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      Início Entrevista "Esperamos que a lei não prejudique as liberdades fundamentais"
      Thomas Gnocchi

      “Esperamos que a lei [de segurança nacional] não prejudique as liberdades fundamentais”

      Thomas Gnocchi, Embaixador da União Europeia para Hong Kong e Macau, esteve pela primeira vez na RAEM e, em entrevista ao PONTO FINAL, disse querer desenvolver as relações UE-Macau no campo económico. O chefe da delegação europeia tem como objectivo reforçar a presença europeia em Macau. Sobre a nova lei de segurança nacional que a RAEM deverá aprovar em breve, Thomas Gnocchi afirmou: "Esperamos que a lei não prejudique as liberdades fundamentais que devem estar garantidas em Macau". Gnocchi garantiu que estará atento à implementação da lei em Macau.

      Fotografia de Gonçalo Lobo Pinheiro

      Thomas Gnocchi, Embaixador da União Europeia para Hong Kong e Macau, passou ontem por Macau, naquela que foi a sua primeira visita à RAEM desde que assumiu o cargo, em Setembro de 2020. Gnocchi encontrou-se com o novo cônsul-geral de Portugal em Hong Kong e Macau e participou numa recepção no âmbito do 9.º aniversário da Câmara de Comércio Europeia em Macau. Um encontro com o Governo de Macau ficará para depois, já que o Chefe da delegação da União Europeia em Hong Kong e Macau promete um regresso em breve. O embaixador afirmou, em entrevista ao PONTO FINAL, que irá abordar junto do Governo a questão da exclusão dos candidatos democratas nas eleições de 2021. Sobre a revisão à lei de segurança nacional, que deverá ser aprovada em breve, Gnocchi garantiu que irá ficar atento à sua implementação. “Esperamos que a lei não prejudique as liberdades fundamentais que devem estar garantidas em Macau”, afirmou na entrevista. O embaixador indicou que agora é tempo de compensar os três anos de pandemia ao nível da cooperação e trocas entre a UE e Macau. Thomas Gnocchi disse querer ter uma presença europeia reforçada em Macau e destacou a cooperação económica de forma a permitir a diversificação da economia da região.

       

      Esta é a primeira vez que vem a Macau desde que assumiu o cargo de Embaixador da União Europeia em Hong Kong e Macau, em Setembro de 2020. Tem conseguido manter o diálogo com os responsáveis locais?

      Tentámos manter contactos regulares com o Governo, com a Câmara de Comércio Europeia em Macau, com o Consulado [Geral de Portugal em Hong Kong e Macau]. Mantivemos contactos regulares para tentar saber o que se passa aqui também. Isso é muito importante para nós, mas a pandemia e as restrições de viagem fizeram com que esses contactos não fossem tão regulares como nós desejávamos. É muito bom estar aqui, esta é a minha primeira vez em Macau.

       

      Já que é a primeira vez em Macau, quais são os planos para esta visita? Sabemos que se encontrou com o novo cônsul-geral de Portugal em Hong Kong e Macau, Alexandre Leitão. Que questões abordaram?

      Foi uma reunião introdutória. Enquanto único Consulado Geral de um país da UE em Macau, é importante manter contacto com o cônsul-geral português. Mantive contacto com o cônsul antecessor [Paulo Cunha Alves] de forma muito regular e essa era uma fonte de informação muito importante para nós. Estamos aqui para um evento da Câmara de Comércio Europeia em Macau [que se realizou na noite de ontem] a propósito do seu 9.º aniversário. Esta foi uma grande oportunidade para vir depois de as viagens se terem tornado possíveis outra vez.

       

      Além disso, pretende encontrar-se com autoridades do Governo de Macau?

      Eu abordei o Governo, mas desta vez não será possível. Voltarei muito em breve para me encontrar com o Governo.

       

      Há algum assunto em particular que queira abordar junto do Governo de Macau?

      Neste período em que, devido à pandemia, as visitas não eram possíveis, não conseguimos organizar reuniões da Comissão Mista UE-Macau. Esta, que era uma reunião regular, não acontece desde 2019. A maior questão é perceber como é que as trocas entre a UE e Macau podem ser retomadas. Estou aqui com o Chefe da secção de Comércio e Economia da delegação da União Europeia em Hong Kong e Macau [Walter Van Hattum] e vou voltar regularmente. Já estou a planear várias visitas, uma delas muito em breve para me encontrar com o Governo. Vou voltar de forma muito regular também com outros cônsules de países da UE que cobrem Macau a partir de Hong Kong e compensar os quase três anos em que estas visitas não aconteceram.

