A 24 de Fevereiro de 2022, a Rússia invadiu território ucraniano. Foi há precisamente três anos que eclodiu o conflito que mudou o mundo. Depois de avanços e recuos entre as partes, o fim da guerra parece estar próximo. Trump cortou o apoio à Ucrânia e não inclui Zelensky nas negociações de paz, o que deixa o país invadido praticamente encostado à parede, obrigado a ceder território ucraniano à Rússia, defendem os académicos ouvidos pelo PONTO FINAL.
Foi há precisamente três anos que tropas russas cruzaram a fronteira com a Ucrânia e deram início à invasão. Hoje, com Trump na Casa Branca, a vitória da Rússia parece estar praticamente assegurada, comentam os analistas ouvidos pelo PONTO FINAL, sublinhando que esse desfecho vai provocar perdas inevitáveis para a Ucrânia.
Nas negociações de paz anunciadas pelos Estados Unidos, a Ucrânia foi deixada de fora. Quando Volodymyr Zelensky assinalou que o país invadido também devia estar à mesa das negociações, Trump sugeriu que foi a Ucrânia que começou a guerra. Donald Trump também chamou “ditador” ao Presidente ucraniano. O Kremlin diz concordar “em absoluto” com as acusações feitas pelo Presidente norte-americano.
Trump também anunciou que vai cortar o apoio à Ucrânia, ao contrário do que fez a Administração Biden. Aliás, o Presidente norte-americano disse mesmo que, a troco da ajuda concedida no passado, a Ucrânia deve permitir que os EUA possam explorar as reservas de terras raras no país – as terras raras são a designação genérica dada a um conjunto de metais com propriedades magnéticas e electroquímicas muito usados na produção tecnológica.
UCRÂNIA ENCOSTADA À PAREDE
É devido a este contexto que Wing Lok Hung considera que “o conflito está perto do fim”. Sem o apoio dos EUA, “a Ucrânia não será capaz de resistir ao conflito e, por conseguinte, o conflito terminará muito em breve”, antevê o professor da Faculdade de Governação e Ciência Política da Universidade Chinesa de Hong Kong.
“Sem dúvida” que as negociações promovidas pelos EUA vão prejudicar os interesses da Ucrânia, diz, explicando que “é possível que a Ucrânia entregue aos Estados Unidos o direito de extrair minerais essenciais, incluindo metais de terras raras” e “também é possível que a Ucrânia perca vários territórios, incluindo Donetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson, entre outros”.
Wing Lok Hung não crê que a Ucrânia tenha outra opção, já que “a União Europeia não dispõe de forças militares próprias e o futuro da NATO é pessimista sem o apoio contínuo dos EUA”.
Oscar Sanchez-Sibony também acredita que a guerra está a terminar. “Depois de todo o sangue e lágrimas, o resultado será um acordo permanente em que a Ucrânia perderá um território importante em comparação com o seu território enquanto República Soviética e pós-soviética”, considera o professor associado do Departamento de História da Universidade de Hong Kong.
Assinalando a natureza imprevisível das negociações, o académico considera que a principal dúvida do pós-guerra será até que ponto é que a Rússia vai permitir que a Ucrânia se aproxime do Ocidente em termos de tratados e de instituições: “Será que Putin conseguirá manter a Ucrânia como o que foi de 1991 a 2014, uma zona tampão sobre a qual a influência russa era primordial?”.
“Este é um momento imprevisível e perigoso para o futuro da Ucrânia”, afirma Oscar Sanchez-Sibony, acrescentando que “Zelensky e todos os patriotas ucranianos têm razão em estar preocupadíssimos”. A Ucrânia está “prestes a aperceber-se da pouca importância que tem para os seus aliados, ou seja, os EUA e a Europa”, refere, indicando que “um dos principais objectivos geopolíticos americanos era minar a relação Leste-Oeste”.
José Luís Sales Marques concorda que “a guerra na Ucrânia entrou definitivamente numa nova fase”, uma vez que “a posição americana mudou por completo com a actual administração Trump”. O Presidente americano, considera Sales Marques, “pretende impor a Zelensky uma verdadeira capitulação perante a Rússia e, ainda por cima, exige que a Ucrânia aceite uma espécie de tratado desigual para compensar os americanos do seu esforço na guerra”.
O economista e antigo presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau sublinha que, se a Ucrânia aceitar este “tratado desigual”, “ficará comprometida a dobrar”: “Perderá território a favor da Rússia e os seus recursos serão usurpados pelos Estados Unidos”. Zelensky está “entre a espada e a parede”.
Dado que a Ucrânia e a Europa deixaram de poder contar com os EUA, com a chegada do “novo ‘xerife’ de Washington”, “é muito provável que o conflito armado venha a cessar, terminando a carnificina, com grandes perdas humanas para ambos os lados e destruição maciça da Ucrânia, a maior derrotada neste conflito, sem vencedores”, defende Sales Marques, alertando que isso não quer dizer que se vá obter uma “paz duradoura”: Isso vai depender da “construção de uma nova arquitectura de segurança que envolva a Europa, a Rússia e outros parceiros Euro-Asiáticos”.
