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      O sistema de ensino não superior em Macau ainda é bastante tradicional, dizem especialistas da área

      Pelo mundo fora, há modelos de ensino que privilegiam valores como a criatividade, espírito crítico, autonomia e liberdade e que não se enquadram nos métodos mais convencionais. Em Macau, dizem os especialistas, há poucas alternativas ao sistema tradicional.

       

      No ano lectivo de 2023/2024, de acordo com a Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEJ), contavam-se 76 escolas — oito públicas e 68 privadas. Destas, 73 ministravam o ensino regular, que inclui o infantil, o primário, o secundário e o especial. Estes são os números conhecidos, mas quais são os métodos adoptados no interior destas escolas? Foi isso que o PONTO FINAL quis saber junto de quem trabalha na área.

      Segundo os números da DSEJ, 67 escolas estão integradas no sistema de escolaridade gratuita, nas quais se incluem as públicas e as particulares com subsídios do Governo. “Em Macau, a educação não terciária é sobretudo tradicional, em particular nas escolas públicas e nas subsidiadas pelo Governo”, afirma a professora adjunta da Universidade de São José, Kiiko Ikegami. Estas instituições, normalmente, centram-se num ensino “dirigido pelo professor, com um foco forte em aprendizagem estruturada e em desenvolver competências académicas de base, como a literacia e os números”.

      Ainda assim, nos últimos anos, diz a investigadora, “nota-se um aumento da presença de abordagens educacionais alternativas”, particularmente em escolas internacionais e privadas, com currículos mais flexíveis. “Estas escolas desenvolvem métodos como a abordagem holística, com ênfase no desenvolvimento da criança por inteiro — não apenas académico, mas também emocional e social”, contrapõe. Ao mesmo tempo, continua a investigadora, vêem-se já também alguns sinais de instrução diferenciada, uma abordagem que permite o “desenvolvimento de métodos diferentes em função das necessidades de estudantes individuais”, para dar resposta aos diferentes estilos de aprendizagem. Em alguns sectores, a abordagem baseada em projectos também tem vindo a “ganhar tracção, encorajando os alunos a procurar resolver problemas do mundo real e numa aprendizagem colaborativa”.

       

      As características de um ensino tradicional

       

      Em Macau, a educação tradicional, diz a docente, segue uma abordagem formal e estruturada, semelhante a muitos países na Ásia. Com um currículo assente em exames e com ênfase no desempenho académico, as disciplinas principais são o Chinês, o Português, o Inglês, a Matemática e as Ciências. “O foco está na aprendizagem mecânica, memorização e preparação para exames, vistos como indicadores-chave para o sucesso”, explica a investigadora.

      As salas de aula estão centradas no professor, visto como uma figura de autoridade, que recorre muito à leitura para o ensino. “Espera-se que os alunos absorvam a informação e sigam as suas orientações, com oportunidades limitadas para uma participação activa e aprendizagem interactiva”, declara. Disciplina, formalidade e uma estrutura hierárquica acabam por ser os valores estruturais deste sistema, com a valorização do “respeito pela autoridade e adesão às regras”.

      Dadas as características de Macau, a educação bilingue é uma característica importante, com o Chinês — Cantonês ou Mandarim — e o Português a serem as principais línguas veiculares, dependendo da instituição em causa. Por outro lado, o Inglês é ensinado como língua secundária em muitas escolas. Adicionalmente, ensina-se a educação moral e cívica, “cultivando valores como o respeito, responsabilidade e cidadania”.

      O sistema tradicional também deposita “grandes expectativas nos alunos”, muitas vezes pressionados pelos pais para “um bom desempenho académico”, gerando “uma cultura generalizada de aulas extra e explicações depois da escola”.

      Na opinião da investigadora, ainda que este modelo “prepare os alunos para exames e para o ensino superior”, tende a dar prioridade às “conquistas académicas”, em detrimento da “criatividade, pensamento crítico e aprendizagem independente.” No entanto, começa a ganhar espaço em Macau, a necessidade de “uma abordagem educacional mais equilibrada”.

       

      O porquê de haver um ensino tradicional

       

      Há vários factores que podem estar por detrás deste cenário, incluindo preferências culturais ou a regulamentação do Governo. Da perspectiva cultural, diz Kiiko Ikegami, “muitas famílias em Macau dão muita importância ao sucesso académico e ao ensino formal, considerando-o o melhor caminho para oportunidades futuras”. Como consequência, as escolas tradicionais, com a sua abordagem estruturada e centrada nos exames, continuam a ser a opção preferida dos pais. Há, por isso, pouca procura de “métodos educacionais alternativos”.

      Por outro lado, da perspectiva regulatória, o sistema de ensino é “fortemente controlado pelo Governo”, que “estabelece padrões rígidos e requisitos para a escolaridade formal”. Por isso, métodos de ensino alternativos acabam por não ter reconhecimento e apoio formal. “Este ambiente regulatório faz com que seja difícil o estabelecimento de instituições alternativas educacionais ou que os pais escolham caminhos mais flexíveis para as suas crianças”, conclui.

