Kenneth Kwok assumiu os comandos da selecção de futebol de Macau no final de 2024 e tem vindo a avaliar de perto os jogadores locais com o arranque da Liga de Elite, a divisão principal dos campeonatos de futebol. Em entrevista ao PONTO FINAL, o jovem seleccionador natural de Hong Kong revelou a ambição de elevar a qualidade do futebol local num território que, apesar dos resultados menos conseguidos alcançados nos últimos anos, tem jogadores com bastante potencial.
Kenneth Kwok estreou-se como treinador precisamente contra Macau, então ao serviço de Hong Kong, numa partida de Interport em que venceu confortavelmente por 4-0. Defende agora a bandeira da outra região administrativa especial, numa realidade a nível futebolístico completamente diferente em comparação com a antiga colónia britânica. No entanto, o futebol amador praticado em Macau tem potencial, no entender do seleccionador, mas para o potenciar é preciso que exista um trabalho colectivo que vai para além da própria equipa técnica e dos jogadores, sendo necessário apoio também de outras entidades locais e um maior investimento para aumentar a competitividade do campeonato local, que acabará também por se reflectir na selecção.
Quatro meses à frente da selecção de futebol de Macau. Que balanço faz?
Gosto muito de Macau, por diversas razões. O meu pai é de Macau, passou grande parte da sua juventude aqui a jogar futebol até ter chamado a atenção do South China, que é uma equipa profissional de Hong Kong, e foi, juntamente com dois irmãos, para Hong Kong para jogar futebol profissional. A minha licença nível A de treinador foi feita aqui em Macau, tenho sempre um sentimento especial em relação a Macau também por causa da influência do meu pai. O meu primeiro jogo como treinador interino foi ao serviço de Hong Kong contra Macau num Interport. Vencemos por 4-0 e foi a minha estreia a nível sénior. Depois de ter conseguido o meu diploma de treinador na China, para o qual estudei cerca de dois anos, tive uma oferta da Associação de Futebol de Macau em Outubro e era um emprego que eu queria. Ainda me recordo do meu primeiro dia no escritório, estive lá cerca de seis horas a trabalhar sem parar porque eu sabia o que tinha que fazer, tinha muitas coisas na cabeça, e tenho gostado do meu tempo aqui.
Quais são os seus planos para a selecção?
Eu aceitei este cargo não só para melhorar os jogadores da selecção principal, mas em todos os níveis, incluindo sub23, sub20 e sub17. E não só os jogadores, na minha equipa tenho apenas pessoas locais, e quero que eles sejam os futuros seleccionadores. O meu objectivo não é chegar, alcançar resultados e sair, quero ajudar Macau, ajudar os jogadores e os treinadores a atingirem outro patamar. Comunico muito com os jogadores, tenho tido muito apoio de toda a gente. Estou optimista, mas é preciso ter paciência e vontade para atingir os objectivos.
E que feedback tem tido dos jogadores?
Muito positivo. Alguns deles estão focados nos seus empregos, mas sabem que se não conseguirem estar 100% focados no futebol, podem ajudar outros jogadores a fazê-lo.
A selecção de Macau não tem grande expressão a nível internacional, que tipo de motivação tem um treinador num cargo destes?
Durante a minha carreira treinei equipas de vários níveis. Treinei os campeões de Taiwan, que apesar de serem campeões, diria que é uma equipa semi-profissional. Quando aqui cheguei já sabia que muitos dos jogadores tinham um estatuto de amador, treinavam uma ou duas vezes por semana e tinham os seus próprios empregos. Não é fácil treinar a selecção porque não são jogadores profissionais. Mas para o meu trabalho, mesmo sendo jogadores amadores, não podem definir-se como jogadores amadores. Quando aqui cheguei, o objectivo era mudar a mentalidade deles para acreditarem que são semi-profissionais. Há uma grande diferença entre amador e semi-profissional, a nível semi-profissional podem não ter um salário que lhes permita viver do futebol, mas treinam como profissionais, têm que organizar diariamente os seus treinos e períodos de descanso, nutrição e mentalidade. Têm que ir ao ginásio todas as semanas. Mesmo não sendo profissionais, é algo que podem fazer. Quando cheguei a Macau tentei incutir esta mentalidade, o campeonato tem que passar de um estatuto de amador para semi-profissional. Se olharmos para o resto dos campeonatos asiáticos, Macau é um dos que ainda não atingiu o estatuto de semi-profissional.
