Henrique Sá Pessoa falou de quase tudo ou, pelo menos, não se esquivou a responder às perguntas que fizemos. Admitiu que tanto gosta de comer em tascas e enfarta-brutos como em restaurantes de cozinha de autor, do qual é um dos mais importantes protagonistas contemporâneos em Portugal. O chef português de 47 anos, considera que há – e deve haver – lugar para todos os géneros, até porque, assume, não querer que Portugal seja conhecido só por tascas. “Não podemos aceitar que a nossa cozinha fique reduzida a um segmento que é o de prato cheio e enfarta-brutos. Quando quero ir a uma tasca, não quero que me tragam os feijõezinhos empratados. Não quero uma desconstrução da feijoada, muito pelo contrário, quero mesmo comer uma feijoada num tacho e quero encher o bandulho, por assim dizer.” Em conversa com o nosso jornal, Sá Pessoa referiu que está muito entusiasmado com a reabertura do seu espaço em Macau, destacando o bom papel que a nova direcção da Sands China tem vindo a implementar nos últimos tempos. O chef executivo do Chiado acredita que depois dele, Luís Américo, Fausto Airoldi ou José Avillez, outros chefs deverão arriscar em Macau nos próximos anos, até porque, acrescenta, há um “interesse de todo o mundo em Portugal”.
Está de volta a Macau. O que é que o traz ao território por estes dias?
Vim cá para a inauguração do The Londoner, uma vez que fui convidado para um prato representativo, obviamente, do restaurante Chiado para 450 pessoas. Fizemos um jantar de gala onde cada chef celebridade dentro da Sands China fez um prato. Fiz um prato de lombo de novilho com um puré de couve-flor assado e um molho de estragão. Claro que também vim cá para preparar a reabertura do Chiado, que vai acontecer em Agosto, e tive diversas reuniões nesse sentido, de forma a estabelecer este novo arranque.
Acaba de me confirmar isso: o Chiado abrirá em Agosto. O que é que falta para isso acontecer? Porque não abriu antes, mesmo já depois do fim das restrições pandémicas?
Estamos ainda na fase de recrutamento de pessoal. Pós-pandemia em Macau, estamos a falar de Janeiro ou Fevereiro e, por isso, ainda com pouco tempo. Muitas das pessoas que trabalhavam no Chiado foram embora.
Quais são então as suas expectativas para esta nova fase do restaurante? O que espera alcançar com a reabertura?
Estou muito contente com esta nova reabertura. Primeiro porque sobrevivemos à pandemia e isso foi uma grande vitória. Houve muitos projectos que encerraram definitivamente e não foi o caso do Chiado. O Chiado já tinha o seu público e a Sands tinha essa consciência, assim como querem que o Chiado passe para um nível acima. O grande objectivo, agora, com esta abertura é aumentar ligeiramente a fasquia. Ter um Chiado mais polido. Vamos só abrir ao jantar e vamos fechar um dia por semana, o que penso nos dará mais consistência em termos de equipa e vamos ter dois menus de degustação. Ou seja, vamos caminhar para um Chiado mais refinado na experiência que oferece ao cliente. Neste momento estamos numa localização que há três anos não era muito boa porque estava tudo em obras à volta. Agora, temos uma nova ala, um novo hotel, que é o hotel sensação em Macau, neste momento. Temos um restaurante ao nosso lado que ganhou uma estrela Michelin este ano: o The Huaiyang Garden e, portanto, acho que em termos de posicionamento e exposição vai-nos beneficiar.
Quais são os ingredientes ou pratos tradicionais portugueses que acredita serem especialmente populares em Macau e como os pretende adaptar ao paladar local? Haverá alguma novidade no cardápio?
