Na hora do adeus, os objectos pessoais são a grande prioridade de quem abandona Macau, começou por dizer o empresário Alberto Bettencourt, em declarações ao PONTO FINAL, sobre o tipo de carga acumulada num contentor reservado pela empresa Mr Chan Logistics com Portugal como destino. De acordo com o empresário português, o projecto começou na necessidade de ajudar amigos no envio de objectos para Portugal.
“Foram vários amigos que me comunicaram a situação deles embora a minha operação fosse diferente, pois temos operações com as Nações Unidas e somos uma agência que trabalha mais com o envio de mercadorias da China para países de língua portuguesa nesta zona da Ásia”, referiu Alberto Bettencourt, acrescentando depois que “as coisas começaram a tomar uma proporção fora de controlo” quando se apercebeu que tinha pedidos de 25 a 30 famílias para levar mercadoria de coisas pessoais.
Para ajudar estas famílias portuguesas, Alberto Bettencourt entrou em contacto com um comissário de um porto para encontrar um contentor. “O comissário disse que tinha um contentor que não ia com carga cheia, mas que tinha de ser de carácter humanitário. Eu, como vou trabalhar em regime de voluntariado, disse que sim, pois isso seria humanitário, ou seja, não vou cobrar o meu trabalho, a recolha da carga na casa das pessoas, assim como o embrulho do material”, indicou o empresário português, adiantando depois ter pago 20 mil dólares norte-americanos para a reserva do contentor.
Em relação ao formato da carga disponível no contentor de 40 pés, Alberto Bettencourt explicou que foram disponibilizados caixotes de madeira com um metro cúbico e meio e três metros cúbicos. “Há pessoas que levam três metros cúbicos, outras que levam um metro cúbico e meio, mas não são assim grandes volumes individuais. Porque se fossem volumes já teria mobílias. Neste caso, são caixas cheias de documentos, livros, papeis, fotografias, quadros, é muita coisa, são muitas histórias de quem leva uma vida de Macau. É material que as pessoas têm medo de enviar noutra carga porque têm medo, por exemplo, que os quadros sofram danos, pois muitos são peças de família”, disse Alberto Bettencourt.
Questionado sobre o êxodo da comunidade portuguesa nos últimos anos, o empresário português não tem dúvidas que foi causado, em parte, pela actual pandemia. “Há um grande êxodo da comunidade portuguesa de Macau nos últimos anos, isso é claro e notório, com a situação acrescida da pandemia e de tudo isto em que as pessoas não querem ficar mais tempo aqui”, assinalou o empresário que chegou a Macau no final da década de 90, acrescentando que o actual contexto pandémico afectou “a sanidade mental das pessoas” e levou à separação de famílias.
“O que é que as pessoas querem levar? Cada pessoa é uma história e são coisas muito pessoais, não estou a falar de armários antigos, estamos a falar de livros, roupas, tudo sem qualquer valor comercial, mas com um valor sentimental muito forte. Os livros das pessoas, teses das pessoas, histórias das pessoas, colecções das pessoas, quadros, tenho aqui um amigo que tem uns quadros do pai, que era arquitecto que pintou muitos quadros e os quadros estão na posse dele. Entretanto o pai faleceu e ele não tem forma de os levar. Enfim, vários dramas, não é uma questão de móveis. Aliás, nem sequer tenho móveis, só tenho coisas pessoais, de pequeno uso. Peças de muita estimação. Tenho uma peça de armário que está há 45 anos na mesma família. Coisas de muito valor sentimental histórico e isso mexeu comigo”, confessou Alberto Bettencourt ao PONTO FINAL.
Sobre o preço por metro cúbico, o empresário revelou que são cobradas 1.400 patacas e 3.900 patacas por três metros cúbicos. Apesar de não cobrar os serviços de recolha e embalagem, a Mr Chan Logistics precisa de assegurar a reserva do contentor, que custou 12 mil dólares norte-americanos. Já em relação à forma de pagamento, Alberto Bettencourt revelou que o cartão de consumo tem sido muito usado na última semana. “Ontem, uma família terminou um pagamento de uma carga inteira com os cartões de consumo. Foram 10.000 patacas, claro que foram necessários cinco cartões de consumo e diferentes dias, mas foi algo que ajudou muito essa família porque é uma verba sempre em conta tendo em conta que alguns já estão em Portugal, e os cartões estão aqui, e não podem ser usados. Sempre podem usá-los para uma carga que lhes faz falta”, indicou Alberto Bettencourt.
Para o empresário português há uma certa urgência no envio do carregamento, até porque a viagem de seis semanas pode ser afectada por eventuais problemas no Canal do Suéz na altura do Natal. “Quem enviar agora ainda vai conseguir escapar a esse estrangulamento? Essa é a nossa ideia. Agora, acima de tudo é a responsabilidade, eu meti o meu nome. É o volume de mais de 20 mil dólares norte-americanos que está na minha cabeça. A data de 10 de Agosto era uma data estimada, mas tenho estado a tentar gerir o atraso, temos amanhã [sexta-feira] um ‘cut-off’, mas estamos a tentar gerir esta data de amanhã [sexta-feira] para saber se realmente as coisas podem ir todas ou se tomamos outra decisão, porque se as coisas saem amanhã [hoje] e o contentor só leva 10%, eu fico com uma dívida, e sou eu que vou ter de pagar. Vamos ver o que vai acontecer nas próximas 24h”, disse Alberto Bettencourt, para depois atirar que não é supersticioso pelo facto de ter apontado para o envio do contentor para uma sexta-feira 13.
“Não sou supersticioso, é um bom dia para mim. Só acontecem coisas boas. Calhou ser o dia de chamada, não quer dizer que amanhã não haja qualquer coisa e isso mude depois. É o dia em que eu tenho responsabilidade para tomar uma decisão: vai, não vai, assumo. Tenho de tomar uma decisão nas próximas 24 horas, se existe manifestação de interesse de mais pessoas para se juntarem a este contentor agora, uma semana mais tarde. Amanhã [sexta-feira], se vai com 15%, vou ter que assumir os outros 85% que vão sair do meu bolso”, concluiu.