O regresso de Donald Trump à Casa branca traz consigo uma dose de imprevisibilidade, nomeadamente em relação às tensões entre os Estados Unidos e a China. Os analistas ouvidos pelo PONTO FINAL alertam que Trump poderá pôr em xeque as relações sino-americanas, o que afectaria também Macau. Há quem acredite que “podemos estar a entrar num mundo novo e assustador, um mundo de caos e anarquia”.
Donald Trump derrotou Kamala Harris nas eleições americanas e vai regressar à Casa Branca em Janeiro do próximo ano. O que é que isso significa para os Estados Unidos da América? E o que significa para as relações EUA-China? Os analistas ouvidos pelo PONTO FINAL estão apreensivos face ao regresso de Trump, considerando que as incertezas são muitas.
No que toca às relações sino-americanas, Trump, que iniciou uma guerra comercial contra a China em 2018, prometeu impor taxas alfandegárias de 60% sobre as importações chinesas. No primeiro mandato, entre 2017 e 2021, as tensões entre os dois países subiram de tom e agora teme-se que a agressividade aumente.
“Deitei-me na terça-feira à noite e acordei com uma catástrofe na manhã seguinte”, lamenta Michael Share, norte-americano nascido em Nova Iorque a viver há cerca de 35 anos entre Macau e Hong Kong. Para o professor universitário, a eleição de Donald Trump para a Casa Branca vai “ameaçar tudo, desde a liberdade de imprensa, de expressão e de reunião até às leis de segurança das armas, à política externa e às alterações climáticas”.
Share recorda, por exemplo, que Trump ameaçou retirar as licenças de transmissão das estações CBS e MSNBC, e tentou intimidar jornalistas com processos criminais. Por outro lado, leis de segurança de armas deverão ser retiradas e poderá mesmo haver uma proibição nacional de todos os abortos, alerta o nova-iorquino. Além disso, “alguns dos conselheiros de Trump querem devolver as mulheres à cozinha, tal como imaginavam o papel das mulheres na década de 1950; pretendem um patriarcado nacionalista cristão branco”. Economicamente, Michael Share acredita que a inflação vai aumentar significativamente.
No que toca à política externa, Share estima que Trump possa rasgar tratados de segurança internacionais e retirar os EUA da NATO. Nesse caso, prevê o especialista em relações sino-russas, “a Ucrânia será provavelmente atirada aos lobos nos seis meses seguintes à sua tomada de posse” e “a Rússia será encorajada não só a tomar a Ucrânia, mas também a Moldávia e talvez os Estados Bálticos”. Por outro lado, Trump poderia levar a uma “guerra de grande escala” no Médio Oriente.
Relativamente à China, as taxas alfandegárias de 60% vão originar nova guerra comercial, acredita Share, alertando que isso “afectará gravemente as economias dos Estados Unidos e da China, incluindo Hong Kong e Macau”. O professor universitário acredita também que Trump terá uma atitude mais desafiadora em relação a Pequim face à questão de Taiwan. “Assim, podemos estar a entrar num mundo novo e assustador, um mundo de caos e anarquia”, assinala Michael Share.
Jianwei Wang, professor emérito do departamento de Administração Governamental e Pública da Universidade de Macau e perito nas relações entre os Estados Unidos e a China, defende que o regresso de Trump trará “muitas incertezas” à relação entre as duas potências. Aliás, “a queda livre nas relações entre a China e os Estados Unidos aconteceu durante o seu primeiro mandato”.
Actualmente, “continuamos a ter problemas, continuamos a ter fricções, continuamos a ter concorrência”, porém, “há uma espécie de novo quadro em que existem mecanismos de consulta a diferentes níveis entre os dois países”. “Não sei se Donald Trump vai continuar a manter este quadro entre os dois países”, diz Wang, acrescentando que Trump “vai deitar abaixo a relação que Joe Biden estabeleceu com a China”. “Se ele continuar a usar Pompeo [secretário de Estado norte-americano durante o primeiro mandato de Trump] e Rubio [Senador] e esse tipo de pessoas para a política externa ou de segurança nacional, receio que venhamos a assistir a mais fricções e a mais crises nas relações”, prevê o também director do Centro de Estudos Regionais e Estratégicos.
Elon Musk, empresário responsável pela SpaceX, Tesla e pela rede social X, é um dos mais vocais apoiantes de Donald Trump, ao mesmo tempo que mantém boas relações com Pequim devido aos seus negócios na China. Poderá ele permitir uma aproximação entre as duas potências? Jianwei Wang diz que não. “Musk tem uma boa relação com a China, onde tem muitos negócios pessoais, por isso, pode tentar persuadir Trump a não travar outra guerra comercial”, no entanto, “Musk não fará parte do Governo, e, portanto, o que ele poderá fazer é um pouco limitado”.
“Ele pode aprender a lição do seu primeiro mandato e tentar fazer algo diferente, e é por isso que eu digo que a coisa mais importante a saber sobre a política de Trump em relação à China é o desconhecido, a incerteza”. “Nunca se sabe o que é que ele vai fazer como Presidente”, termina.
