O PONTO FINAL conversou com o mentor do projecto Ivo 10, uma escola de futebol que nos últimos anos tem ligado Macau, na China, a Teutônia, no Brasil. Olívio da Rosa, conhecido no mundo do futebol por Ivo, confidenciou ao nosso jornal que Portugal está na equação da academia de futebol e pretende, no médio a longo prazo, também se instalar por lá. Para já, o jogador, que fez parte do plantel da célebre “Barcelusa” – a equipa da Portuguesa de Desportos, campeã da Séria B em 2011 – quer dar força ao intercâmbio entre a China e o Brasil. Lamentou o trágico acidente de aviação com a Chapecoense, até porque conhecia alguns dos malogrados jogadores, e admitiu que teria muito gosto em jogar, nem que fosse apenas um ano, em Macau.
Aos 36 anos, Ivo já não tem muitos sonhos para a sua carreira profissional. Ainda assim, pretende jogar mais um ou dois anos como profissional, se possível na China, para seguir uma carreira que foi interrompida pela pandemia de Covid-19. O brasileiro referiu ao nosso jornal que, para além da sua carreira, o foco neste momento segue com a escola de futebol que apadrinhou. Ajudar os jovens a crescer enquanto homens e atletas é o fio condutor da Ivo 10.
Quem é o palmitinhense Olívio da Rosa?
Sou uma pessoa muito simples. Quando era mais pequeno, criança, adolescente, não imaginava que seria um atleta profissional de futebol. Confesso que não carregava uma ambição para ser um atleta profissional e sempre cresci muito distante das oportunidades. Nasci numa cidade extremamente desconhecida, Palmitinho, que é a cidade dos meus familiares, dos meus pais. Depois, ainda com um ano de idade fui para Teutônia, também no Rio Grande do Sul, e aí havia, claramente, muito mais visibilidade para o futebol. Mais tarde, com 19 anos, joguei um amigável contra uma equipa profissional do Brasil, a Juventude de Caxias do Sul, que me convidou para fazer um teste de dois meses e, a partir desse momento, iniciei a minha carreira como profissional de futebol.Considero-me, até hoje, a mesma pessoa de antes e agradeço a Deus por todas as oportunidades que ele me ofereceu.
Orgulhoso em ser gaúcho?
Muito, muito. Gosto muito da região sul do meu país. Acho até que é das regiões mais férteis e bonitas do Brasil.
Como surgiu o diminutivo de Ivo? Foi no seio familiar ou foi no futebol?
Foi na família, porque eu tenho uma irmã que se chama Ivonete e um irmão que se chama Ivoneide. E todo o mundo me começou a chamar de Ivo. Até penso que pelo nome Olívio praticamente quase ninguém me conhece.
Já voltamos à sua carreira, mas agora vamos conversar sobre outro assunto. Como surgiu este projecto Ivo 10?
Este projecto nasceu durante a primeira vez que vim a Macau. Vi o William (Gomes) a trabalhar com crianças e achei aquilo muito bom. Como o Brasil mantém uma boa formação no futebol e o trabalho em Macau com as crianças estava a ser muito sério, acabei por apostar e criar a Ivo 10. No início também surgiu como uma gratidão por tudo o que o futebol da Ásia me deu. Foram dois anos na Coreia do Sul e sete anos aqui na China, sempre ao mais alto nível. Este é um projecto para o futuro. Chegou num momento em que surgiu a pandemia de Covid-19, numa altura em que muita coisa fechou, mas nós abrimos com o pendor forte de fazer o intercâmbio de atletas da Ásia para o Brasil. Esse sempre foi o grande propósito. Começámos em Macau, mas já estamos com ideias de o levar para dentro da China, no sentido de ampliar o nosso projecto. Quero mesmo que sejamos uma marca forte nessa transição de atletas da Ásia e, em particular, da China para o Brasil e do Brasil para cá.
Para além do que me disse, gostaria de aprofundar um pouco mais. Porquê Macau e não Hong Kong, Taiwan ou até mesmo Henan, onde esteve radicado nos últimos anos?
Macau porque para você fazer trabalhos como este você precisa ter pessoas de confiança e como o William estava por aqui e já conhecia o William, bem como outros brasileiros que estavam aqui, achei melhor começar por aqui, pois não conhecia muitas pessoas que façam esse trabalho com crianças. O primeiro plano, na verdade, era colocar a escola sediada em Henan, mas quando começou a pandemia não ficou viável começar por lá e agarrámos a oportunidade em Macau. Hoje digo que não há lugar melhor para termos iniciado o projecto. Penso que Macau é um lugar que, apesar de pequeno, tem potencial para que o futebol possa crescer. Na China somos apenas mais uma escolinha, e aqui podemos marcar diferença.
