O que trará o futuro a Macau e ao seu horizonte? A resposta pode estar na tecnologia, na inteligência artificial e na forma como o arquitecto do futuro vai olhar a cidade. Vários arquitectos de Macau aventam como poderá ser o espaço urbano da cidade do futuro e para onde caminha a profissão.
O que faz falta à cidade em termos urbanísticos? Como é que a tecnologia pode dar à cidade aquilo de que ela precisa? E como é que a arquitectura do futuro vai mudar? Foram estas as perguntas colocadas pelo PONTO FINAL aos arquitectos locais que participam no projecto “A Cidade Que Podia Ter Sido”.
À primeira pergunta, Tiago Saldanha Quadros responde que “um dos principais desafios que se colocam aos arquitectos em Macau é o de descobrir formas inteligentes e inovadoras de construir com densidade procurando, ao mesmo tempo, uma determinada qualidade de vida para os habitantes“. O arquitecto foca-se na densidade populacional e assinala que a sociedade de Macau funciona num “espaço muito partilhado”. Por isso, “é fundamental que em Macau se pense e discuta o espaço público”. “Macau é um território onde seria possível andar a pé ou de bicicleta mas, de uma forma quase generalizada, as pessoas preferem continuar a utilizar o automóvel. Eventualmente, chegar-se-á a um ponto de saturação”, aponta Saldanha Quadros.
A tendência do uso do automóvel poderia ser invertida, na opinião do arquitecto, através da implementação de políticas de regulação do trânsito automóvel e uma rede de transportes integrada e qualificada. Por fim, refere que “é muito importante que o debate sobre a forma como a cidade se quer relacionar com a água, com a sua orla marítima, continue”.
Mário Duque diz que, depois do Plano Director – aprovado em Janeiro do ano passado – falta agora definir estratégias precisas para as periferias e zonas a desenvolver em Macau, através dos Planos de Pormenor. “Nesses Planos de Pormenor é essencial identificar e compreender quais são os tecidos homogéneos, definir perímetros, características e tipos, para que as medidas a adoptar possam ser mais eficientes, melhor suportadas e mais ajustadas. Ou seja, definir sistemas de gestão, que passam necessariamente pelo conhecimento relevante dos objectos de gestão”, comenta.
À pergunta sobre o que faz mais falta à cidade, o arquitecto Lourenço Vicente começa por responder que “a demolição dos maus exemplos seria um dos grandes projectos necessários”. Além disso, o filho daquele que ficou conhecido como o “arquitecto de Macau“, Manuel Vicente, diz que o sistema de transportes “é um dos grandes melhoramentos de que a cidade precisa”. Porém, “isso não implica necessariamente transformações do tecido urbano”. Por fim, Lourenço Vicente aponta também que há que dar “habitação mais humanizada” à população local.
Já João Palla Martins lamenta que “todo o conceito de cidade criativa precipite um conjunto de esperanças e possibilidades que tardam em acontecer”, dando o exemplo de Hong Kong, que, já sob o signo da pandemia, inaugurou o museu M+. “O mercado da arte, do design, da música, da dança, do cinema ou da criatividade em geral, são sectores que não estão desenvolvidos em Macau, em parte porque não existem escolas ou universidades que formem pessoas e pensamento crítico“, observa.
Jimmy Wardhana deixa elogios ao Governo, dizendo que as autoridades têm feito “um óptimo trabalho” na implementação de um plano abrangente e de uma estratégia urbana em Macau. Sugere, no entanto, que se desenvolvam novas áreas comerciais noutros pontos da cidade, de forma a aliviar a pressão nas zonas históricas da cidade, que, na sua opinião, devem “dar prioridade à inspiração cultural e reflectir o lado cultural de Macau”.
Adalberto Tenreiro, por sua vez, sugere a aquisição de edifícios antigos por parte do Governo para que depois sejamrequalificados e alberguem polos de museus ou creches, por exemplo. Isto faria, na sua opinião, com que “mais pedaços cuidados de arquitectura venham a estar espalhados por Macau, Taipa e Coloane, para deleite dos locais e dos turistas”.
TECNOLOGIA, CIDADE INTELIGENTE E A MACAU DO FUTURO
“A minha visão de cidade do futuro é aquela que é projectada por arquitectos que entendem a cultura de Macau e dão prioridade às necessidades das pessoas”. A frase é de Wardhana, co-fundador da JWCC Architecture, que propõe a conversão de algumas das ruas e estradas das áreas históricas de Macau em zonas pedestres: “Isso não apenas incentivará uma cidade mais verde e caminhável, como também criará capacidade para acomodar o elevado número de turistas que recebemos todos os dias”. Uma Macau com menos carros e motas nos centros históricos seria uma “Macau Cidade Inteligente 1.0”, considera. Depois da implementação destas estratégias, poder-se-ia avançar para a implementação da tecnologia na cidade, naquela que seria uma “Macau Cidade Inteligente 2.0”.
Lourenço Vicente também fala da densidade populacional de Macau, dizendo ansiar por “uma cidade de futuro com mais qualidade urbana e arquitectónica e menos densidade”. Sobre a aplicação da tecnologia, atira: “Se isso tem sido explorado, não se deu por isso”.