Vão haver algumas novidades que não quero ainda anunciar, nomeadamente com um foco maior no peixe e no marisco, que são duas coisas pelas coisas somos muito conhecidos em Portugal. E, pelas quais, eu particularmente como chef sou conhecido. No Alma tenho um menu só de peixe e marisco que é o Costa à Costa. Achamos que isso é, realmente, um gancho atractivo para o mercado chinês, uma vez que eles adoram peixe e marisco. Em termos de pratos, já percebi ao longo destes anos que há questões sensíveis como o sal e o açúcar. A questão das texturas gelatinosas também são do gosto chinês. Os pratos assinatura, como a Calçada de Bacalhau, vão continuar. E, como já tinha dito, uma experiência mais refinada sem ser pretensiosa. Virei a Macau, pelo menos, três vezes por ano, e também, hoje em dia, com as novas tecnologias podemos estar sempre em contacto.
Quais são, neste momento, os grandes desafios de reabrir um restaurante em contexto pós-Covid-19 num lugar com uma gastronomia tão diferente como a de Portugal?
Acho que conquistámos o nosso lugar com o Chiado. Tínhamos um público fiel e, igualmente, tínhamos bastante afluência. Nesta primeira fase, é recuperar esse público que nós tínhamos e vamos estar muito mais expostos devido ao The Londoner, porque é uma marca que vai trazer mais exposição do que aquela que tínhamos quando estávamos ligados ao Holiday Inn. O valor da nossa localização cresceu exponencialmente e a questão localização era algo que nos lesava no passado. E agora, também iremos ganhar, certamente, um público que não tínhamos antes. Tudo indica que temos os ingredientes para voltarmos a ser bem-sucedidos. Tenho a certeza que nos vamos destacar. O próprio Governo pretende que haja uma diversificação no turismo que passe não só pelo jogo, mas também pela gastronomia, por exemplo.
Macau é conhecido pela sua rica herança cultural e influências gastronómicas diversas. Como é que pode explorar esta diversidade?
Acho que vamos incorporando essas influências no menu, estando cá. Sempre que venho cá aprendo coisas. Conheço novos produtos que nunca utilizei. Algumas coisas na cozinha macaense que julgo fazer sentido explorar numa óptica de cozinha portuguesa. O menu será sempre um menu evolutivo dentro daquilo que é a própria identidade de Macau. Temos que ter sempre um pouco dessa consciência quando trabalhamos com o mercado local e porque também não quero que o Chiado seja só um restaurante de cozinha portuguesa onde vem tudo de Portugal para cá. Não faço isso em Londres, nem em Amesterdão, por isso também não farei aqui.
Além do restaurante de Macau, tem algum projecto futuro em mente?
Tenho uma possibilidade, mas enquanto não tiver fechado não vale a pena falar disso. Recentemente, tive um projecto no Médio Oriente, no Cairo, onde fiz uma consultoria, não com a minha assinatura, mas onde fui o mentor do projecto em termos da criação do projecto, contratar o chef português, elaboração da carta, das fichas técnicas, da formação. É algo que, hoje em dia, dedico uma grande parte da minha carreira, ou seja, dedico-me a projectos de consultadoria e parcerias que acho que façam sentido para evoluir, não só, a minha marca, mas também a presença da cozinha portuguesa no patamar internacional, que acho ser importante.
Como é que vê a importância da sustentabilidade na gastronomia hoje em dia? Existe algum esforço específico que esteja a fazer?
A palavra sustentabilidade tornou-se insustentável. Vejo muitas pessoas a falar muita coisa. Qualquer pessoa que tenha consciência de para onde o mundo caminha, sabe o que se está a passar. Qualquer pessoa consciente entende que o mundo é completamente diferente de há 10 ou 20 anos. Claro que reciclo, claro que tento comprar produtos que sejam próximos. Claro que prefiro comprar um tomate aqui do que o comprar na Holanda. Só se não encontrar um tomate de qualidade aqui é que posso então pensar em trazê-lo de fora. Tenho o compromisso de tentar que a carta tenha produtos de proximidade. Penso que são coisas que qualquer chef faz naturalmente hoje em dia e, na minha opinião, nem sequer temos de andar a promover isso. Temos a obrigação, enquanto profissionais de cozinha, de fazer isso, sem ter que promover isso. Há outras questões, hoje em dia, como a sustentabilidade das equipas que ninguém fala, mas que é muito importante. Como é que nos conseguimos ter as pessoas a trabalhar connosco? Como é que conseguimos motivar as pessoas que trabalham connosco? Houve um abandono grande nesta área e as pessoas não querem voltar a trabalhar nesta área.