O economista Henry Lei acredita que os laços económicos entre a China e os Estados Unidos não vão ser afectados por Trump – “pelo menos a curto prazo”. O professor associado do departamento de Finanças e Economia Empresarial da Universidade de Macau explica que os Estados Unidos não serão capazes de encontrar, a curto prazo, um substituto perfeito para a China, que é o maior produtor e exportador a nível mundial. “Mesmo que os Estados Unidos tenham vindo a diversificar as suas fontes de importação, a China vai desempenhar um papel significativo a curto prazo, para fornecer os seus produtos aos EUA com a presença de uma ligação económica bilateral significativa, impulsionada pela sua escala económica e capacidade de produção”, acrescenta o economista.
Henry Lei acredita que a estratégia “America First”, promovida por Trump, irá “criar perturbações nas relações económicas EUA-China”, mas “mas uma desconexão total não é provável, uma vez que não é do interesse dos EUA nem da China”.
Assinalando que a taxa de câmbio do renminbi caiu e a bolsa de valores de Hong Kong contraiu, Henry Lei diz que não espera receber boas notícias sobre as políticas de Trump face à China: “É provável que Trump considere a China como um grande concorrente e tencione endurecer ainda mais as suas políticas comerciais”. Por isso, “o Governo chinês deve estar plenamente consciente deste desafio e deve ter-se preparado, como a introdução da estratégia de desenvolvimento do ‘ciclo económico duplo’ para desenvolver a procura e o mercado internos como reação para enfrentar os desafios externos”.
Por fim, o economista José Luís Sales Marques também alerta para a imprevisibilidade de Donald Trump e prevê dificuldades para as relações económicas entre os dois países, lembrando que “Trump inaugurou políticas proteccionistas de elevado grau de severidade em relação as exportações chinesas, que foram seguidas pela administração Biden, e tudo leva a crer que essas políticas irão continuar e, eventualmente, tenderão a serem agravadas”.
Xi Jinping felicita Trump e apela a reconciliação entre os dois países
O Presidente chinês, Xi Jinping, felicitou ontem Donald Trump pela vitória nas eleições presidenciais norte-americanas, apelando aos dois países para que “se entendam”, após anos de tensões bilaterais, informou a imprensa oficial. “A história demonstra que a China e os Estados Unidos beneficiam com a cooperação e perdem com a confrontação”, disse Xi Jinping ao Presidente eleito dos Estados Unidos, de acordo com a televisão estatal chinesa CCTV. “Uma relação sino-americana estável, saudável e duradoura está em conformidade com os interesses comuns dos dois países e com as expectativas da comunidade internacional”, sublinhou Xi. Estes foram os primeiros comentários do Presidente chinês desde a vitória do candidato republicano.
Donald Trump e a rival democrata Kamala Harris prometeram durante a campanha conter a ascensão da China. O magnata republicano prometeu impor taxas de 60% sobre todos os produtos chineses que entram nos Estados Unidos. Xi Jinping disse a Trump esperar que os dois países “defendam os princípios do respeito mútuo, da coexistência pacífica e da cooperação vantajosa para todos”, segundo a CCTV. Washington e Pequim devem “reforçar o diálogo e a comunicação, gerir adequadamente as suas diferenças, desenvolver uma cooperação mutuamente benéfica e encontrar forma correcta de a China e os Estados Unidos se entenderem nesta nova Era, para benefício de ambos os países e do mundo”, acrescentou.
Xi Jinping e Donald Trump já se encontraram quatro vezes e o Presidente eleito dos EUA gabou-se recentemente da sua “relação muito forte” com o líder chinês.
Os principais líderes da Assembleia Popular Nacional, o órgão máximo legislativo da China, estão reunidos esta semana em Pequim, para elaborar um plano de relançamento económico. Muitos analistas acreditam que a vitória de Donald Trump poderá levar os dirigentes chineses a reforçar este programa de medidas, nomeadamente para compensar as futuras taxas aduaneiras prometidas pelo republicano.
Renminbi cai para mínimos de três meses após eleição de Trump
O renminbi caiu ontem para o valor mais baixo desde o início de Agosto, face ao dólar norte-americano, depois de o candidato republicano Donald Trump ter vencido as eleições nos Estados Unidos. O forte movimento da taxa de câmbio não se deve tanto à fraqueza do renminbi, mas à forte subida do dólar, que reflecte os efeitos de uma segunda presidência do ex-Presidente, que prometeu baixar os impostos e subir as taxas sobre as importações: no caso da China, até 60%. A taxa de câmbio ‘offshore’, que reflecte as transacções nos mercados internacionais como Hong Kong, era de 7,1980 yuan por um dólar, às 10:30 locais. A moeda chinesa perdeu cerca de 1,5% do seu valor face à moeda norte-americana desde a manhã de quarta-feira, quando começaram a ser conhecidos os primeiros resultados das eleições. Trata-se também de uma descida de 3,17% em relação ao seu último pico, que foi atingido depois de Pequim anunciar um pacote de estímulos económicos, no final de Setembro. É também a primeira vez que o renminbi desceu abaixo das 7 unidades face ao dólar, pela primeira vez desde Maio de 2023. A taxa de câmbio ‘onshore’, que reflecte as transações nos mercados domésticos, acumulou uma queda de 1,07%, desde a manhã de quarta-feira, e de 2,34%, face ao seu pico mais recente, que remonta igualmente ao final de Setembro. Nessa altura, estava a ser negociada a cerca de 7,1782 por dólar. O Banco Popular da China (PBOC, banco central) reduziu ontem em 0,93%, para 7,1659 yuan por dólar, a taxa de câmbio oficial que fixa todos os dias e que é fundamental para a cotação da taxa ‘onshore’, que só pode oscilar num intervalo máximo de 2%.