Israel anunciou ontem que vai recusar vistos a representantes das Nações Unidas após as declarações do secretário-geral da ONU, António Guterres, que afirmou que o ataque do Hamas “não vem do nada, mas de 56 anos de ocupação”. O anúncio foi feito pelo embaixador israelita na ONU, Guilad Erdan, que acrescentou que Israel já tinha começado a adotar esta política e que tinha recusado um visto ao subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, Martin Griffiths. “É altura de dar uma lição aos altos funcionários da ONU”, disse Erdan ontem numa entrevista à rádio do exército israelita. “O massacre de judeus perpetrado pelo Hamas [a 7 deste mês] foi um ato de genocídio na sua intenção e imensamente brutal na sua forma”, afirmou Dani Dayan, presidente do Museu do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, condenando também as declarações de Guterres perante o Conselho de Segurança da ONU. “Parte da diferença em relação ao Holocausto deve-se ao facto de os judeus terem hoje um Estado e um exército. Não estamos indefesos ou à mercê dos outros”, acrescentou o responsável do Yad Vashem. Para Dayan, “a sinceridade dos líderes mundiais, dos intelectuais e das pessoas influentes”, como Guterres, é agora “posta à prova”. Perante isto, o secretário-geral da ONU “falhou o teste”, disse Dayan.
Após os massacres perpetrados pelos milicianos do Hamas em Israel há mais de duas semanas – o ataque mais mortífero da história do Estado judaico – o Governo israelita comparou as suas acções às do Estado Islâmico ou ao genocídio nazi de milhões de judeus. O governo israelita também referiu que as acções do Hamas constituíram “o pior massacre de judeus desde o Holocausto”. No entanto, a controvérsia estalou terça-feira no Conselho Geral da ONU, quando Guterres “condenou inequivocamente os atos terroristas horríveis e sem precedentes do Hamas”, embora tenha ressalvado que o sucedido tem origem em décadas de conflito com os palestinianos. “Os ataques do Hamas não ocorrem no vazio. O povo palestiniano tem estado sujeito a 56 anos de ocupação sufocante”, afirmou então Guterres, declarações que levaram a uma forte crítica do executivo israelita, que exige agora a demissão do secretário-geral da ONU. “Não tem vergonha de si próprio?”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Eli Cohen, que estava presente na sessão da ONU e cancelou uma reunião planeada com o secretário-geral. As declarações de Guterres foram também alvo de críticas de familiares dos reféns do grupo islamita Hamas, que as consideraram “escandalosas”. “Que vergonha dar legitimidade a crimes contra a humanidade quando se trata de judeus! As declarações do secretário-geral da ONU são escandalosas!”, afirmou o grupo de famílias dos cerca de 220 sequestrados num comunicado. “Crianças foram queimadas vivas, mulheres foram violadas e civis foram torturados e assassinados a sangue frio. Tudo com o objectivo de aniquilar todos os israelitas e judeus na área capturada pelo Hamas”, observaram as famílias. O secretário-geral das Nações Unidas manifestou-se “chocado com as interpretações erradas” das declarações que fez na terça-feira no Conselho de Segurança e negou ter justificado os atos de terror do Hamas. “Isto é falso. Foi o oposto”, garantiu o ex-primeiro-ministro português. Guterres admitiu que falou das queixas do povo palestiniano, mas salientou que ao fazê-lo, também afirmou: “’Mas as queixas do povo palestiniano não podem justificar os terríveis ataques do Hamas'”.