O tenente-general Vasco Rocha Vieira, último governador português de Macau, morreu ontem, aos 85 anos. É recordado pela “transição sem sobressaltos” de Macau para a administração chinesa. Para a memória, fica a imagem da emoção com que segurou a bandeira portuguesa junto ao peito nos últimos instantes da administração portuguesa.
Morreu ontem o último governador de Macau. O tenente-general Vasco Rocha Vieira tinha 85 anos. No território, é recordado pelo processo de transferência de soberania que decorreu “sem sobressaltos”. A imagem de Rocha Vieira emocionado agarrando a bandeira de Portugal junto ao peito fica como uma das fotografias mais marcantes da transferência de soberania de Macau. Em declarações ao PONTO FINAL, foram várias as figuras de Macau que deixaram elogios aos nove anos de governação de Rocha Vieira, não sendo uma opinião consensual.
Jorge Rangel trabalhou com Rocha Vieira entre 1991 e 1999 como secretário para a Administração Pública, Educação e Juventude e considerou ter sido “uma honra” servir Portugal ao seu lado. O actual presidente do Instituto Internacional de Macau realça o seu “sentido de Estado, o apego ao cumprimento da missão, a inteligência, a capacidade de liderança e de realização, a dignidade, a responsabilidade, a dedicação à família e a causas e o amor a Portugal”. “Recordá-lo-ei sempre com respeito e admiração, pelo exemplo de vida que foi para quantos com ele trabalharam e de algum modo colaboraram”, diz.
José Luís Sales Marques também trabalhou directamente com o general. Foi presidente do Leal Senado no período de governação de Rocha Vieira e lembra agora a postura “de militar”, “muito rigoroso”. O economista diz que “uma das características que o general teve foi o cuidado muito grande em manter os equilíbrios e o cuidado nas relações entre Macau, China e Portugal”. Sales Marques defende que o trabalho de Rocha Vieira “contribuiu muito para a transição suave” entre a administração portuguesa e chinesa. “Esse é um grande legado – é um homem que vai ficar na história de Macau com muito brilho”, sublinha.
Manuel Geraldes também conviveu de perto com Rocha Vieira. Conheceu-o em 1976 enquanto Chefe do Estado-Maior do Exército e reencontrou-o em Macau em 1991. O coronel Geraldes descreve o último governador português de Macau como “um homem de grande inteligência, uma figura relevante na história de Portugal e Macau, onde ele teve uma acção fantástica”. “Em boa hora foi nomeado pelo Presidente Mário Soares para vir dirigir a governação em Macau. Ele veio pôr cobro a uma situação muito crítica em termos de credibilidade e levou isso a cabo com muita categoria”, afirma. Manuel Geraldes destaca também a implementação da tradição das celebrações do 25 de Abril em Macau.
Manuel Silvério também trabalhou lado-a-lado com o tenente-general e destaca os projectos de grande envergadura pensados por Rocha Vieira no âmbito desportivo, como a Piscina Olímpica e o Estádio de Macau, por exemplo. O antigo presidente do Instituto do Desporto também diz que Rocha Vieira “soube defender com alguma habilidade os interesses dos portugueses após a transferência” e “fez um milagre nos últimos anos de governação para preparar os quadros para a RAEM”. Silvério aponta ainda para a “habilidade e abertura de Rocha Vieira de olhar para o futuro”.
José Rocha Diniz, fundador e antigo director do Jornal Tribuna de Macau, conviveu de perto com Rocha Vieira, tendo inclusivamente acompanhado o tenente-general nos últimos meses. Agora, recorda o “modo patriótico como ele pôs a bandeira ao peito no fim da administração portuguesa”, sublinhando também o “trabalho muito importante nos anos de transição, em que ele conseguiu mobilizar grande parte da população portuguesa e chinesa para uma transição pacífica”.
“Perdi um grande amigo. Para mim foi o melhor governador de Macau”, afirma António José de Freitas. O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Macau lembra também que em 2019 Rocha Vieira voltou a Macau para celebrar os 450 anos da instituição, tendo sido proclamado benemérito da Santa Casa nessa altura. Sobre os anos de governação, António José de Freitas dá uma nota “positivíssima” ao trabalho de Rocha Vieira, explicando: “Serviu Macau nos anos da transição e governou de uma forma muito correcta. A transição foi feita de forma muito suave, sem sobressaltos”.
