A chegada de Sam Hou Fai ao cargo de Chefe do Executivo da RAEM é vista pelo académico Leon Ieong Meng U como um marco na integração da região no interior da China. A ligação aos países de língua portuguesa também estará em foco com o novo líder do Governo que entra em funções a 20 de Dezembro.
O académico Leon Ieong Meng U disse à Lusa que a nomeação de Sam Hou Fai como novo líder de Macau é um marco da integração no interior da China e demonstra que a relação com Pequim mudou. Sam, antigo presidente do Tribunal de Última Instância de Macau, vai tomar posse a 20 de Dezembro.
“Macau já não é a mesma, devido à mudança das relações entre as autoridades locais e centrais. Neste momento, as políticas do Governo Central têm uma influência muito directa”, defendeu Leon Ieong Meng U, professor na Universidade de Macau.
Sam Hou Fai será o primeiro Chefe do Executivo a não vir de uma das famílias que tradicionalmente dominaram a economia da cidade, sublinhou à Lusa o antigo presidente do grupo pró-democracia Associação Novo Macau, Jason Chao.
“A China é um país enorme, que Pequim só consegue governar dando às autoridades locais alguma margem de manobra. E depois é preciso um sistema de avaliação do seu desempenho”, explicou Leon Ieong. Um sistema que anteriormente não cobria Macau, mas que “começou explicitamente a ser aplicado” no território devido ao receio de contágio do movimento pró-democracia que afectou Hong Kong em 2019, disse o académico.
Leon Ieong acredita que a prioridade para Pequim é a segurança nacional, “por isso talvez queira um candidato que partilhe uma mentalidade semelhante para que possa ter uma melhor interpretação sobre as políticas do Governo central”.
Foi por isso que, após escolher em 2022 o antigo comissário adjunto da polícia John Lee Ka-chiu como líder de Hong Kong, Pequim nomeou um juiz como o Chefe do Executivo eleito de Macau, disse Jason Chao. “As trajectórias são mais ou menos iguais”, explicou o activista radicado no Reino Unido desde 2017, porque, “aos olhos dos chineses, não há uma grande distinção entre a polícia, o Ministério Público e os tribunais, são um só sistema”.
Tanto Macau como Pequim têm reiterado como uma prioridade uma maior integração, sobretudo na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “A preocupação é que vemos uma aproximação ao estilo de governação chinês, em que as políticas não são tão transparentes, não são tornadas públicas com antecedência, e alterações podem ser feitas subitamente”, alertou Jason Chao.
Já em termos de integração social, “a tendência é imparável, mesmo que não houvesse uma política governamental a impulsioná-la”, disse o activista, sublinhando o número de cidadãos de Macau que vivem na cidade vizinha de Zhuhai, onde a habitação é mais acessível.
Uma das diferenças mais visíveis de Macau e Hong Kong face ao interior da China continua a ser a possibilidade de aceder a redes sociais e plataformas de mensagens ocidentais, como o Facebook e o Twitter, que estão bloqueadas na China continental. Mas Jason Chao sublinhou que tem havido “uma rápida adopção” do WeChat apesar de os residentes de Macau saberem que existe censura política nesta plataforma.
“Vemos que, com os actuais slogans e políticas, parecem estar a seguir uma integração às cegas”, lamentou à Lusa o deputado Ron Lam, que defende a continuidade do estatuto especial de Macau após 2049, quando termina o período de transição acordado com Portugal. “Manter de verdade e aproveitar ao máximo as características de Macau e de Hong Kong ajudaria a servir o país e seria benéfico para todas as partes, mesmo daqui a 25 anos”, acrescentou.
APOIO À DIPLOMACIA COM OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA
O académico Leon Ieong Meng U disse que a falta de progresso nas relações políticas com os países de língua portuguesa pode ter sido uma das razões para a mudança de liderança em Macau.
“Nunca saberemos o que realmente aconteceu, mas é razoável supor que o Governo Central não ficou muito satisfeito com o desempenho” do dirigente escolhido em 2019, disse Leon Ieong Meng U.
Também Jason Chao disse à Lusa não saber “por que razão Ho perdeu a confiança de Pequim ou por que razão Pequim está tão ansiosa por fazer uma mudança que poderia acontecer daqui a cinco anos”.
“Em termos de imagem, Ho fez muitas coisas boas para gerir a pandemia” e mesmo os fundos públicos dados ao filho, Jason Ho Kin Tung, “não são um escândalo tão grave como no caso de outros Chefes do Executivo”, acrescentou o activista.
Leon Ieong sublinhou que em 2003, a China deu ao território “uma missão diferente” ao criar o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A organização, conhecida como Fórum de Macau, tem como membros Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe (desde 2017) e Guiné Equatorial (desde 2022).
“Na verdade, eles esperavam que Macau desempenhasse um papel na política externa da China”, nas ligações diplomáticas com Timor-Leste e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), disse Leong Ieong.
“Todos sabemos que o Governo de Macau teve muito tempo, [mas] na prática não fez nada de muito significativo”, lamentou o investigador da Universidade de Macau.
José Luís de Sales Marques disse que a ligação da região com os países lusófonos “vai continuando num ritmo e num tom muito favorável de uma convergência de intenções”, mas admitiu que “poderia estar mais desenvolvida”.
Ainda assim, o antigo presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau recordou à Lusa o impacto da pandemia, “que se condicionou já as questões de ordem interna, quanto mais a ligação com os países de língua portuguesa”. “Isso prejudicou, por exemplo, a presença dos alunos dos países de língua portuguesa nas diversas universidades de Macau”, lamentou Sales Marques.
Depois do território levantar as restrições, a primeira deslocação de Ho Iat Seng ao exterior, em Abril de 2023, foi a Portugal. “Houve obviamente uma paragem a nível de contactos cara-a-cara, mas estou a ver agora um retorno e com alguma pujança”, defendeu Sales Marques, dando como exemplo a sexta conferência ministerial do Fórum de Macau, em Abril.
Desde que o líder chinês Xi Jinping subiu ao poder, em 2012, “ele tem dado extrema ênfase à política externa”, propondo a chamada “modernização ao estilo chinês”, que na prática é “um projecto de uma nova ordem global”, disse Leon Ieong.
“O Governo Central quer Macau a contar uma boa história da China. Isso significa exigir que Macau aumente a influência da China junto dos países de língua portuguesa”, referiu o especialista em política do território.
Sales Marques disse acreditar que Pequim vê sobretudo o Fórum de Macau como “um instrumento de ‘soft power’ [poder de influência] da República Popular da China na sua relação multidimensional com os países de língua portuguesa”, que inclui a cultura. O académico recordou ainda que a Lei Básica já prevê que a região pode “tratar por si própria (…) dos assuntos externos”.