Luís Américo, Fausto Airoldi, Henrique Sá Pessoa, José Avillez. Pensa que a aposta em Macau por parte dos melhores executantes portugueses terá continuidade para outros chefs?
Não tenho dúvidas. Aliás, o facto de termos cá esses chefs e, obviamente, com projectos que fazem a diferença. Neste momento, Portugal é um destino muito procurado e o interesse das cadeias hoteleiras é grande. Para além disso, a percepção da marca Portugal, e muito por culpa do Cristiano Ronaldo – e quando falo em Ronaldos falo dos chefs que são Ronaldos – é grande. O clima, os produtos, a gastronomia. Vejo o interesse de todo o mundo em Portugal. Claramente, vamos ter mais chefs portugueses espalhados por Macau e por esse mundo fora.
Procura, em Macau, mais uma estrela Michelin para o seu currículo?
Não vou esconder que gostaria que isso pudesse acontecer. Não é o nosso objectivo principal, até porque acho que isso é uma coisa que não depende só de mim, mas acho que a Sands está a criar condições para que isso aconteça, não só no Chiado, como em diversos outros projectos. Esta nova direcção está mais focada na qualidade e não na quantidade. Entenderam igualmente que, para além do jogo, é importante ter entretenimento e a gastronomia é uma parte importante disso. Não sendo uma prioridade ou uma obrigação, acho que é algo que todos nós ficaríamos felizes se acontecesse no futuro.
Como é estar aqui e poder ombrear com marcas conceituadas como Joël Robuchon, já falecido, Alain Ducasse, entre outros? Gordon Ramsay está prestes a chegar aqui para o The Londoner e outros nomes virão com toda a certeza. Macau tem 15 restaurantes com estrelas Michelin e diversas distinções “Bib Gourmand”.
Para mim é um orgulho. Ser um português no meio de marcas e de chefs de renome só me dá uma exposição maior. Não podemos ser excessivamente humildes, porque a humildade nunca pode ser em excesso, mas acho que, por vezes, temos medo e não acreditamos em nós como marca. Viajo, hoje em dia, como alguma vez viajei e sinto que temos muita qualidade naquilo que fazemos. Temos excelentes profissionais e não ficamos atrás de França, Espanha ou Itália. Temos é que conseguir que a nossa marca e que a nossa chancela Portugal seja cada vez mais vista como deve ser, o que ainda não acontece, mas para lá caminhamos.
O chef Fausto Airoldi, que viveu em Macau por mais de 10 anos, revelou recentemente, em entrevista, que “a gastronomia de Macau é uma das primeiras cozinhas de fusão do mundo” e que “a modernização vai chegar às cozinhas macaenses muito em breve, respeitando a tradição” para combater uma certa estagnação que ele considera haver na gastronomia macaense. Ele fala em boa cozinha macaense, mas “mal apresentada, menos profissional”. Do que conhece da realidade local, concorda?
Concordo na totalidade. Acho que a cozinha macaense, pela sua herança histórica e pela fusão de várias cozinhas, tem um potencial enorme em termos de sabor. É uma cozinha que podia, em termos de curiosidade, suscitar muito mais do que aquela que suscita porque, realmente, ainda não deu o salto. Não vemos chefs da nova geração a fazer cozinha macaensenuma óptica mais moderna, mas renovada, que é uma coisa que está a acontecer em Portugal nos últimos 15 a 20 anos. Há uma certa confusão entre as pessoas acharem que os novos chefs desrespeitam a cozinha tradicional. Muito pelo contrário. Nós só conseguimos fazer a nossa cozinha através da cozinha tradicional. Tal como o Fausto disse, há um grande potencial em termos de base para se poder passar para um próximo patamar.
