Peónias, dragões, leões e outros motivos geométricos orientais como o yin e yang, as mandalas e os nós “intermináveis” do Tibete ou do Nepal são reproduzidos por tatuadores em estúdios um pouco por todo o mundo, mas em Macau existe um novo espaço que promete desenvolver um trabalho diferente, de levantamento e actualização destas tradições estéticas asiáticas. “The Wall Tattoo”, de Candy e Cheong, abriu ontem portas no n.º 15B na Rua de São Roque, dedicando-se primariamente às tatuagens de inspiração asiática.
Na nova loja “The Wall Tattoo”, para além do perfume a incenso, existem pinturas de taras e deuses tibetanos e muitos outros elementos decorativos budistas. As paredes do espaço estão preenchidas também com quadros dos artistas tatuadores Candy e Cheong, que decidiram recentemente expandir a loja existente, mudando para o outro lado da rua. Depois de seis anos, ambos acharam que estava na altura certa de mudar para um espaço maior e expandir o negócio, e convidar mais pessoas para a equipa. “A loja apareceu na altura certa”, partilhou Candy. “Eu sabia que ela ia ficar vaga e pensei que este espaço seria bom para albergar mais artistas. Antes, mesmo se quiséssemos acolher mais tatuadores, não tínhamos espaço”. Sair do bairro de São Lázaro estava fora de questão: “gosto muito desta zona, por causa da atmosfera do bairro, que não tem muita gente, nem muito barulho”.
A proprietária explicou que o novo espaço vai poder passar a providenciar o serviço de ‘walk-in’, sem os clientes terem de fazer marcação, “todos os dias a partir das 14h, e até às 20h, dependendo das marcações”. Qualquer cliente que tenha interesse pode escolher um desenho dos catálogos “flashbooks”, ou então pedir designs personalizados.
Sobre a sua clientela, a tatuadora – nome artístico ‘Neuro Tattoo’ – diz serem no geral pessoas que têm interesse nas culturas tradicionais da Ásia, e em certos elementos espirituais, como da Índia. “Pessoas que praticam Yoga ou meditação, elas gostam do meu trabalho porque tem muita influência desta estética”, diz. Candy partilhou que recebe inspiração do que a rodeia, aqui em Macau, ou quando viaja. “Os templos, a cultura destes sítios, marcaram o meu estilo, mas também acredito que o meu estilo está sempre a mudar. Acho que o meu estilo tem elementos chineses, sim, mas mais asiáticos, porque tem elementos do Nepal, ou da Índia, por causa dos locais que visitei”. No entanto, mencionou, “para nós aqui o mais importante, para além do estilo, que é algo tão subjectivo, é a qualidade da tatuagem. A qualidade das tintas é o mais importante. Não se pode fazer uma tatuagem que fique mal feita para o resto da vida na pele das pessoas”.
Já o seu parceiro Cheong, nome artístico ‘Cold_The_Door’, diz que é inspirado pelos livros e filmes que vê. “Eu penso sempre que não tenho um estilo específico. Estou apenas concentrado em certos elementos. Leio livros, estudo, e penso que quero aprender a desenhar daquela forma, e pratico. Livros sobre arte asiática antiga, do Tibete. Já vi tantos filmes antigos do Tibete”, confessa. “Sinto que a beleza é algo que nos dá respostas. Eu apenas aprendo a fazer os padrões, e penso, uma imagem que tem um certo aspecto, ela é considerada bela, ou não. E encontro as respostas nesta cultura antiga. Tento fundir estas tradições no meu estilo”.
O artista admitiu que, no início, quando começou a tatuar há sete anos, estava focado no estilo ocidental, e que, “em Macau as pessoas habitualmente gostam de tudo o que é moderno e ocidental”. Ao ver estes elementos asiáticos tradicionais, Cheong teve um momento de epifania, de que esta deveria ser a sua missão: “Pensei que a minha missão é a de fundir o moderno com o asiático”.
Candy quis ajudar o colega a exprimir a sua ideia, e que é o conceito central do trabalho desenvolvido pelo estúdio de tatuagens “The Wall”: “Nós compreendemos que por sermos da Ásia, termos crescido aqui, devíamos concentrarmo-nos nesta estética e cultura. Por isso é que somos apaixonados por este estilo tão asiático, e queremos explorar a nossa interpretação pessoal destas tradições. A arte é algo muito pessoal, e devemos recorrer a toda a nossa herança e tudo o que nos inspira, desde a infância até ao momento presente”, defendeu.