       

      Falou nas trocas entre Macau e a UE. Em que ponto está actualmente a cooperação entre Macau e a UE?

      A cooperação ocorre em diferentes níveis. A nível económico, a cooperação tem sido muito boa. Obviamente que podemos sempre fazer mais. A UE é o maior parceiro comercial de Macau. São 1,1 mil milhões de euros em termos de trocas entre a UE e Macau. É também um parceiro de investimento relativamente importante, com 1,8 mil milhões de euros de investimentos de Macau na UE e 1,4 mil milhões de investimento da UE em Macau. Acho que é importante, na esfera económica e de comércio, ver como é que podemos desenvolver mais as nossas relações.

       

      Em que âmbito é que a UE e Macau podem desenvolver mais as suas parcerias?

      Tomámos nota do desejo não só de Macau mas do Governo Central de promover a diversificação da economia. Para nós, esse é um objectivo importante. Nós acreditamos que as empresas e negócios europeus podem participar activamente nessa diversificação. Um tópico importante é relativo ao campo ambiental. É algo que acontece em todo o mundo. Para a UE, esta é uma grande prioridade. Temos uma iniciativa chamada Pacto Verde Europeu, que se foca na transição para uma economia neutra em carbono, e acho que tanto a China como Macau têm objectivos semelhantes. Se pudermos partilhar este objectivo isso seria muito bom, e é aí que as empresas europeias estão muito bem posicionadas para contribuir em termos de tecnologia verde. É aqui que adicionamos valor.

       

      Nesse âmbito, há algum projecto em específico em vista?

      Vamos organizar um evento em Hong Kong, com a Câmara de Comércio Europeia em Hong Kong, que tem como objectivo dar a conhecer os aspectos ambientais. Podemos fazer algo similar em Macau também. Há muito para discutir no que toca ao ambiente, que é uma área enorme. Os desafios são enormes, o financiamento necessário é enorme, mas a experiência das empresas europeias traz valor acrescentado e nós queremos promover isso.

       

      Quais são as principais preocupações dos cidadãos da UE que vivem em Macau e em Hong Kong?

      No que toca a Macau, cheguei há pouco e, tirando o cônsul geral, ainda não tive encontros com outros cidadãos europeus. Mas um dos tópicos que sobressai é a situação da Covid-19. As restrições pandémicas realmente foram uma grande preocupação para os cidadãos europeus em Hong Kong e muitos deles saíram do território. Segundo sei, muitos cidadãos europeus também deixaram Macau. De certa forma, a situação era mais rigorosa aqui e soube de casos em que, se as pessoas tivessem de abandonar a região, não poderiam voltar, por isso estiveram retidas aqui por um longo período de tempo. Estivemos em contacto com empresas e cidadãos europeus em Hong Kong para endereçar as suas preocupações ao Governo de Hong Kong. Eu escrevi várias vezes ao Governo de Macau para poder vir aqui, mas infelizmente não foi possível. Esta foi a principal preocupação.

       

      Acha que estes três anos, com várias restrições pandémicas, prejudicaram as relações entre Macau e a UE, quer a nível institucional quer empresarial?

      Não diria que as relações foram prejudicadas, mas houve uma interrupção inevitável. Agora é preciso compensar esse período em que as trocas não foram tão regulares e em que não foi possível ter reuniões e trocar ideias, etc. A interrupção não foi positiva, definitivamente. A última reunião da Comissão Mista UE-Macau aconteceu em 2019, por isso está na hora de reiniciar as discussões entre os dois lados.

       

      Em relação a Hong Kong aconteceu o mesmo?

      O nosso escritório é em Hong Kong, por isso conseguimos manter contactos, mas, devido à pandemia, não realizámos qualquer visita durante um período de dois anos e meio. Estamos agora a retomar as visitas. Para promover trocas, são necessárias visitas de alto nível de parte a parte. Isto está agora a recomeçar.

       

      Como é que vê os últimos três anos de pandemia e de fortes restrições impostas na China, e consequentemente em Macau e Hong Kong?

      Nós demos a conhecer as muitas preocupações que muitos cidadãos e empresas europeias manifestaram, quer no que toca às suas vidas quer nos negócios. Nós mostrámos que muitos expatriados europeus deixaram Hong Kong e Macau. Chamámos a atenção para estas preocupações. Também propusemos soluções, por exemplo, na área da aviação civil, em que tentámos propor soluções que considerámos adequadas e que ao mesmo tempo não causassem distúrbios à vida quotidiana. Ao longo deste período – que felizmente já passou – respeitámos sempre o objectivo das autoridades de preservar e proteger a saúde pública, isso foi claro.