Na opinião de Tiago Saldanha Quadros, “mais do que perceber em que medida é que determinadas metodologias ou tecnologias estão já a ser disponibilizadas e aplicadas em Macau, é importante pensar o lugar da arquitectura na cidade do futuro, no futuro de Macau e da China”. Portanto, Saldanha Quadros defende que “é fundamental que os arquitectos, assim como os antropólogos, sociólogos, filósofos e outros intervenientes, sejam capazes de analisar e interpretar criticamente o momento presente”, de forma a que a arquitectura acompanhe o rumo e “seja também o resultado de uma consciência mais cívica e social”. “No centro da cidade do futuro terão necessariamente de estar fortes preocupações ambientais”, sublinha o arquitecto.
Tal como Jimmy Wardhana, Mário Duque também destaca a mobilidade na cidade, sublinhando a importância da construção de infraestruturas que conferem aos transportes ligações mais cómodas e contínuas. A construção deste tipo de infraestruturas de maior dimensão muitas vezes não encontra o espaço adequado em Macau, assinala, acrescentando que a situação obriga a que a delimitação dos domínios públicos e privados não seja tão exclusiva em zonas mais consolidadas. No âmbito da mobilidade dentro da cidade, Duque propõe um aperfeiçoamento da situação das colinas “com escadas rolantes nas direcções predominantemente acedidas a pé”, como acontece junto ao Centro Hospitalar Conde de São Januário. “Na cidade antiga, mais do que as distâncias, é o relevo, os circuitos pedonais serem os mesmos que os dos carros, e a exiguidade dos passeios, as razões por que não há apetência para andar a pé”, aponta.
Neste âmbito da cidade inteligente, João Palla Martins começa por assinalar que “o Governo tem feito um grande esforço” para reinventar “sistemas de monitorização do trânsito em tempo real, da qualidade do ar, da gestão de recursos ou até de mobilidade urbana”. Todavia, “uma cidade inteligente não é aquela que se baseia somente em aplicações digitais e sistemas de informação”, mas sim “a que oferece uma percepção clara de leitura da sua estrutura e identidade a quem a percorre”. Notando que Macau “sempre foi inteligível”, Palla Martins diz que “o que falta são mais intervenções cirúrgicas que façam a diferença como a pedonalização de ruas, introdução de zonas 30 km/h, de ciclovias e ligações entre áreas aparentemente distantes”.
Thomas Daniell, arquitecto e actualmente professor no departamento de Arquitectura e Engenharia Arquitectónica da Universidade de Quioto, no Japão, considera que em Macau já se vislumbra uma forma de cidade inteligente: “Para o bem e para o mal, os casinos e os resorts integrados são mini-cidades fantasticamente eficientes e sofisticadas, impregnadas de tecnologia inteligente para observar e ajudar os clientes – e apanhar burlões -, bem como para garantir que o desperdício de energia é minimizado e que há sempre mantimentos disponíveis para as suas inúmeras operações”. Daniell, que passou pela Universidade de São José, em Macau, entre 2011 e 2018, diz que, se esses recursos forem bem utilizados, “poderão transformar Macau num laboratório e num exemplo do mais avançado urbanismo tecnológico para benefício de todos os seus cidadãos”.
A INFLUÊNCIA DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NOS ARQUITECTOS DO FUTURO
Olhando para o futuro, como será a arquitectura, dados os avanços da inteligência artificial? Lourenço Vicente responde:“Visto que a inteligência artificial se baseia na aprendizagem de exemplos, e havendo um critério de só usar bons exemplos, não irá substituir a criatividade humana, mas pode ajudar a acabar com a mediocridade na arquitectura”.
Mário Duque começa por assinalar que a inteligência artificial se instalou na arquitectura e na engenharia principalmente na produção e coordenação da documentação, como desenhos, cálculos ou peças escritas. No design industrial e arquitectónico, é uma ferramenta que permite gerar, testar e controlar formas geométricas, tanto simples como de elevada complexidade. “Pode dizer-se que hoje é fácil ter a gratificação de um desenho de elevada complexidade geométrica, mesmo em situações em que nem sequer é necessário”, aponta. Contudo, para o arquitecto, o maior passo da inteligência artificial será no design paramétrico e no cruzamento da geometria arquitectónica e urbanística com outros processos: “Exemplo disso é a definição da dimensão, do material e da cor das superfícies, numa determinada orientação solar, para que, por convecção e por si, as cidades mais compactas possam gerar a sua própria ventilação”. Processos estes que “podem ser colocados ao serviço de estratégias de sustentabilidade ambiental, conforto e saúde pública”.
Jimmy Wardhana acredita que a inteligência artificial poderá ajudar a compreender melhor as cidades, como estão a ser usadas e como poderão ser usadas no futuro. “Acredito que os arquitectos possam usar essa tecnologia para ajudar a criar uma situação vantajosa para todos que realize a visão da “Macau Cidade Inteligente 1.0″.
Na opinião de João Palla Martins, a inteligência artificial já está a mudar a arquitectura, “quase invisivelmente, sem nos apercebermos”: “Não só no processo de projecto do arquitecto, como no desenvolvimento e fabricação de novos materiais para a construção”. Em ambas as situações, “o arquitecto procura flexibilidade, combinações de materiais e soluções construtivas”. Agora “já existem softwares para isso, e o que a inteligência artificial faz é arranjar um conjunto de soluções a partir de uma aprendizagem, isto é, de experiências ou modelos fornecidos pelo designer – depois, o algoritmo fornece várias alternativas”. Segundo Palla Martins, os processos criativos, de construção e de produção vão tornar-se mais rápidos. “Eu defendo que o processo criativo tem um tempo próprio de maturação e acelerar esse processo pode não ser benéfico para o resultado final. Ainda assim, penso que é uma ferramenta poderosa sobretudo na fase de produção”, conclui.