A figura de Rocha Vieira não é consensual. Manuela António considera que “não foi um bom governador de Macau”. Isto porque “tinha uma perspectiva excessivamente limitada relativamente ao que era Macau”, “interpretou mal a transferência de soberania” e “perdeu a oportunidade de deixar uma administração moderna e mais desburocratizada”, defende a advogada em Macau desde 1982. Manuela António lembrou também o polémico financiamento com dinheiro público da Fundação Jorge Álvares, cuja criação foi proposta pelo próprio tenente-general ao então Presidente português, Jorge Sampaio, a dois meses de abandonar o cargo de governador.
Jorge Fão, um dos fundadores da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFMP), em 1987, admite que teve alguns “desencontros devido a questões que afligiam os funcionários públicos” com o então governador, no entanto, “ele, como último governador, procurou cumprir bem a sua missão e pareceu-me que assim aconteceu”. Também Fão recorda o episódio da Fundação Jorge Álvares e comenta que “ele não contava com a péssima reacção do público macaense” e “este episódio manchou-o na data da sua partida”.
António Trindade, presidente e director executivo da empresa CESL Asia, lembra o “caderno de encargos muito, muito complicado” que Rocha Vieira tinha no âmbito da transição de Macau. Admitindo que achou, na altura, o processo “um bocadinho confuso”, ressalva que “o trabalho foi feito”.
O fotojornalista António Mil-Homens tem actualmente uma exposição fotográfica patente no Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong com imagens da fase final da Administração portuguesa e, claro, há fotos de Rocha Vieira. “O papel dele como último governador da administração portuguesa não terá sido fácil”, concede, notando que o tenente-general “não terá tido consciência do possível e desejável futuro das relações entre Macau, China, com Portugal”.
O antigo deputado António Ng Kuok Cheong disse à Lusa que, apesar da desconfiança dos chineses, a administração “tentou fazer alguma coisa para incentivar o crescimento económico da cidade, que era muito pobre nessa altura, antes de devolver Macau”. Ng Kuok Cheong, eleito para a Assembleia Legislativa cinco meses depois da nomeação de Rocha Vieira, sublinhou que o principal obstáculo foi a resistência da China à liberalização do sector do jogo, que acabaria por só ser lançada em 2002.
Já o general Garcia Leandro considerou, em declarações à TSF, que Vasco Rocha vieira foi “determinante” para que a transição de Macau para administração chinesa tivesse decorrido sem sobressaltos. Garcia Leandro, o primeiro governador de Macau após o 25 de Abril, considera que “em termos de carácter, em termos de compreensão, em termos de inteligência, em termos de serviço ao Estado, é uma das pessoas mais completas que tivemos neste país”.
138.º E ÚLTIMO GOVERNADOR DE MACAU
O último governador português de Macau e antigo Chefe do Estado-Maior do Exército, morreu na madrugada de ontem aos 85 anos. Vasco Joaquim Rocha Vieira nasceu em 16 de Agosto de 1939.
Foi Chefe do Estado-Maior do Exército e, por inerência, membro do Conselho da Revolução entre 1976 e 1978. Desempenhou as funções de ministro da República dos Açores (1986-1991) e em 1991 foi nomeado para governador de Macau pelo então Presidente da República português, Mário Soares.
Foi o 138.º e último governador português de Macau, cargo que ocupou até 1999, quando se processou a transferência do território para a China. Em 2015, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada pelo ex-Presidente Cavaco Silva.
Anteriormente, fora condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1986), atribuída pelo general Ramalho Eanes, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo (1996), conferida por Mário Soares, e com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique (2001), atribuída por Jorge Sampaio, uma condecoração atribuída excecionalmente, já que é normalmente destinada a chefes de Estado.
Era licenciado em Engenharia Civil e tirou vários cursos e especialidades, incluindo o Curso Geral de Estado-Maior, o Curso Complementar de Estado-Maior, o Curso de Comando e Direcção para General Oficial e o Curso de Defesa Nacional.
Em 1984, foi promovido a Brigadeiro e, mais tarde, em 1987, promovido a general. Ensinou na Academia Militar e no Instituto de Estudos Militares Avançados.
Na sua carreira nas Forças Armadas foi também representante Militar Nacional no Quartel-General Supremo dos Poderes Aliados da NATO, na Europa – SHAPE, na Bélgica, e director honorário de armas e engenharia.
Era associado honorário da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade Histórica da Independência de Portugal e da Liga dos Combatentes, e foi nomeado membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP em 2012.