Então podemos dizer que é uma aposta ganha…
Sim, claro. Não temos qualquer arrependimento de termos começado o nosso projecto em Macau e o nosso intuito é também o de alavancar o futebol em Macau com a nossa academia. Quero que a Ivo 10 tenha uma grane influência no futebol de Macau.
O projecto começa agora a dar alguns frutos com jogadores chineses de Macau que estão a ser levados para o Brasil. Há também alguns jovens portugueses na calha para poderem ir para fora de Macau continuar a evoluir. O futuro apresenta-se risonho?
Realmente a minha vinda para China neste momento é para tornar mais forte esse elo entre o Brasil e a China. Vamos conversar com mais alguns atletas de Macau para lhes propor a possibilidade de participarem nesse intercâmbio. Alguns atletas portugueses e outros chineses já mostraram interesse. Temos também alguns contactos com clubes na China, principalmente naqueles onde joguei. Queremos muito firmar as bases do projecto, tanto no Brasil como na China, para termos cada vez mais segurança para fazer esse intercâmbio. O nosso intuito é dar um futuro promissor a estes jovens atletas que saem da China para o Brasil. A base do Ivo 10, em Teutônia, bem como a parceria que temos com o Novo de Mato Grosso vão ajudar nessa integração e nessa evolução. Há um mapeamento que vamos fazer com esses atletas. Não queremos apenas dar uma oportunidade ao atleta de ir ao Brasil e disputar uns quantos treinos e jogos. Não, essa não é a nossa filosofia. A nossa academia cria um planeamento de carreira em que o atleta fica dois anos na academia e se se destacar, o que é bem provável que aconteça, já está no caminho para se poder tornar atleta profissional no Novo de Mato Grosso. Não podemos esquecer que não trabalhamos para ter um número de jogadores a irem para o Brasil. Queremos fazer uma selecção de atletas que tenham potencial para evoluir.
Enviaram recentemente um defesa-central de Macau com 15 anos.
O Jeff passou por um processo de quatro meses connosco, mas voltou a Macau por causa de um problema relacionado com burocracias escolares. Não conseguimos alinhar essa questão com o colégio, mas já estamos a trabalhar nesse sentido para que próximos atletas que vão para o Brasil tenham acesso ao colégio, porque não queremos, nem é interessante, ter atletas que só joguem. Precisam estudar. Temos vindo a falar com o Jeff e com o seu pai, para que ele possa voltar ao Brasil o mais rápido possível. Ele saiu-se muito bem no tempo que esteve no Brasil, tendo até se destacado em alguns momentos. Acho que seria um desperdício não dar continuidade ao trabalho já desenvolvido.
Neste caminho entre Macau e Teutônia, cabe Portugal? Poderá haver algum tipo de parceria no futuro?
Já passou pela nossa cabeça abrir uma base da Ivo 10 em Portugal. Muitos portugueses vêm para Macau e as famílias depois mudam os seus planos e voltam para Portugal, pelo que seria importante ter alguma coisa por lá. Volto a repetir: o que nós queremos é ter um planeamento de carreira para os atletas. Para já, queremos fazer essa aliança forte Brasil-China para depois, quem sabe, ampliar um braço até Portugal, que é um país que temos em mira. Aliás, já temos atletas lá em Portugal, com 15 e 16 anos, que voltaram e foram colocados em equipas.
O Ivo começou a sua aventura no mundo do futebol na Juventus de Teutónia, depois foi sempre a subir passando pela Juventude, Palmeiras, Ponte Preta, mas foi na famosa equipa da Portuguesa de Desportos – a “Barcelusa” –, em 2011, que se afirmou e subiu à série A, tendo inclusive marcado o golo decisivo que deu o acesso. Foi para a Coreia do Sul, pelo meio voltou ao Brasil para defender as cores do Criciúma, mas depois foram sete anos seguidos na China. Está orgulhoso deste trajecto?
Muito. Muito, porque o que eu já vivi até hoje no mundo do futebol, a maioria dos atletas não consegue alcançar. No entanto, não tive tanta fama como outros jogadores brasileiros, mas posso dizer que tive muita honra de poder participar de coisas que poucos vão poder participar no futebol. Sinto-me muito feliz e honrado pela carreira que construí com a ajuda de Deus. Não podemos esquecer que o jogador também tem de fazer a sua parte e encontrar o seu mercado. Há atletas que não fluem. São muito bons, mas, por exemplo, não dão certo na Europa, mas depois ganham tudo na Ásia, fazendo uma carreira longa. Quando cheguei à Ásia, encontrei o meu mercado no futebol e isso é importante para todo o atleta.
