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      “A Grande Baía é um projecto interessantíssimo se soubermos aproveitar a presença portuguesa e dos macaenses”

      Na opinião de António Monteiro, a comunidade macaense tem-se sentido esquecida nos últimos anos e é preciso que as autoridades da RAEM estejam mais presentes nas suas actividades. Em entrevista ao PONTO FINAL, o presidente da Associação de Jovens Macaenses diz que deve haver uma maior promoção de Macau no exterior e que a integração da região no desenvolvimento do país deve aproveitar a presença tanto dos macaenses como dos portugueses.

      António Monteiro, presidente da Associação dos Jovens Macaenses desde 2022, defende, em entrevista ao PONTO FINAL, que “a comunidade macaense tem de ser mais ouvida”. Até porque, ao longo dos últimos anos, “a comunidade sentiu-se esquecida”. Monteiro diz que fica agora à espera para ver qual a abordagem que Sam Hou Fai, o previsível próximo Chefe do Executivo, irá ter perante a comunidade. O dirigente associativo afirma também que Macau não está a ser devidamente promovida no exterior e acrescenta que o projecto da Grande Baía é “interessantíssimo”, mas deve “aproveitar a presença portuguesa e dos macaenses”.

       

       

      Lê-se no site da associação que um dos vossos objectivos é preservar a identidade macaense e a cultura de Macau. O que é que a associação tem feito nesse sentido ao longo dos últimos anos?

      O Jorge Valente e o Duarte Alves, quando fundaram a Associação de Jovens, em 2012, fizeram-no para tentar preservar a cultura na parcela mais jovem. Ao longo dos anos, fizeram-se eventos que hoje em dia já não existem, como o encontro juvenil macaense. Outra questão que ainda tem continuidade é o intercâmbio com a China. Eles conseguiram criar uma base com o Gabinete de Ligação que tem fomentado condições para se ir todos os anos a diferentes regiões da China. De certa forma, os macaenses não ficam só em Macau, ficam a conhecer várias regiões da China com facilidade. É certo que tem sempre o apoio da Fundação Macau, que tem fomentado todos os anos a tentativa de participar nessa viagem. O convívio é muito importante. Se os macaenses não se conhecem uns aos outros e não tentam explorar a associação para realizar os seus projectos, as pessoas só ficam no seu canto.

       

      A associação serve também para agregar a comunidade…

      Sim. Nós não podemos ver a associação apenas pela comunidade macaense. A associação abre portas também à comunidade chinesa e portuguesa. Está, aliás, escrito nos próprios estatutos que qualquer residente de Macau que faça interligação com a cultura macaense ou que queira contribuir para a associação é bem-vindo. É certo que, quando falamos da cultura macaense, há a imagem de que estamos sempre a falar da gastronomia e do teatro em patuá. Nós achamos que não podemos apenas fomentar a parte cultural, é preciso também abrir portas a projectos profissionais, artísticos e de participação cívica. Tudo isso é muito importante para os jovens tirarem partido da associação para explorarem os seus projectos.

       

      A participação da comunidade nos projectos da associação tem cumprido as expectativas?

      Eu confesso que não está fácil. Estamos naquela idade em que estamos a começar a ter família e não é fácil conjugar o tempo para contribuir para a associação. A equipa não pode só trabalhar através do presidente ou do vice-presidente, é necessário que vários sócios ou até pessoas que não estão dentro da associação proponham projectos.

       

      Tem sido difícil cumprir esse papel de preservar a cultura de Macau, tendo em conta as alterações sociais, políticas e culturais que se têm notado na região?

