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      InícioParágrafoParágrafo #85Smuggler's Island – Em busca da «força vital de Macau»

      Smuggler’s Island – Em busca da «força vital de Macau»

      Paul French

      Em 1951, um filme de série B de Hollywood chegou aos ecrãs norte-americanos, Smuggler’s Island – «em Technicolour». Os cartazes à entrada dos cinemas anunciavam uma aventura passada no «Porto Pirata dos Mares da China». Adivinha onde? Adivinhou: Macau, claro. Apesar disso, Smuggler’s Island acabou por ser um fracasso – só foi exibido em cinemas de segunda categoria e drive-ins onde os adolescentes iam nos carros dos pais para se beijarem, e não para verem filmes. Quase não houve críticas. Quando houve, os textos pareciam a réplica do comunicado de imprensa do estúdio, destinado a preencher uma coluna de jornal. Mas para aqueles de nós que adoram Macau, para aqueles de nós que se interessam pela história de Macau, Smuggler’s Island é uma delícia. Pessoas como nós vêem Smuggler’s Island e ficam totalmente rendidas logo desde a narração de abertura, que se escuta enquanto se vêem filmagens originais dos anos 50, com juncos e sampanas em plena navegação no Porto Exterior:

       

      Macau: a mais fiel das colónias portuguesas

      O Monte Carlo do Oriente

      Situada a 50 milhas da costa da China

      Desde tempos remotos, o paraíso dos contrabandistas

      Eles próprios perseguidos por piratas impiedosos,

      que, ainda hoje, infestam a costa.

      Macau: ilha de intriga, de secretismo

      O sussurro constante ouve-se numa dúzia de línguas:

      Ouro…

      Ouro: a força vital de Macau.

       

      Na década de 1930, o jornalista norte-americano Harrison Forman, que tinha estudado Filosofia Oriental, viajou do Tibete até Xangai, atravessando a China e chegando mesmo a tempo de testemunhar a invasão japonesa de 1937. De Xangai, dirigiu-se para sul, para Guangdong, Hong Kong e, por fim, Macau. Forman permaneceu na Ásia depois da guerra e regressou mais uma vez a Macau. Aí encontrou uma «ilha de intriga» e ouviu uma palavra sussurrada vezes sem conta: «ouro…»

      Claro que antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, Macau era famosa pelo contrabando de tudo – sal, arroz, querosene, ópio, pessoas e ouro. Era de facto uma «ilha de contrabandistas». O guião deste filme é retirado quase literalmente das reportagens de Forman. Steve Kent, um ex-mergulhador da Marinha dos Estados Unidos, está em Macau, mal conseguindo ganhar a vida, tentando usar os seus antigos conhecimentos de mergulho para recuperar tesouros perdidos. Conhece Vivian Craig, uma mulher fatal que acaba de chegar de Manila num vestido muito justo e com um aspecto fantástico. Essa mulher perdeu uma carga preciosa num acidente de avião, no Mar do Sul da China e, por isso, agora precisa de Steve. Vivian afirma que a carga que perdeu se compunha de cosméticos caros. Steve duvida – «três anos em Macau tornam-nos muito desconfiados» – mas não consegue tirar os olhos dela.

      E tem razão, claro – em vez de batons e eyeliners, foi um caixote de ouro que caiu ao mar. Vivian é uma contrabandista que pretende levar o seu ouro, adquirido de forma duvidosa, de Manila para Macau, para o fundir e contrabandear para Hong Kong, onde os preços são o dobro de qualquer outro lugar. Mas há uma reviravolta. Para além de o seu ouro ter ido parar ao fundo do Mar do Sul da China, Vivian está a fugir do seu desagradável marido, um homem engravatado e com sotaque inglês, mas, na verdade, pouco mais do que um chulo manhoso. Agora está em Macau e quer a sua parte, tal como os corruptos polícias e agentes alfandegários portugueses, os piratas chineses locais e um negociante de ouro eurasiático e de feitio instável, chamado Dr. Lorca, de que Vivian precisa para lavar o seu saque.

      Aqueles que estão familiarizados com a história de Macau verão aqui um óbvio paralelismo com a eminência parda da colónia em tempo de guerra, e facilitador do negócio do ouro no pós-guerra, o Dr. Pedro José Lobo. Forman encontrou-se com Lobo, sentou-se com ele e pediu-lhe que explicasse as suas extensas actividades de negociação do metal precioso. Mais tarde, Ian Fleming (o criador de James Bond) veio à cidade e também conheceu o Dr. Lobo, destacando-o no seu relato sobre Macau em Thrilling Cities (1959), o registo da viagem que fez por encomenda do Sunday Times sobre os locais mais excitantes do mundo. Fleming ficou suficientemente espantado com Lobo para incorporar elementos da sua personagem no seu arqui-vilão, Auric Goldfinger.

      Em Smuggler’s Island, Steve Kent enfrenta uma cruz, uma dupla e uma tripla traição antes de uma perseguição de barco até ao outrora famoso refúgio pirata de Bias Bay (agora Daya Bay), alguns tiroteios e, a fechar, um enorme espectáculo de fogo de artifício (literalmente). Pelo caminho, há belas imagens de juncos em plena navegação no Porto Exterior, no Porto Interior e ao longo da costa de Macau e da Ilha da Lapa (Wanzai), tudo tal como era no início da década de 1950. A atenção de Hollywood aos pormenores macaenses não foi má – mesmo nos estúdios da Universal, em Los Angeles, os polícias goeses estão vestidos de forma autêntica e os velhos postes de iluminação em ferro que outrora ladeavam as ruas da colónia também são precisos. A orla marítima imaginária de bares, casinos e sampanas apinhadas de gente foi toda criada na Califórnia.

      Pronto, tenho de admitir que Smuggler’s Island é uma curiosidade, talvez apenas para os viciados em Macau. Jeff Chandler (Steve Kent) é um actor de primeira, Evelyn Keyes (Vivian Craig) não teve um grande orçamento para os seus vestidos e jóias, e podiam ter aproveitado melhor as filmagens que a Universal fez. Mas, como espero ter demonstrado, este era um enredo que explorava uma faceta fundamental da vida de Macau nos anos 50: o ouro – as formas de o obter, o contrabando, o comércio e a total obsessão de Macau por este metal. Como se diz em Smuggler’s Island –  «Ouro: a força vital de Macau».

       

       

       

      Smuggler’s Island está disponível no Youtube.

       

       

      Ponto Final
      Ponto Finalhttps://pontofinal-macau.com
      Redacção do Ponto Final Macau