Falamos aqui de apresentação da cozinha. Agora uma pequena provocação. É consumidor de restaurantes tipo tasca ou os chamados enfarta-brutos?
Então não vou? Aliás, recentemente dei uma entrevista à NIT (New In Town) onde fui massacrado porque eles puseram o título da peça “reduzir a gastronomia portuguesa ao prato cheio da tasca é limitado”. Achei piada porque aquilo foi publicado no Facebook e tive mais de 700 comentários onde 500, que leram só título, eram pessoas mais velhas a criticarem “pois, vocês querem é o prato com a coisinha pequenina” ou “vocês fazem cozinha de um valor estúpido e eu quero é comer como deve ser”. As pessoas não perceberam nada do que disse. Não quero que as tascas acabem, muito pelo contrário. Não quero é que Portugal seja conhecido só por tascas. Não podemos aceitar que a nossa cozinha fique reduzida a um segmento que é o de prato cheio e enfarta-brutos. Quando quero ir a uma tasca, não quero que me tragam os feijõezinhos empratados. Não quero uma desconstrução da feijoada, muito pelo contrário, quero mesmo comer uma feijoada num tacho e quero encher o bandulho, por assim dizer. Mas não quero isso todos os dias. Isto é quase como dizerem: vocês agora só podem ouvir música rock para o resto da vida. Ou música pimba. Mas a mim apetecia-me ouvir música clássica, uma ópera. Em termos culturais é melhor para um país ter uma música onde cabem todos os géneros ou apenas ter um desses géneros? O mesmo se passa com a gastronomia. As pessoas questionam: para que é que nós queremos restaurantes estrela Michelin em Portugal? Mas depois esquecem-se que há pessoas que só vêm a Portugal de propósito para irem ao Alma. Essas pessoas que vêm ao Alma marcam uma viagem, marcam um hotel e, muito provavelmente, para além do meu restaurante, hão de ir a uma tasca, hão de ir a uma loja de produtos portugueses para levarem uma lembrança, hão de ir comer um pastel de nata, hão de ir beber uma bica. Ou seja, o restaurante gastronómico tem depois toda uma influência à volta dele, indirecta, que contribui exactamente para aquilo que as pessoas criticam. Repare que não considero que o Alma faça um trabalho mais válido do que a tasca que faz rojões ou filetes e pescada com arroz de tomate. O que faço é um trabalho diferente.
É apreciador da cozinha asiática?
Muito, sim. Desde que cheguei, só tenho comido ‘dim-sum’ e coisas do género. Gosto de toda a cozinha asiática, mas em Macau, praticamente, só como comida chinesa e é tão variada. Temos a comida de Sichuan, de Cantão, de Pequim, e por aí fora. As pessoas em Portugal acham que a comida chinesa é ‘chop suey’ e coisas que levam molho de soja e sementes de sésamo. Claro que, ao longo dos anos, desde que venho a Macau e Hong Kong que tenho a noção que a cozinha chinesa é uma cozinha complexa, talvez das mais complexas do mundo. Para além de achar que o paladar da cozinha chinesa se adapta bem à cozinha portuguesa. A utilização do alho, por exemplo. Ainda por estes dias estava a falar com um chinês que trabalha no Chiado que me disse que se abríssemos um restaurante de cozinha portuguesa na China, naquela zona de onde era originário, seria um sucesso.
A pandemia de Covid-19 teve um impacto significativo na indústria da restauração em todo o mundo. Como é que enfrentou os desafios trazidos por esse período de quase três anos e como é que a reabertura agora se encaixa nesse contexto?