      Tem sido difícil. Eu peguei na pasta da Associação de Jovens durante a pandemia. As pessoas ficaram mais afastadas do associativismo. Depois, quando Macau reabriu ao mundo, as pessoas regressaram aos poucos e têm-se intensificado as actividades que permitem que as pessoas se juntem e conheçam a associação. Desenvolvemos o website, tal como o Facebook e o Instagram, para haver uma maior promoção na comunidade chinesa. Nós não queremos que haja uma repetição de outras associações que já estão a promover a cultura macaense e a sua identidade. Havendo associações com uma sede, podemos aproveitar colaborações mútuas. Nós temos tentado, através do conhecimento das outras associações e das suas sedes, fazer mais actividades e colaborações. Muitas coisas que são subsidiadas no plano de actividades de cada associação não impedem que haja colaboração com outras associações. Também nos focamos no trabalho com as escolas. Colaborámos com o Instituto Internacional de Macau numa edição infantil com a Mandarina, da Catarina Mesquita. Vemos que podemos tirar partido de vários conhecimentos de cada associação. Por exemplo, o Instituto publica e a Associação de Jovens ajuda a promover nas escolas. As escolas têm tirado partido disso e vêem que as associações preservam e promovem Macau.

       

      Que papel é que tem, hoje em dia, a comunidade macaense?

      É sempre complexo falar dessa questão. Quando falamos dos macaenses estamos sempre a falar dos 500 anos da história de Macau. Somos um produto que veio do simples português que chegou a Macau e que se casou com uma chinesa, ou vice-versa. Esse é o macaense inicial. Agora é muito mais extenso: podem ser pessoas que se identificam com a cultura, independentemente de ter nascido em Macau. Tentamos não discutir a identidade, porque não nos vai levar a lado nenhum. Dizemos simplesmente que é uma pessoa que se identifica com Macau e com a cultura macaense. Cada um de nós pode continuar a ser a ponte de ligação entre as duas culturas. Macau beneficia muito de ser a ponte de ligação entre culturas. Agora, que falamos tanto dessa plataforma entre a China e os países de língua portuguesa e da integração na Grande Baía, eu acho que o macaense continua a ser útil nesse sentido devido ao seu domínio linguístico. Temos de tirar partido disso. Os jovens têm de perceber as suas raízes, têm de perceber o seu passado, têm de perceber o seu legado. Não digo que tenham de saber patuá ou de saber todas as receitas da cozinha macaense, mas é preciso saber o que é que é.

       

      Recentemente, Sam Hou Fai, candidato a Chefe do Executivo, falou sobre a comunidade macaense e da comunidade falante de língua portuguesa, e disse que irá continuar a ter a preponderância que tem tido. Está optimista em relação a isto?

      De facto, ele teve essa atenção. Quando assumir o cargo de Chefe do Executivo é que vamos ver na prática se realmente vai demonstrar essa estima que tem pela comunidade macaense e portuguesa. A comunidade macaense tem de ser mais ouvida. Não é só dizer que se vai promover a cultura macaense ou a cultura portuguesa e depois na prática não acontece isso. Na comunidade macaense e portuguesa ouvimos muitos discursos a dizer que é muito importante, mas não vemos o próprio Chefe presente, não vemos a equipa a convidar as associações para participarem nas suas actividades. Em termos práticos, não vimos isso. Não é uma crítica negativa ao Chefe do Executivo actual, mas houve esse lapso. A comunidade sentiu-se esquecida. De facto, não tenho queixas de que a Fundação Macau não tem dado dinheiro, mas eu também não tenho fomentado mais actividades porque eu não tenho uma grande equipa para ajudar a fazer actividades. Quanto ao novo Chefe do Executivo, desejaria que fossemos mais ouvidos e que fosse dado um apoio mais presente às nossas actividades. As associações têm um papel muito relevante. A China sabe que, sem essa cultura em Macau, Macau seria muito diferente. O que o legado cultural de Macau tem de especial é o seu património português, a calçada portuguesa, a comida portuguesa e macaense, as próprias pessoas. Sem essa parte, Macau seria muito diferente.

       

      Vai realizar-se, no final do ano, o encontro dos macaenses e, segundo a organização, possivelmente a participação vai bater os recordes das edições anteriores. Isto significa que a comunidade está mais coesa ou significa que há uma identificação mais forte com a comunidade?