       

      Macau e Hong Kong tornaram-se cidades menos atractivas para os cidadãos europeus?

      Vimos que houve algumas dificuldades. Houve muitos cidadãos que abandonaram Hong Kong e Macau e foi difícil recrutar pessoas, porque sabiam qual era a situação das duas regiões. Há necessidade de talentos em Hong Kong, há incentivos para que as pessoas regressem. Esperamos que este seja um lugar importante para cidadãos europeus. Em Hong Kong não é apenas no mundo empresarial. Em todas as áreas – academia, sociedade civil, restauração, hotelaria – há a presença de europeus. Este também é o caso de Macau, em que estão presentes em diferentes áreas. O nosso objectivo é ter aqui uma presença europeia cada vez mais importante.

       

      As restrições foram levantadas de forma generalizada em pouco tempo, o que, em Macau, provocou pressão nos serviços médicos e nos serviços funerários. Compreende que tenha sido assim?

      A China foi o último país a levantar as restrições de grande escala e, a certa altura, também eles tiveram de reabrir. Houve um custo económico alto provocado pelas restrições impostas. Há agora um grande alívio, tanto em Hong Kong como em Macau. Esperamos que as coisas possam voltar totalmente ao normal. Em Hong Kong ainda há a obrigatoriedade do uso de máscara, incluindo nos espaços exteriores, e acho que esse terá de ser o próximo passo [do levantamento de restrições].

      Tal como Hong Kong, Macau irá aprovar em breve uma nova lei de segurança nacional. Suscita-lhe alguma preocupação?

      Temos analisado a questão e vemos que a lei se tornou mais restritiva. Esperamos que seja implementada de forma a que não prejudique as liberdades fundamentais, que são garantidas pela Lei Básica. Esperamos que a lei não prejudique as liberdades fundamentais que devem estar garantidas em Macau.

       

      Acha que, por causa da lei, a população vai ter mais medo de criticar as autoridades? Vai aumentar a auto-censura?

      Esperamos que não seja esse o efeito da lei e que não tenha outros efeitos além daqueles que têm a ver estritamente com a segurança nacional. Lidar com questões ligadas à segurança nacional é obviamente legítimo, mas isso não deve acontecer à custa das liberdades fundamentais.

       

      Na sua opinião, a liberdade de expressão e de imprensa não está em risco?

      Não sei dizer, nesta fase. Mas esperamos que não esteja. Vamos observar a implementação da lei de segurança nacional com muita atenção.

       

      Vários candidatos democratas às últimas eleições legislativas em Macau foram excluídos. É sinal de que a democracia em Macau está em vias de extinção?

      Quanto ao que aconteceu em Julho de 2021, a União Europeia foi muito clara na sua posição e disse que a decisão afectou o pluralismo político e a extensão do debate democrático, que deveria haver em Macau. Nós divulgámos um comunicado na altura.

       

      E depois o Governo de Macau veio contestar a posição da UE.

      Se olharmos para a Assembleia Legislativa, há uma menor pluralidade de vozes. Para nós, a pluralidade de opiniões é algo que a Lei Básica deve garantir. Por isso é que nós manifestámos as nossas preocupações em relação ao que aconteceu em Julho de 2021.

       

      É uma das preocupações que vai levar ao Governo de Macau em futuras reuniões?

      Vou falar sobre esta questão, sim.

       

      Como é que vê a implementação do princípio “Um País, Dois Sistemas” em Macau?

      O princípio “Um País, Dois Sistemas” é algo a que prestamos muita atenção. Queremos vê-lo ser mantido na íntegra e é por isso que, quando há incidentes como o que aconteceu em Julho de 2021, somos vocais e levantamos as nossas preocupações. Para nós, é importante que a Lei Básica seja respeitada e que o princípio “Um País, Dois Sistemas” continue a ser respeitado.

       

      Num artigo de opinião publicado em Maio do ano passado no PONTO FINAL afirmava que a União Europeia deve defender e preservar a democracia. Considera este um valor universal?

      Para nós, há vários valores universais, como os direitos humanos e as liberdades fundamentais, e a democracia faz parte disso. Mas não podemos dizer qual o tipo de democracia que deve ser adoptado em cada país. É um valor que defendemos e que tentamos promover por todo o mundo, mas os países de todo o mundo é que têm de dizer como é que vêem essa questão. Não nos cabe a nós impor isso. O que temos em Macau e em Hong Kong é uma Lei Básica que prevê certas liberdades fundamentais que devem ser respeitadas e que nós queremos ver honradas.