Não se pode sequer considerar futebol semi-profissional?
Espero que comecem a definir-se como jogadores semi-profissionais. O meu trabalho aqui é fazer com que sejam semi-profissionais, e depois fazer a transição para jogadores profissionais. Vejo muitos jogadores de qualidade em Macau a nível jovem, mas depois terminam a universidade e têm que encontrar um emprego, e só depois é que jogam futebol. Há jogadores de qualidade que poderiam tentar jogar a nível profissional, e isso é também o meu trabalho. Ajudei três jogadores de Macau a treinarem em Hong Kong numa equipa profissional durante uma semana e o treinador gostou muito deles. O meu trabalho é também ajudar neste sentido, de fazer deles profissionais, e depois podemos conversar sobre a transição de um estatuto de semi-profissional para profissional. Para mim, esta é a forma como Macau pode passar à próxima fase.
Como correu essa experiência em Hong Kong?
Estiveram no Eastern FC uma semana para terem uma ideia de como é trabalhar num clube profissional. Espero no Verão ajudar 4 ou 5 jogadores a tornarem-se profissionais e alcançarem este estatuto. Há muitos jogadores aqui em Macau que falam sobre ir jogar para Portugal, mas do que ouvi, apenas vão lá treinar, não têm a oportunidade de se registarem como jogadores. Uma expectativa mais realista é tentarem outros campeonatos asiáticos, como em Hong Kong ou na China, ou até mesmo nas Filipinas.
O guarda-redes da selecção, por exemplo, chegou a ter uma oferta para ir jogar na Tailândia.
Sim, acabou por não ir, talvez por motivos familiares. Na altura tinha vinte e tal anos, provavelmente já não pensava tanto em sair de Macau se já tiver família ou um emprego estável. Os jogadores mais jovens, antes de entrarem no mercado de trabalho, deveriam tentar futebol a nível profissional. Acho que os pais também acreditam nisso. O Visby [Cheng-Lam Lei, jogador da Universidade de Macau], por exemplo, tem apenas 20 anos e já esteve na melhor equipa do campeonato por duas vezes. Acho que deveria apostar em sair de Macau, vou tentar ajudá-lo a entrar numa boa equipa onde ele possa jogar, esse é também o meu trabalho e a forma como podemos tornar a selecção de Macau mais forte.
É um salto muito grande, passar de uma liga amadora como Macau para jogar num campeonato como o de Hong Kong ou da China. Os jogadores estão preparados?
O nível dos jogadores de Macau não é inferior aos da China. Os jogadores locais de Hong Kong ou da China jogam a um nível semelhante. Os jogadores de Macau não têm grandes hipóteses de jogar lá fora e não há ninguém que os ajude a fazer essa transição de uma liga amadora para uma profissional, e eu estou aqui para fazer esse trabalho.
Que balanço faz dos jogos que já orientou da selecção, tendo em conta também as condições de treino que existem para os jogadores de Macau?
Foi difícil preparar os jogadores porque quando peguei na equipa não havia competição, tinham acabado de jogar a ‘bolinha’ [campeonato de futebol de 7]. Quando comecei tive uma reunião com os jogadores para lhes explicar o que pretendo deles. Não houve tempo suficiente com eles no campo, mas tivemos muitas palestras. Sobre os três jogos que realizámos, o primeiro foi na taça de Guangdong, empatámos a zero, mas tivemos boas oportunidades de marcar, e depois perdemos nos penaltis. No segundo jogámos contra a equipa de Shenzhen e perdemos por 3-2 numa partida que foi equilibrada. E depois em Hong Kong, contra Guam, fomos a melhor equipa, mas perdemos 2-1. Todos os jogos foram 50-50, fiquei surpreendido com a capacidade dos jogadores, se se mantiverem num nível alto competitivo, com uma capacidade mental competitiva, então vão conseguir fazer um bom trabalho. O próximo desafio será contra a selecção de Hong Kong [19 de Março], que será um jogo difícil para eles. Eu disse aos jogadores quando cheguei que lhes iria proporcionar vários desafios, agora vamos jogar contra Hong Kong, e depois devemos jogar contra uma equipa da Superliga Chinesa. Quero que eles tenham mais jogos difíceis para continuarem a progredir.