      A comunidade macaense fica sempre maior quando a diáspora vem a Macau. Temos uma grande presença macaense fora de Macau e, quando eles vêm cá, conhecem Macau e revivem o passado. Quanto à presença jovem, estamos a assistir a uma fase em que está a haver muitas passagens de testemunho. O essencial é: O que é que vai ser o futuro de Macau? Não sei responder a isto, porque depende do colectivismo dos próprios macaenses, se querem ou não continuar. Algumas associações com líderes com muita experiência têm de preparar, de certa maneira, o que se vai seguir. Falamos muito na integração na China e na Grande Baía. Não pode ser só convívios e a nostalgia, temos de pensar qual a relevância do encontro dos macaenses perante o Governo. Projecção internacional é aproveitar as casas de Macau que estão lá fora para ajudar a promover Macau no exterior. As casas lá fora podem ser úteis para exposições, palestras, estudos, investigação, etc. Essa ligação podia ser aproveitada.

       

      A RAEM faz agora 25 anos. Como é que olha para o desenvolvimento da região neste período?

      Tem sido positivo. Ao longo dos anos houve altos e baixos, mas de forma geral foi bom para Macau. Nos últimos quatro anos houve uma viragem para a China e para a Grande Baía. Temos de ter em conta aquilo que Macau pode fazer antes de dar o salto para a China e para a Grande Baía. Em Macau, faz falta essa parte, parece que não estamos devidamente promovidos no exterior. A promoção internacional pode ser mais aproveitada. A defesa da cultura macaense não se pode só ficar fixada na gastronomia e no teatro em patuá, tem de haver muito mais que isto.

       

      E como é que vê o futuro de Macau e dos macaenses?

      Eu olho com optimismo. Precisamos de estar em Macau. O macaense não pode ser aquele híbrido que não está em Macau, precisamos de estar aqui para manter a presença, passar as mensagens necessárias ao Governo e à sociedade civil e às actividades que existem em Macau. É fundamental que os macaenses continuem aqui.

       

      Está confiante de que, no futuro, a língua portuguesa continue a ser usada em Macau?

      No seio do Governo, sim. Como é língua oficial, isso será respeitado até 2049.

       

      E depois disso?

      Depois disso, penso que não basta o Governo de Macau ou parte da sociedade civil a lutar pelo português. Tem de haver esforço dos portugueses e dos macaenses. Hoje em dia, temos redes sociais, temos vídeos que podem ser feitos, temos de expor mais. Temos de dar esse pontapé de saída. Com ou sem associações, podemos promover mais essa parte. A língua portuguesa tem de ser mais falada. O Governo também pode fazer muito mais, a começar pelos transportes públicos, pelo turismo, pelas escolas. Tem de haver orgulho na língua portuguesa, não apenas no 10 de Junho. A língua é a ferramenta essencial para começar. Se conseguirmos manter a língua portuguesa viva nas ruas, eu acho que isso já é um sucesso.

       

      Também falou há pouco da intenção das autoridades de integrarem Macau no desenvolvimento do país. Isso poderá, eventualmente, descaracterizar a região?

      Há um grande interesse da própria China em facilitar a integração dos portugueses na China. A seguir há que fazer a promoção, levar cantores, artistas, pessoas dos países de língua portuguesa. O que é que vai ser trabalhado, neste sentido, na Grande Baía? O grande desafio do próximo Chefe do Executivo é como é que vai interligar as comunidades dos países de língua portuguesa na questão das relações com a China. Continua a haver o tal ‘gap’ linguístico. Temos de colocar a pergunta: O que é que nós queremos realmente? Temos de criar condições para estarmos lá e estarmos a contribuir. A Grande Baía é um projecto interessantíssimo se soubermos aproveitar a presença portuguesa e dos macaenses.