O QUE SE SEGUE PARA A EUROPA?
As autoridades ucranianas têm sublinhado que, se a Rússia sair vencedora do conflito, o futuro da Europa fica em risco. Zelensky afirmou em Munique que a Ucrânia é a última barreira que protege a Europa de um ataque directo da Rússia.
Oscar Sanchez-Sibony diz que “a maior vítima de todas estas manobras foi, obviamente, a Ucrânia”, porém, “outro perdedor geopolítico e económico é a Europa”. Isto porque “as deslocações económicas e a inflação que esta guerra causou na Europa ajudaram à ascensão da direita radical em todo o continente – tal como ajudou Trump a vencer os democratas”, comenta, acrescentando que “o fim da guerra só pode ajudar a Europa, tanto de uma forma económica imediata, como ao permitir uma janela de normalização económica que pode travar a ascensão da direita radical”.
José Luís Sales Marques aponta que a ida de Emmanuel Macron, Presidente francês, e de Keir Starmer, primeiro-ministro do Reino Unido, a Washington, esta semana, “não tem outro fim senão procurar minorar os prejuízos para a Ucrânia, procurar alguma abertura para envolver a Europa nas negociações e algum papel na reconstrução daquele devastado país”.
Por seu turno, Wing Lok Hung acredita que “a Europa irá beneficiar com o fim do conflito”. “Não penso que o futuro da Europa esteja em causa”, diz, apontando que “a guerra teve um efeito agravante no preço da energia, que atingiu níveis recorde na UE” e “as oportunidades de negócio da UE a nível mundial também foram afectadas devido às sanções contra as empresas russas”.
E QUAL É O PAPEL DA CHINA?
Apesar do papel central dos EUA na mediação deste conflito, isso não significa que a China perdeu estatuto no palco internacional, considera o especialista em relações internacionais da Universidade Chinesa de Hong Kong.
Ao mesmo tempo que defendia que a integridade territorial de todos os países devia ser respeitada, a China nunca condenou a invasão russa. Aliás, Wing Lok Hung lembra que “a posição da China atenuou o impacto das sanções impostas pelo Ocidente e, por conseguinte, a Rússia pôde continuar as suas operações militares na Ucrânia durante três anos”.
Contudo, o académico defende a posição da diplomacia chinesa, assinalando que “os territórios da Ucrânia são o subproduto da Guerra Fria e as fronteiras não foram claramente estabelecidas aquando da dissolução da União Soviética em 1991”. Assim, “há quem considere que algumas partes da Ucrânia pertencem à antiga União Soviética – actual Rússia – e, por isso, consideram que seria difícil criticar a Rússia por invadir territórios ucranianos”. Por outro lado, “a China também gostaria de manter boas relações com a Rússia no contexto da crescente concorrência entre a China e os EUA”. “É fundamental que a China não critique abertamente a Rússia”, frisa.
José Luís Sales Marques considera que a posição chinesa tem sido “consistente ao longo do processo”. Por um lado, a China “foi a principal parceira comercial da Ucrânia até que a guerra interrompeu os fluxos comercias”; por outro, “tem uma parceria especial com a Rússia que resulta da vizinhança traduzida numa fronteira comum de cerca de 4.300 quilómetros e pertencem a várias organizações multilaterais, incluindo a Organização de Cooperação de Shanghai e os BRICS+”.
Em Fevereiro de 2023, a China apresentou um plano de paz para o conflito. “Teria sido bem melhor que, na altura, todas as partes – sobretudo, a coligação Ucrânia, Estados Unidos e a União Europeia – tivessem dado mais atenção a esse plano, que apelava ao fim das hostilidades e ao inicio das conversações de paz”, comenta o economista.
Já Oscar Sanchez-Sibony não subscreve a ideia de que a China seja um elemento geopolítico importante no conflito Rússia-Ucrânia, no entanto, assinala que o país acabou por retirar benefícios: “Uma pequena vantagem económica, como país de trânsito de energia, e uma maior vantagem política, ao ver a Rússia desenvolver uma certa dependência da China”.
Por outro lado, os dirigentes chineses podem ter-se assustado com “a selvajaria do apoio dos Estados Unidos ao assassínio em massa de palestinianos por Israel”. “Talvez – e não sei bem – se eu estivesse na liderança chinesa a assistir ao espectáculo do armamento americano a matar quase meio milhão de pessoas na Ucrânia e na Palestina nos últimos anos ter-me-ia alarmado bastante”, comenta, apontando que “a China tem sido menos confrontacional com os Estados Unidos desde que estas duas guerras começaram”.
Descrevendo a posição chinesa como “ambivalente”, o académico da Universidade de Hong Kong, que se tem debruçado sobre temas como a União Soviética e a Guerra Fria, diz que, “se procuramos justiça e princípios correctos nas políticas externas das grandes potências, vamos ter de procurar durante muito tempo”.