Tenho a sorte de ter um sócio que tem algum jogo de cintura. Obviamente que houve apoios do Governo. Foi uma fase assustadora porque não sabíamos exactamente quanto tempo é que isto iria durar e o que poderia acontecer. Quando fiz a primeira reabertura do Alma e dos meus projectos, fiquei tranquilizado porque senti logo por parte das pessoas uma procura imediata, sabendo, obviamente, que as coisas eram diferentes, mas, pelo menos, em relação ao ‘fine dinining’, que era uma coisa que tínhamos em dúvida, que pudesse desaparecer. Muitos chefs questionaram: “será que o ‘fine dinning’ faz sentido?”. Obviamente que vai continuar e nunca irá desaparecer. O que pode acontecer é que se pode ir ajustando e mudando ao longo dos anos. Para mim, foi uma forma de pensarmos naquilo que podíamos fazer. No meu caso em particular virei-me muito para as redes sociais, porque sabia que tinha um público com quem podia comunicar virtualmente. Sinceramente, em termos financeiros, durante esses dois anos, consegui crescer quase 300% naquilo que eram os meus trabalhos virtuais. Consegui consultadorias neste período. Montei um restaurante em Londres virtualmente. Claro que depois tivemos que passar à fase prática das coisas. Tivemos tempo para parar. Parar para pensar e pensarmos noutros moldes de negócio que não aqueles que eram os óbvios até então. Para mim a pandemia, não vou dizer que foi uma coisa boa, porque acho que ninguém quis passar por aquilo que passámos e que podemos voltar a passar no futuro, mas, pelo menos, deu-me esta tranquilidade de saber que mesmo numa situação de sufoco e alguma incerteza, a criatividade pode e deve ser maior.
Como é que vê o papel da gastronomia na recuperação pós-Covid-19 em destinos turísticos como Macau?
Penso que, agora, Macau já não está interessado em trazer apenas o mercado chinês. Macau quer, para além do jogo, à semelhança de Las Vegas, que as pessoas vejam pelo próprio turismo, pela história, pela gastronomia e por outras atracções que vão ser criadas para que Macau não seja só vir cá jogar e ir embora. Vejo, no pós-pandemia, tanto o Governo como as unidades hoteleiras a apostarem numa óptica de maior entretenimento que seja mais que casino.
Macau foi escolhido pela UNESCO como uma das cidades criativas em gastronomia. Acredita que essa nomeação pode beneficiar o seu estabelecimento de alguma forma?
Acho que vai beneficiar o meu e os de todos. No caso da gastronomia portuguesa, vai ocorrer um benefício adicional porque estamos cá há muitos anos. Se me disserem se um restaurante italiano ou francês vai beneficiar com isso, direi que tenho dúvidas que beneficie tanto ou mais que um restaurante português. Nós, até pela nossa própria história e pela nossa presença cá, se falarmos com alguém que visite Macau, muito provavelmente vai querer provar comida portuguesa do que francesa ou italiana. É como, por exemplo, quando vamos ao Luxemburgo, há uma probabilidade maior de encontrarmos gastronomia portuguesa. É inevitável que a portugalidade não seja imposta a quem visita.
Já que falou dos restaurantes portugueses, pergunto-lhe o que é que conhece dessa realidade em Macau?
