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      As operadoras e a recuperação do património: um impacto difícil de avaliar

      Desde a renovação dos contratos de jogo que as operadoras têm a seu cargo a recuperação do património. Decorridos dois anos, o Turismo de Macau refere que há um aumento do número de visitantes e que muito se deve a várias políticas implementadas nos bairros antigos da cidade.

       

      Com a nova função das operadoras, a recuperação do património, continua a haver várias questões por responder entre as personalidades dos diferentes quadrantes da sociedade. De que forma está o Instituto Cultural a coordenar este trabalho? É legítimo subdelegar em entidades privadas um poder público? Está a ser feita uma avaliação do impacto destas medidas? São as perguntas que continuam por responder.

      Com a política de tolerância zero do Governo Central, durante a pandemia de COVID-19, percebeu-se que depender unicamente do jogo seria prejudicial para a economia do território. Por isso, ao renegociarem-se os contratos de jogo, adoptou-se uma fórmula pioneira: colocar a recuperação do património a cargo das operadoras.

      Em Setembro de 2023, formalizou-se esta nova visão, com a assinatura de acordos específicos entre o Governo e as concessionárias para proceder à revitalização de várias zonas culturais nos bairros antigos. Eram seis zonas a cargo de cada uma das concessionárias de jogo: os estaleiros de Lai Chi Vun (Galaxy Entertainment Group), a área junto ao templo de A-Ma (MGM Macau), o Porto Interior e a Fortaleza do Monte (Melco Resorts and Entertainment), a Avenida Almeida Ribeiro com foco no Cais 16 e no Cais 14 (SJM), a Rua da Felicidade (Wynn Macau) e a Fábrica de Panchões Iec Long (Sands China).

      “É muita coisa e há poucos dados sobre isso”, refere a arquitecta Maria José Freitas, que é membro do Conselho do Património Cultural. De todo o modo, refere, acha a iniciativa “muito positiva” e, sempre que fala em congressos internacionais sobre o assunto, acham que “ter as operadoras a financiar a recuperação do património é o ovo de Colombo”. Não conseguindo ainda fazer uma avaliação do trabalho que tem sido desenvolvido, uma coisa é certa: “Tem de haver um controlo muito grande por parte do Governo, neste caso do Instituto Cultural, sobre o trabalho que está a ser desenvolvido e sobre aquilo que está a ser executado”.

      Há que evitar a repetição de casos como os da Rua da Felicidade, aponta a arquitecta. “As luzes e decorações que danificaram parte das fachadas e depois também o mobiliário usado — um mobiliário típico da Wynn Resorts, fazendo-se, assim, uma alusão muito directa à Wynn”, diz, a título de exemplo. Apercebendo-se do sucedido e dada a insatisfação popular, reverteu-se um pouco do que estava a ser feito. “Penso que a questão dos artefactos dispersos pelas paredes já está mais controlada”, diz, referindo que novas iniciativas têm sido promovidas pela operadora. “No final do ano passado, organizaram um desfile de moda relacionado com a moda dos criadores de Macau e isso é bastante positivo, já que a Rua da Felicidade era um distrito em que havia uma certa alegria de viver, uma certa facilidade de vida”, acrescenta.

      Ao passear pela cidade, a arquitecta admite que esbarrou em alguns pontos menos positivos. “Por exemplo, na Doca D. Carlos I, que está a ser seguida nos edifícios da Capitania dos Portos, a MGM China costuma ser bastante criteriosa nas suas intervenções, mas, daquilo que me apercebi, a intervenção devia ter a ver com a história do sítio”, recorda, acrescentando: “Mais recentemente, fui lá e o que lá estava era uma exposição sobre um cão japonês. O que um cão japonês tem a ver com a história do sítio, para ocupar um pavilhão inteiro?”

      Considerando situações como estas, Maria José Freitas defende que “deve haver uma intervenção mais criteriosa por parte do Instituto Cultural”. Olhando ainda para a Almeida Ribeiro, deixa um alerta: “Essa está a cargo da SJM Resorts, aí fica o apelo para ter um conteúdo mais ligado com a história do sítio”.

      Olhando ainda para o Poly MGM Museum, no MGM Macau, a arquitecta refere que “não viu nada sobre o papel que Macau desempenhou nesta Rota da Seda, e Macau, nos séculos XVI e XVII, tinha um papel importante na Rota da Seda em trazer para a China a prata que vinha do Japão, em levar para o Japão as sedas da China, em trazer para esta zona da Ásia as especiarias que vinham da Índia”.

      É por isso que a arquitecta insiste que é “essencial o papel do Instituto Cultural”, que deverá ser mais didáctico. “O Instituto Cultural até podia trabalhar mais em conjunto com estudantes de Património”, sugere.