Entrou também numa altura difícil devido às novas regras que afastaram alguns jogadores experientes da selecção por não possuírem passaporte de Macau. De que forma isso afectou a equipa?
Foi um contratempo para mim devido às regras da FIFA, que impediram jogadores como o Vítor, o Niki ou o Filipe [Vítor Almeida, Nicholas Torrão e Filipe Duarte], que deixaram de poder representar a selecção. Mas isso também abriu a possibilidade de ver mais jogadores jovens. Lembro-me do primeiro jogo que fizemos no qual metade da equipa tinha menos de 23 anos. Actualmente, tenho cerca de 34 jogadores pré-seleccionados para o jogo contra Hong Kong e penso que 15 deles têm menos de 23 anos. Tenho menos jogadores experientes, mas também tenho mais jogadores jovens para desenvolver, o que é uma das minhas mais-valias porque quando estava a trabalhar em Hong Kong focava-me mais nos sub-18 e sub-23. Estou contente por poder trabalhar com muita juventude, mas é um trabalho que exige tempo e paciência. Há jogadores com um futuro promissor, vou tentar desenvolvê-los em três ou quatro anos. O meu objectivo é que a selecção se qualifique para a fase de grupos da próxima edição da Taça Asiática. O campeonato local é uma boa oportunidade para eles, por isso tenho falado com as equipas para ver se eles têm mais tempo de jogo.
Com que frequência a selecção costuma treinar?
Actualmente têm duas sessões de ginásio por semana e um treino ao fim-de-semana, porque o campeonato tem jogos durante a semana. Quero mudar a mentalidade e os hábitos deles quando jogam no campeonato.
Um dos maiores desafios em Macau é ter espaços para treinar. De que forma isso afecta o seu trabalho?
É um dos maiores obstáculos que encontrei desde que cheguei porque não há campos suficientes para treinar. Em Hong Kong também havia este problema há uns cinco anos, todos os treinos da selecção eram feitos num campo do Governo. Mas depois passou a haver um centro de treinos para a selecção patrocinado pelo Hong Kong Jockey Club, e isso resolveu todos os problemas. Penso que para Macau, a longo prazo, é preciso um centro de treinos com um mínimo de dois campos, com relvado artificial. Só depois teremos condições para corresponder às necessidades das várias camadas da selecção, e é também uma forma de desenvolver o campeonato de Macau para o próximo nível.
A questão dos relvados artificiais já tem vindo a ser falada ao longo dos anos, mas nunca foi implementada…
Sim, acho que tem a ver com a mentalidade, é preciso que expliquem as vantagens de os relvados serem artificiais. O Governo pensa que a selecção joga em relvados fora de Macau, e por isso não precisam de mudar para um relvado artificial. Em Hong Kong, por exemplo, existem 10 equipas no campeonato e pelo menos 8 delas treinam regularmente em relvado artificial. Em Macau, o facto de os relvados estarem constantemente a serem utilizados é mais importante do que a qualidade. Espero que, a longo prazo, o Governo possa considerar um centro de treinos para a selecção.
Disse que há vários jogadores com qualidade para se tornarem profissionais. Isto é um sentimento que os próprios jogadores têm, de virem a ser profissionais?
Sim, um ou dois já estão a seguir os meus conselhos, um deles até se despediu do seu emprego para tentar jogar a nível profissional no Verão, porque ele tem a consciência que a prioridade é tentar a profissionalização. Não é fácil deixarem os seus empregos para tentar ser jogador profissional de futebol, mas aqueles que ainda estão a estudar deviam considerar essa possibilidade.
E têm qualidade para isso?
Sim, já mostraram que têm habilidade para isso.
E há condições em Macau para desenvolverem as suas capacidades com esse fim?