       

      As alternativas no território

       

      Ainda que seja um nicho, já se encontram alternativas educacionais em Macau, mesmo que muitas se encontrem fora do ensino regular. “Estas incluem o ensino Montessori e Waldorf, centradas na prática, na aprendizagem holística e na criatividade”, diz Kiiko Ikegami. O ensino doméstico é uma opção possível, ainda que não esteja regulado em Macau. Por outro lado, as escolas internacionais já têm um currículo alternativo, como os programas de Bacharelato Internacional (IB, na sigla em inglês) ou Cambridge, que desenvolvem as perspectivas globais e o pensamento crítico. A aprendizagem assente em projectos também está a ganhar popularidade, ao passo que os centros de estudos também garantem enriquecimento especializado em áreas como as artes, a músicas e o ensino STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na sigla em inglês).

      Além disso, diz Kiiko Ikegami, as plataformas de aprendizagem online têm vindo a ser cada vez mais utilizadas, oferecendo flexibilidade e acesso a cursos globais. Por outro lado, várias organizações não lucrativas organizam workshops e programas que se centram em educação moral, sustentabilidade ambiental e responsabilidade cívica. A estes pode ainda acrescer a oferta de programas de imersão linguística e cultural, que ajudam os estudantes “a explorar o património bilingue e multicultural de Macau, promovendo fluência em Chinês e Português”. Estas alternativas contribuem para “um panorama educacional diverso”, que complementa o sistema tradicional de ensino.

      Olhando para a oferta existente de opções ao ensino alternativo, a professora da Universidade de Macau, Teresa Vong, afirma que, no que toca às creches, considerando que não estão tão limitadas por um currículo, têm maior liberdade, vendo-se, por isso, algumas (poucas) a adoptar métodos como o de Montessori ou de Waldorf — mesmo as que recebem um subsídio do Governo. Ainda assim, na maioria das creches chinesas, ainda se pede “que as crianças formem filas e se sentem sossegadas enquanto ouvem uma história”, seguindo valores como a obediência e a disciplina. “Geralmente, não se aceita que as crianças façam barulho, o que é estranho”, remata a investigadora.

      Nos infantários e jardins de infância, por outro lado, alguns adoptam metodologias como as de Montessori, ainda que não na sua totalidade. “Os alunos do K1 [até aos 3 anos] não escrevem, mas, a partir do K2 [até aos 4 anos], já é suposto escreverem algo”, revela, acrescentando: “Isso significa que precisam de seguir o currículo e alguns dos pais podem querer transferir os seus filhos para uma boa escola primária, precisando, por isso, de prepará-los.” No último ano, o K3 (até 5 anos), já são obrigados a estar sentados, alinhados em mesas.

      Há dificuldades também logísticas na promoção de um ensino alternativo. “A maioria dos infantários e jardins de infância têm turmas grandes, de 32 a 35 alunos”, diz Teresa Vong, acrescentando que, mesmo as escolas privadas, podem ter turmas até com mais de 35 alunos. “É muito difícil, nestes casos, praticar metodologias alternativas como a Montessori”, refere.

      Olhando para o ensino primário e secundário, Teresa Vong refere o caso das escolas internacionais do território. “Por exemplo, a escola Pui Ching, que é chinesa, mas com uma secção internacional nova em Coloane, não penso que esta (e outras escolas internacionais) se enquadrem no ensino alternativo, porque, na verdade, o objectivo destas é estudar no estrangeiro”, afirma. E o mesmo se aplica a outras escolas internacionais, como a Escola das Nações, a Escola Internacional de Macau (TIS) ou o Colégio Anglicano de Macau, ou mesmo escolas como a Kao Yip, que abriu uma nova secção com um programa local de IB.

      A docente da Universidade de Macau destaca ainda que, no panorama do ensino de Macau, devia dar-se uma maior importância às escolas de ensino técnico-profissional, especializadas em competências técnicas. Há, porém, alguma hesitação por parte dos pais do território. Por um lado, perante o número de exames que se tem de fazer no acesso ao ensino superior, há alguns receios na escolha destas escolas. Por outro, há algum estigma. “É como se fosses um cidadão de segunda ao optar por uma escola técnico-profissional”, diz.

      Trata-se, assim, de uma realidade muito diferente de alguns países europeus. “Não acho que seja uma situação saudável — estamos demasiado focados em competências académicas”, afirma Teresa Vong.

       

      E o ensino doméstico em Macau existe?

       

      A lei de bases do ensino não superior estabelece que o Estado deve facilitar o desenvolvimento do ensino doméstico, através da cooperação entre departamentos e entidades privadas, especificando ainda que, nos anos da escolaridade gratuita obrigatória, os tutores de cada criança são obrigados a registar o menor para acesso ou comparência na escola. Não havendo legislação subsequente e mais específica para regulamentar este tipo de ensino, acaba por ser uma opção “pouco usual” em Macau, refere  Kiiko Ikegami.

      Ainda assim, um pequeno número de famílias “opta” por este tipo de ensino, seguindo, geralmente, currículos internacionais como o Bacharelato Internacional ou “programas customizados que se alinham com as necessidades individuais das crianças e as preferências de aprendizagem”. Estas famílias acabam por recorrer a “plataformas de ensino online e institucionais de aprendizagem à distância para suplementar os seus esforços”.