      Por outro lado, elogia alguns dos trabalhos que têm sido feitos, como a Fábrica de Panchões Iec Long, pela Sands China.

      Sobre se o Conselho do Património Cultural tem sido consultado no âmbito deste processo de revitalização dos bairros, Maria José de Freitas diz que não tem havido muitos pedidos de consultoria. “As concessionárias não gostam de publicidade e não querem pôr as coisas cá fora antes de terem tudo muito seguro”, diz.

       

      Aqui cabe a delegação de poderes?

       

      Para o economista José Isaac Duarte, ainda é cedo para perceber o impacto desta nova função dos operadores. Mas deixa no ar a interrogação: “Pôr as operadoras a trabalhar no património não me parece a sua área típica de intervenção, não corresponde às suas competências.” Argumentando de que as instruções dadas pelo Governo não foram claras, refere que aparenta que “apenas lhes foi dado esse encargo e agora eles que arranjem solução.” Do ponto de vista de políticas públicas, é uma situação inédita. “Para as operadoras, é uma situação de alguma invulgaridade, por não ser a competência deles”, diz. E, por isso, lança a pergunta: “Tal como aparece publicamente, dá ideia de uma transferência de responsabilidades públicas para entidades privadas, na base de ‘arranjem aí uma solução e encontrem dinheiro para os vossos compromissos.’”

      Por seu turno, para o economista-chefe da Clark Hill Economics, Jonathan Galaviz, considerando a indústria privilegiada que é a do jogo, em Macau, por os concessionários terem uma licença atribuída pelo Governo, faz sentido que, com esta, venham algumas obrigações. E, dentro da lógica de diversificação que o Governo de Macau tem procurado promover, enquadra-se a revitalização dos bairros históricos do território, para “aumentar a experiência de turismo não relacionada com o jogo”, além de garantir aos residentes do território que estes possam “desfrutar das suas comunidades de forma mais positiva”.

       

      Mais visitantes, mas a que custo?

       

      Glenn Mccartney, professor da Universidade de Macau (UM) e especialista na área do turismo, considera que é cedo para se medir o impacto, mas há que fazê-lo. “Não é o mesmo que organizar um evento, trata-se de planeamento urbano, isto levará tempo”, diz. Uma forma de garantir o sucesso é estabelecer “uma plataforma colaborativa” entre o sector privado e o público. “Há que pensar que apresentar algo actualmente deverá ser diferente de há 200 ou 300 anos. Queremos manter a autenticidade, mas, ao mesmo tempo, incorporar as novas tecnologias”, alerta. Há, por isso, que apresentar a história “num contexto mais moderno”, para satisfazer os interesses destes novos visitantes.

      Olhando para os estudos de impacto social e económico, há uma investigação complexa que ainda precisa de ser feita. A revitalização urbana tem também impacto nos residentes e nas comunidades. “Por vezes há que educá-los no que é o turismo e qual é o seu benefício”, refere.

      Em várias intervenções, a directora dos Serviços de Turismo, Helena de Senna Fernandes, tem mencionado várias “medidas favoráveis” aprovadas pelo Governo Central, responsáveis por um aumento do número de turistas internacionais em Macau. Além do alargamento do número de cidades chinesas autorizadas para emitir salvos-condutos individuais para entrada nas regiões administrativas especiais, assim como o aumento do limite de isenção de imposto de produtos transportados em bagagem pessoal pelos visitantes, a governante destaca as várias campanhas de promoção que tem lançado para atrair turistas, nomeadamente actividades para levá-los para os bairros comunitários. “O Governo da RAEM tem-se empenhado em impulsionar as empresas de turismo e lazer integrado a realizarem a revitalização das zonas históricas, para desenvolver, em conjunto com as pequenas e médias empresas e associações locais, trabalhos que visam atrair a visita dos visitantes aos bairros comunitários e impulsionar o desenvolvimento dos elementos não jogo, lançando produtos turísticos com características próprias dos bairros comunitários com base nos elementos históricos, culturais e turísticos de Macau”, referia, em resposta à interpelação escrita apresentada pelo deputado à Assembleia Legislativa, Ma Io Fong, a 28 de Março de 2024.

      Recorde-se que, no decurso de uma conferência que decorreu na Fundação Rui Cunha, Maria José de Freitas não deixou de frisar a importância de controlar o fluxo de turistas no contexto destes projectos de revitalização. “A COVID deu-nos tempo para parar e reflectir e estamos a caminho de voltar aos números de turistas registados no período anterior à pandemia. Se tudo isso não for controlado vai traduzir-se num grande desgaste para a população residente, a própria cidade e os sítios patrimoniais. É tempo de fazer uma reflexão e trabalhar em conjunto com as operadoras para maximizar o potencial [dos locais], mas controlar as multidões.”