Conheço Martinho [Moniz], conheço o André [Lai] que está com o Avillez. Obviamente que também conheço a velha guarda: o Santos, o António, o Fernando, e por aí fora. Corri todos esses restaurantes há cinco anos, mas desconheço a situação deles no pós-pandemia. Sinto que há uma cozinha portuguesa que é aquilo a que chamo uma cozinha de memória, uma cozinha de emigrantes que viram há muitos anos e que, na maioria, nem sequer são chefs de cozinha, são sim autodidactas que montaram negócios familiares e se estabeleceram por cá. Agora, a falar de outra vaga de chefs portugueses que chegam a Macau depois de estarem estabelecidos em Portugal. São chefs que chegaram com uma óptica de cozinha diferentes daquela que existia. E é bom que haja os dois conceitos em Macau. Não podemos estar à espera que o Fernando ou o António confeccionem o mesmo bacalhau à Brás que se faz em Portugal. São conceitos diferentes. Não é que seja melhor ou pior. É o mesmo que se passa com os pastéis de nata que aqui nada têm a ver com o que se come lá.
Quem são os seus gurus culinários?
Tenho vários. Um chef que sempre admirei muito é o Gordon Ramsay. Outro é o Marco Pierre White, que era o mentor do Gordon Ramsay. Acabo por admirar chefs dos países onde fui exercendo o meu trabalho. Na Austrália gosto muito do Peter Gilmore. Em Espanha, gosto dos irmãos Roca [Joan, Josep and Jordi], Quique Dacosta, Ricard Camarena. Em Portugal, considero o pai da gastronomia moderna o Vítor Sobral. O Rui Paula é um dos meus melhores amigos. O Ricardo Costa, o José Avillez. Enfim, todos estes chefs já são da minha geração e são meus amigos e, portanto, tenho admiração por eles, não só pela parte profissional, como também pela parte pessoal. A próxima geração com o Vasco Coelho Santos, o Rui Silvestre, o Louis Anjos, Vítor Adão, Pedro Pena Bastos, etc. Ou seja, a nova geração já está a voar muito alto. Aliás, estamos a falar de três gerações de chefs portugueses que voam muito alto. Acho sempre estúpido falarmos das estrelas Michelin como medida de sucesso, mas se formos a ver Portugal, nos últimos cinco anos, o que nós acumulámos versus os últimos trinta anos, dá para ver muito bem.
Como é que vê aquela geração da Maria de Lourdes Modesto, da Filipa Vacondeus, do Michel da Costa, do Manuel Luís Goucha, entre outros?
Foram importantíssimos para abrir o caminho ara os chefs que vieram a seguir. Repare, não haveria um Vítor Sobral sem Maria de Lourdes Modesto. Não haveria Henrique Sá Pessoa se não houvesse Vítor Sobral. Não haveria Vasco Coelho Santos se não houvesse Henrique Sá Pessoa. Ou seja, acho que, independentemente dos estilos, independentemente da forma de cozinhar, independentemente da visão, independentemente do futuro, o que é importante é que já estamos a falar de três ou quatro gerações onde a qualidade, a vontade de evoluir, onde a portugalidade e a presença do produto português nos menus é cada vez maior. Olhando para o futuro da nossa gastronomia, estamos melhor do que alguma vez estivemos.
Que conselho daria aos jovens chefs que estão a começar as suas carreiras e desejam alcançar o sucesso que o Henrique já alcançou?
Não terem pressa. Dizendo isto numa frase: não são os 100 metros, isto é uma maratona. Acho que a nova geração – e isso vejo pela minha filha – quer que tudo aconteça muita rápido. Estão habituados à esquerda e direita. Às coisas aparecerem. Acho que, por vezes, nessa gestão há chefs que desgastam em demasiado. Até tu teres um estilo só teu, até tu seguires o teu caminho, precisas de tempo. Aconselho sempre as pessoas a viajarem. O viajar, não só permite o contacto com outras gastronomias, como te permite ter contactos com outras pessoas, outras experiências. Acima de tudo, saber escolher bem os sítios onde querem trabalhar. Portugal, hoje, já permite que possam escolher tantos sítios se querem seguir a carreira no país. E de Norte a Sul. Não precisam ficar apenas em Lisboa ou Porto, que neste momento tem tantas estrelas Michelin quanto Lisboa, mas Bragança, Guimarães, Viseu, entre muitos outros lugares.