores. “Há um concurso nacional de leitura em todas as escolas do país. Houve uma aluna de uma escola dos Açores, que escolheu um trecho do ‘Navegações e outras errâncias’ e ganhou”, revela, a título de curiosidade, destacando que o livro foi também incluído no Plano Regional de Leitura.

       

      A escrita: o início e o futuro

      Filho de Fernando Melo, jornalista e escritor natural dos Açores, a escrita foi sempre algo que esteve presente na vida de Luís Mesquita de Melo. “Lembro-me bem de, quando era miúdo, chegar a casa às 22h ou 23h e lá estava ele”, recorda. “Usava um pijama de flanela às riscas, fumava Alto Mar [tabaco dos Açores] e lembro-me de chegar a casa e de vê-lo sentado à mesa, com uma máquina de escrever ainda das antigas, a escrever para os jornais, os contos”, acrescenta.

      Ainda assim, Luís Mesquita de Melo começou a escrever já tarde na sua vida, há seis anos, muito motivado pela morte do pai. “Uma das maiores penas que tenho é ele nunca me ter lido, porque morreu há alguns anos. A morte dele despoletou a escrita de uma carta (‘Uma carta de marear’) no primeiro livro, que é uma homenagem a ele”, descreve.

      Com uma vida profissional muito intensa, assume-se como um escritor que leva algum tempo a terminar uma obra. “Cada um destes livros demorou-me à volta de dois anos a escrever, o que tem a ver um pouco também com o facto de ser advogado, de passar o dia a ler e a escrever coisas e de chegar ao final do dia, sem grande disponibilidade para ligar o computador”, explica.

      Retido durante a pandemia de COVID-19 no Vietname, em Março de 2020, onde reside até hoje, acabou por concluir dois dos seus livros neste período: o “Navegações e outras errâncias” e o “Nas esquinas do olhar”. “O primeiro eu já o tinha começado antes, mas foi acabado no Vietname”, recorda. “Não sei se foi uma consequência da pandemia, porque eu sempre estive muito ligado aos Açores e preciso de lá ir todos os anos para exorcizar as saudades, mas o facto de estar ali fechado pode ter de certa forma aumentado essa necessidade de recordar e escrever ainda um pouco sobre os Açores”, diz, referindo-se ao seu livro de contos.

      Em “Nas esquinas do olhar”, porém, mais do que exorcizar as suas saudades, a sua vontade era outra. “Já parti com a consciência de que quero escrever e, portanto, a escrita surgiria de qualquer maneira.”

      Quanto ao futuro, para já, Luís Mesquita de Melo sabe que quer escrever e chegar a um público mais alargado. “Nas esquinas do olhar” tem a chancela da Astrolábio Edições e da Atlantic Books, e foi publicado, simultaneamente, em Portugal e no Brasil.

       

      Um percurso ligado a Macau

       

      Natural do Faial, nos Açores, Luís Mesquita de Melo licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi em 1990 que chegou a Macau, aqui tendo trabalhado no Gabinete para a Modernização Legislativa e como Assessor do Presidente da Assembleia Legislativa de Macau. Regressou a Portugal em 1997 para ser assessor do então Ministro da Economia, acabando por voltar ao território em 2005, para integrar o Grupo Las Vegas Sands. Trabalhou no território até 2015, altura em que começou a desempenhar funções como advogado no Vietname, país onde reside.