       

      O que é este compromisso?

       

      As seis operadoras assumiram o compromisso de investir 108,7 mil milhões de patacas em actividades não ligadas ao jogo, num período de dez anos — o tempo de vigência dos respetivos contratos de concessão.

      O plano visa tornar, gradualmente, as zonas históricas da cidade em destinos culturais e turísticos, revitalizando bairros históricos, promovendo o envolvimento da comunidade e diversificando a economia da cidade.

      Entre as iniciativas previstas nesse plano, enquadram-se a Fábrica de Panchões Iec Long, com a organização de exposições e instalações interactivas e a preservação dos edifícios históricos e da paisagem ecológica. Integra também o plano a regeneração do Pátio da Eterna Felicidade e da Rua das Estalagens na península, com a Sands China a planear transformar o pátio num espaço de criação artística, convidando artistas locais a estabelecerem residência artística.

      Além da recuperação da Avenida Almeida Ribeiro e das praças nas suas imediações, também a área das pontes-cais n.ºs 23 e 25, no Porto Interior, faz parte do plano, assim como a Rua da Felicidade, agora com uma nova cor e um Plano da Zona Pedonal. Do plano faz também parte a Barra e a área em redor da Doca D. Carlos I, com a introdução de elementos como zonas verdes, postos de venda de produtos culturais e criativos, exposições de artesanato, actividades de entretenimento, instalações artísticas e cafés com esplanada.

      Em Coloane, mais concretamente aos Estaleiros de Lai Chi Vun, já foram inaugurados os lotes X11-X15 da primeira fase de reabilitação dos Estaleiros Navais de Lai Chi Vun, com uma área de cerca de 3.000 metros quadrados, onde foram instalados uma zona para exposições temáticas e um espaço para espectáculos e workshops. A ideia agora passa por criar um parque típico de actividades de lazer, tendo como tema a indústria de construção naval de Macau, numa empreitada que tem o apoio da Galaxy Casino, S.A. Do projecto consta ainda uma pista de patinagem no gelo simulada e uma quinta urbana inovadora.

       

      A coordenação do Governo

       

      Fazendo uma espécie de balanço, o Instituto Cultural (IC) refere, numa nota enviada ao PONTO FINAL, que, desde a implementação do plano de revitalização até à presente data, “as empresas integradas de turismo e lazer têm vindo a realizar actividades temáticas durante as épocas festivas, introduzindo, de vez em quando, exposições internacionais de alto nível, enriquecendo a experiência dos residentes e visitantes”. O IC destaca ainda, na nota enviada, “o lançamento contínuo de cursos de apoio financeiro e formação para empreendedorismo, renovação e embelezamento das ruas, criação de um espaço especial de restauração nocturna característica, lançamento de benefícios de consumo para ajudar as lojas a atrair clientes, convite de celebridades e estrelas para se deslocarem ao bairro para promoverem e ajudarem na venda de produtos, envidando todos os esforços para impulsionar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas, do sector turístico e do sector cultural nos bairros antigos.”

      Ao mesmo tempo, as operadoras estão “a revitalizar gradualmente as construções das diversas zonas, incluindo a transformação da antiga doca da Barra num espaço de gastronomia ao ar livre, a revitalização do antigo Centro de Actividades Recreativas e Culturais Kam Pek num espaço de gastronomia”, além de acrescentar “aos Estaleiros Navais de Lai Chi Vun – X11-X15 os elementos de diversão familiar, exposição histórica, espaços de lazer ao ar livre e de espectáculos, entre outros.”

      Para trabalhar em colaboração com as operadoras, o Governo da RAEM criou uma equipa de trabalho interdepartamental. “O Instituto Cultural desempenha principalmente um papel de coordenação. Em relação dos trabalhos envolvidos na revitalização realizada pelas empresas de lazer, bem como a protecção do património cultural, o planeamento do uso do terreno, as obras de renovação, os pedidos de licença, as medidas de trânsito, a gestão de multidões, a higiene ambiental e os regulamentos de protecção contra incêndios, o IC coordena com diferentes departamentos públicos e organismos especializados”, refere.

      Por último, a fim de promover os intercâmbios sociais sobre a revitalização das zonas históricas, garante o IC na nota enviada, o “Governo da RAEM auscultou activamente as opiniões de toda a sociedade e das partes interessados, realizou apresentações e visitas guiadas aos Conselho do Património Cultural e Conselho Consultivo para o Desenvolvimento Cultural, de modo a optimizar continuamente a implementação do plano.”