O desenho para os dois artistas é algo que sempre fez parte da realidade de ambos. Cheong passava horas a desenhar quando era pequeno. “Eu quando era mais novo passava o tempo todo a desenhar. Quando me apercebi que a tatuagem era uma forma de fazer do desenho o meu ganha-pão, fiquei com vontade de aprender. Comecei a ver vídeos na internet, e foi assim que aprendi. Foi muito fácil para mim, aprender a tatuar. Depois fui praticando com amigos, e eles foram passando palavra, e eu ganhando experiência e clientes”, revelou.
O DESENHO COMO UMA MEDITAÇÃO
Os quadros de desenhos dos dois artistas expostos nas paredes do estúdio de tatuagem foram todos inteiramente pintados à mão. Deuses, paisagens, padrões intricados a preto e branco intensamente detalhados revelam horas de trabalho e introspecção. Alguns deles, explicaram os proprietários, estarão disponíveis como impressões à venda, que as pessoas podem adquirir na loja, ou através da página de Instagram. O novo espaço funciona assim como uma espécie de galeria, em que “as pessoas podem entrar aqui e ficar a saber mais sobre o trabalho que nós fazemos. Temos quadros expostos que criámos para ser a decoração da loja, e que funcionam como uma forma simples de dar a conhecer as coisas que fazemos”. No entanto, esclareceu Candy, uma coisa são desenhos, outra são “flashs”, os desenhos específicos para tatuagens. “Os desenhos das tatuagens normalmente partem de rascunhos em papel”. A artista diz que começa por desenhar, e depois pensa em como traduzir essas imagens para a linguagem da tatuagem, “porque as tatuagens e os desenhos são diferentes, com técnicas diferentes. Quando trabalhamos com a tatuagem, as imagens não podem ser assim tão detalhadas, por isso eu faço imagens ‘flash’ de tudo o que vejo. Por vezes usamos papel, por vezes computadores. A caneta e o iPad ajudam a reduzir o tempo de trabalho, porque uma vez que a ideia está desenvolvida, podemos editar tudo no computador. Mas a ideia começa no papel”, clarificou.
De resto, “pintar e desenhar será sempre o nosso hobby”, garante. Quanto a apostar numa carreira artística, de pintor ou pintora, para já está fora de questão. “Não o considero muito prático”, diz Candy. “É difícil. Acabei por começar a tatuar e gosto da forma como a minha arte é expressa. Eu apenas aprendi a desenhar nos tempos livres, quando era mais nova fui a umas aulas. A minha licenciatura foi em tradução de Inglês-Chinês”, revelou, sorrindo. Já para Cheong, a pintura é, antes de mais, um processo meditativo e terapêutico. “Eu quando desenho os padrões e linhas, é algo que me faz muito bem. Não preciso de pensar em nada, só desenho. É como uma meditação. Faz-me sentir confortável”.
Agora que as fronteiras abriram, Candy espera que haja um aumento de clientes, mas também vai aproveitar para viajar mais, “para absorver mais influências, conhecer o trabalho de outros artistas internacionais”, ao mesmo tempo que a loja continua a funcionar. “Queremos que esta loja continue sempre a ser um espaço onde as pessoas possam vir quando querem ser tatuadas em Macau. Por isso é que agora temos estes novos colegas. Ambos são pessoas que se dedicam a tempo inteiro à arte deles, e que têm muito entusiasmo no que fazem”, refere. “O Otis faz trabalho de caligrafia, ligado a letras e frases, e o Brian tem um estilo mais ligado à ‘blackwork’ e ‘dotwork’: são tons pretos e cinzentos, e temas mais pesados. O Brian pertence a uma banda de hardcore punk e gosta desse tipo de estética”.
O nome “The Wall” era o nome da loja antiga. “Quando estávamos a pensar num nome, quisemos escolher um nome simples. A palavra vem de uma canção dos Pink Floyd, mas a ideia era mesmo a das quatro paredes, da simplicidade de serem apenas paredes. Gostámos os dois da ideia e ficou. O nome em chinês quer dizer ‘boa sorte’”.