Qual é que considera ser o ponto alto da sua carreira?
Desde 2015 quando cheguei à China e comecei a jogar no Henan Jianye. Foi um clube com o qual muito me identifiquei. Joguei muito e fui capitão por cinco anos. Pelo meio fui até Pequim jogar no Beijing Rehne para um projecto para ajudar a equipa a subir. Fui com quatro anos de contrato, mas apenas joguei ano e meio. Voltei ao Henan, onde estive até surgir a pandemia de Covid-19.
Sabemos que o Brasil tem milhares de jogadores com imensa qualidade. Durante a sua carreira houve alguma possibilidade de representar a canarinha, nem que fosse num treino ou num amigável?
Não. É muito difícil. O Brasil tem muitos atletas diferenciados e, na maioria dos casos, as escolhas recaem quase sempre em atletas que jogam na Europa. Muito poucosatletas que vieram para a Ásia tiveram oportunidade de jogar pela selecção brasileira. A verdade é que também comecei muito tarde, apenas com 19 anos, e não joguei nas bases, nunca fui mapeado.
O que é que sentiu quando viu o que aconteceu com a Chapecoense. O Ivo conhecia diversos jogadores que acabaram por perder a vida naquele fatídico acidente de aviação, com especial destaque para o Ananias e o Kempes, que foram seus colegas na Portuguesa “Barcelusa”.
Para mim foi um facto que marcou, não só os jogadores, mas toda uma Nação. Vou até mais longe e afirmo que o mundo parou com aquele desastre. Lamento. Aprendi algo muito interessante com o acidente. De certeza que aqueles jogadores e outros passageiros que estavam lá não eram piores nem melhores do que todos nós que ainda estamos vivos. Somos todos iguais. O que me ensinou foi que aquilo tudo, aquele lamento – e eu joguei com o Ananias, com o Kempes, com o Alan Ruschel, que sobreviveu. O jogador de futebol está constantemente a apanhar voos para ir jogar. Se você sair de um lugar e consegue chegar a outro lugar em segurança, você precisa agradecer muito a Deus. Porque as tragédias estão para acontecer tanto para o bom quanto para o mau. A bênção de você poder dar um beijo na sua esposa e nos seus filhos e depois voltar mais tarde para casa. Não existe coisa melhor que isso. Muitas famílias sofreram com aquilo. Muitos atletas não puderam voltar a abraçar as suas famílias. Para o futebol foi um impacto muito grande. Foram dias sombrios.
Falou com o Alan Ruschel depois disso?
Nós temos um grupo de Whatsapp. Fiquei surpreendido com o facto de ele ter continuado a jogar e dou-lhe os parabéns por isso. Conseguiu vencer. Eu não teria condições para continuar. Ficaria logo com a minha família, por isso o Alan merece todo o apoio e carinho, toda a força porque seguiu e venceu o trauma. Penso que o Alan está muito grato pela oportunidade que lhe foi dada.
No Henan jogou com dois jogadores portugueses, o Orlando Sá e o Ricardo Vaz Tê. Foi bom jogar com eles?
Tive mais contacto com o Ricardo e gostei muito de jogar com ele. Apesar de estar com um problema no joelho, se não fosse ele não teríamos conseguido livrar, porque naquela altura o Henan estava em dificuldades. E o Ricardo foi a peça fundamental, tendo marcado os golos necessários para vencer os jogos e assim permanecer no principal campeonato. Adorei ter jogado com o Ricardo.
Está com 36 anos. Está retirado dos relvados?
Ainda não dei como encerrada a minha carreira pois acredito que ainda posso jogar por mais um tempo ainda. Tenho uma boa condição física e optei por esperar um ano, não jogando, pois também estava a estabelecer outras coisas com a Ivo 10 no Brasil e esperei para as fronteiras da China se abrirem para regressar a esta zona do mundo. Dia 17 de Abril fecham a janelas de inscrições e estou a ver se recebo alguma proposta de algum clube chinês que me queira ter na equipa. A minha ideia é tentar jogar mais uma ou duas temporadas antes de encerrar.
Estaria disponível para jogar em Macau?
Olha, tudo é possível. Na verdade, não faço planos certos. Tudo depende do momento, da ocasião e dos propósitos. Mas um jogador igual ao Ivo jogaria em Macau, podem perguntar. Jogaria, sem problema algum, desde que tivesse um propósito e tenha um objectivo. Na verdade, até ficaria feliz de um dia poder jogar em Macau, nem que fosso apenas um ano, para sentir um pouco mais o futebol local e, quem sabe, de alguma forma ajudar a alavancar um pouco mais a liga de futebol do território.