Em Hong Kong, por exemplo, os jogadores de râguebi trabalham em bancos, ou empresas, com grandes salários, e arranjam tempo para treinar às 6h30 da manhã três vezes por semana e vão ao ginásio à noite. Têm uma vida muito organizada, e a equipa de râguebi de Hong Kong é das melhores da Ásia. Isto dá-me inspiração, porque mesmo que as pessoas estejam ocupadas, conseguem sempre arranjar tempo para treinar.
Mas isso é para eles treinarem por eles próprios e se manterem em forma. E como equipa?
É difícil arranjar tempo para treinos em conjunto, mas têm que começar por eles próprios para estarem bem fisicamente. É também um dos meus próximos objectivos, pedir aos jogadores para treinarem comigo às 6h30 da manhã. Não é fácil, mas há evidências que eles conseguem. E a parte positiva disto é que, sabendo que têm um treino às 6h30 da manhã, então têm que ir dormir às 21h sem outro tipo de actividades à noite. Isto vai ajudá-los a tornarem-se semi-profissionais, não devem perder muito tempo com outro tipo de actividades nocturnas se quiserem ser jogadores profissionais de futebol.
Como é que avalia a qualidade do campeonato de futebol de Macau?
É um campeonato com muitos estrangeiros, mas também jogadores locais de qualidade. Mas outros aspectos, como a organização, os árbitros e determinados regulamentos, como as transferências, deveriam passar a um nível superior. Recentemente vi um jogo em que houve uma discussão com a equipa de arbitragem e vemos no banco muitas pessoas a levantarem-se, e isso não é bom. Podem estar ali 20 jogadores no banco, e nem têm local onde se sentar. Há uma falta de organização. Temos de organizar melhor o campeonato e torná-lo mais profissional, para eles poderem jogar num ambiente mais organizado, porque o nível do campeonato vai também reflectir-se na selecção de Macau.
E quem é deveria assumir essa responsabilidade?
É da responsabilidade de todos, da Associação de Futebol de Macau, das equipas e do Governo. Olhando para o Japão, por exemplo, há cerca de 40 anos estavam numa situação semelhante, eram amadores e desorganizados. Depois, começaram a pensar no futuro, arranjar patrocinadores, os pais começaram a apoiar os filhos a jogar futebol, e agora o Japão é um grande país a nível do futebol. E em Macau temos que começar a pensar da mesma forma.
O campeonato parece que vive em ciclos, as equipas tanto podem investir num ano como fechar portas no ano seguinte, como aconteceu agora com o Monte Carlo. Isto também cria instabilidade no trabalho do seleccionador?
Sim. As equipas investem e depois não há grande impacto. Por isso é que acho que o campeonato em si tem que expandir, atrair mais investidores para trazer mais pessoas ao estádio. Se o campeonato melhorar, isso vai encorajar as equipas a investir mais. Não é um trabalho de uma ou duas pessoas, tem que ser toda a gente. Os responsáveis principais das equipas têm que saber que também fazem parte do desenvolvimento do futebol de Macau, por isso têm que investir. O Benfica, por exemplo, tem vários jogadores de qualidade, tanto locais como estrangeiros, mas ninguém com menos de 23 anos. Devia haver também um sistema de transferências. Se um jogador for registado por uma equipa, tem que jogar por essa equipa o ano todo. Acho que poderia haver um sistema de transferências depois da primeira volta para que alguns dos jogadores de qualidade das equipas mais pequenas possam mudar-se para outra equipa melhor. Alguns podem dizer que não seria justo, mas estou a pensar em apenas dois ou três jogadores, para que todas as equipas possam fazer transferências no final da primeira volta.
Quem são os favoritos este ano no campeonato?
Gosto da equipa da Universidade de Macau, jogam um futebol muito bom. O Shao Jiang também, trocam muito bem a bola, mas depois têm que melhorar na conclusão, enquanto a Universidade de Macau troca bem a bola e consegue concretizar. E é preciso recordar que é uma equipa sem jogadores africanos ou brasileiros.
O que não deixa de ser estranho, porque são as duas equipas que subiram de divisão…
Sim, exactamente, mas isso é bom.
E quem é o melhor jogador do campeonato?
Diria o Visby [Cheng-Lam Lei, jogador da Universidade de Macau]. Tem apenas 20 anos, acho que tem um grande futuro.