O cenário de um prolongamento dos contratos de concessão de jogo das operadoras em Macau ganhou força, nos últimos dias, após a quebra acentuada das receitas brutas de jogo na primeira semana de Agosto e a descoberta de surto de Covid-19 na comunidade, consideraram dois analistas da indústria de jogo em declarações ao PONTO FINAL.
Apesar dos bons desempenhos dos casinos entre Março e Maio, as receitas brutas de jogo locais oscilaram, entre Junho e Agosto, devido ao surgimento de casos de Covid-19 tanto no interior da China como em Macau. Para Glenn McCartney, a pandemia da Covid-19 trouxe um novo contexto à indústria de jogo de Macau, e nem os corredores de viagem provaram ser imunes a falhas. “Com esta pandemia, apercebemo-nos que os corredores de viagem não são à prova de falhas e que apesar de haver medidas para limitar a entrada de pessoas, podem sempre surgir casos em Macau como aconteceu na semana passada”, começou por dizer o professor de gestão de hotelaria e jogo na Faculdade de Gestão de Empresas da Universidade de Macau, acrescentando depois que a recuperação do sector do jogo de Macau está dependente, antes de mais, da imunidade da população. “Macau tem uma perspectiva de tolerância zero, tal como a China, e cada vez que temos um caso, o que irá acontecer novamente – esperamos que não aconteça – é voltarmos a este processo de confinamento selectivo por áreas na cidade, quarentenas e testes em massa”, frisou o académico, assinalando depois que a introdução de variantes do vírus na pandemia e uma baixa taxa de vacinação da população irá obrigar o Governo a sucessivas reconfigurações dos planos de prevenção.
“Há vários meses alguns investidores pediram-me uma previsão das receitas brutas de jogo, e disse-lhes que tal era muito difícil, porque não podíamos prever o comportamento de um vírus, e nessa altura ainda não havia a questão das variantes. Agora temos a variante Delta e não temos condições para fazer previsões de crescimento de 10 ou 20% no próximo mês”, admitiu Glenn McCartney, dando depois como exemplo o mote do filme de 1993 “Groundhog Day”, com Bill Murray. “Temos de assegurar a imunidade de grupo em Macau e ter uma taxa de vacinação de 70 a 85%. Mesmo depois do que aconteceu no início do mês de Agosto, com os testes em massa, continuamos com uma taxa de vacinação baixa. O Governo não se cansa de lançar apelos à vacinação contra a Covid-19, mas a população parece hesitante. Faz-me lembrar o filme com o Bill Murray em que o dia é sempre o mesmo, e o protagonista nunca consegue acordar no dia seguinte. E com o dia seguinte quero aqui dizer os exemplos de Singapura, onde já há uma taxa de vacinação de 60 a 70%, ou a criação de bolhas de viagem com Hong Kong no futuro”, indicou o académico.
Uma opinião partilhada pelo analista da consultora IGamiX, Ben Lee. “A descoberta de casos em Macau foi um acontecimento infeliz e obrigou-nos a regressar à estaca zero, praticamente. Normalmente, a recuperação neste tipo de situações é bastante longa e lenta, e, por isso, não espero um número elevado de receitas no sector do jogo até ao Festival da Lua. Embora as restrições tenham sido levantadas, a recuperação será lenta até às celebrações do dia nacional em Outubro”, considerou Ben Lee, assumindo depois que as operadoras de casinos vão ter de depender do mercado local para fazer face às despesas.
“Com a falta de turistas do interior da China, as concessionárias terão, provavelmente, que apostar no mercado local. Ainda no outro dia estive num buffet no Grand Lisboa Palace e estava completamente esgotado com pessoas locais devido a uma promoção especial. Por isso, penso que, possivelmente, esta área poderá ser um foco para os casinos tentarem gerar algum tipo de receitas, não exactamente o que gostariam de ter, mas, no entanto, qualquer tipo de receitas é bom, nem que seja para ajudar nas despesas de sobretaxas”, disse.
Mentalidade das operadoras não mudou em tempos de pandemia
Embora a taxa de vacinação da população de Macau seja baixa, o sector de jogo foi dado como exemplo na promoção das vacinas contra a Covid-19 entre os funcionários dos casinos. No entender de Glenn McCartney, isto é um sinal de que as operadoras dos casinos reconhecem que o caminho para a retoma passa pela vacinação da população. “Vi que a vacinação nos casinos tem triplicado, mas isso é apenas um sector de Macau. Precisamos disso em todos os sectores. Depois do que aconteceu na semana passada, deveríamos ter um aumento no número de vacinações entre a população, mas parece ter voltado tudo ao normal após os resultados negativos dos testes em massa. Precisamos de uma população vacinada. Isso está correlacionado com a recuperação da indústria dos casinos de Macau. Os operadores de casinos sabem disso, é por isso que também têm feito pressão para que fossem colocados locais de vacinação perto dos casinos para o seu próprio pessoal e para as famílias. Porque também sabem que o modelo de negócio para a recuperação significa: toda a gente vacinada”.
Na opinião de Ben Lee, a crise pandémica não influenciou a mentalidade dos responsáveis das operadoras. “Penso que a mentalidade não mudou com a pandemia e os verdadeiros objectivos dos decisores continuam a ser os mesmos. Não senti qualquer progresso nesse sentido”, indicou o analista, acrescentando que a quebra de receitas dos casinos no início de Agosto poderá levar o Governo à extensão dos contratos de concessão por mais um ano. “É absolutamente uma possibilidade e as hipóteses de uma extensão aumenta a cada mês que passa. Primeiro, porque existe um processo pelo qual o Governo tem de passar, enviar um projecto de lei para discussão na Assembleia Legislativa, uma consulta pública, aprovação da lei, entre outros procedimentos, por isso, com o passar do tempo, a possibilidade de uma extensão torna-se cada vez mais forte”, considerou Ben Lee, prevendo uma extensão do contrato de concessão inferior a três anos. “A minha convicção é que as extensões de contrato não serão tão longas como três anos, serão mais curtas, possivelmente mais um ano, e isso será suficiente para ultrapassarmos a Covid-19 e o Governo poder implementar novas direcções e novas estratégias para a economia de Macau. Para além disso, também acho que um prolongamento de três anos não seria aceite pelo status quo de Macau, por ser um período longo de tempo”, completou Ben Lee.
Já Glenn McCartney defendeu que os novos casos na comunidade levaram a um “reiniciar do relógio” na questão dos contratos das concessionárias de jogo. “Pode ter impacto na decisão do Governo pois as prioridades neste momento são a vacinação e assegurar um contexto para que sejam implementados corredores de viagem. No mês passado, diria às pessoas que os contratos não passavam de 2022, mas tudo pode depender da forma como a situação da Covid-19 se irá desenrola nas próximas semanas, e depois de termos tido um surto, essa probabilidade pode ter reiniciado um pouco o relógio”, concluiu Glenn McCartney.