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      Início Opinião Zeitenwende Japonês

      Zeitenwende Japonês

      Se, a 27 de fevereiro 2022, meros dias após a invasão russa da Ucrânia, o mundo noticiou a “mudança de era” (Zeitenwende) anunciada pelo Chanceler Scholz no que respeita à política de defesa da Alemanha, uma mudança da mesma magnitude em Tóquio foi porventura menos reportada.

      O governo japonês aprovou há dias uma nova estratégia de segurança nacional, na qual consagrou a meta de duplicar o orçamento de defesa de 1% para 2% do PIB até 2027. O móbil por detrás desta drástica decisão é a perceção da deterioração da situação regional de segurança com a assertividade da China, o belicismo da Rússia, as provocações da Coreia do Norte, e a multiplicação de ameaças não-tradicionais na região do Indo-Pacífico.

      O plano de cinco anos, com um orçamento de 320 mil milhões de dólares, envolve a compra e desenvolvimento de armamento para um conflito em larga escala, outrora impensável, e catapultará o país para o 3.º lugar das despesas militares mundiais, depois dos EUA e da China. Será, assim, definitivamente abandonado o limite autoimposto de 1% do PIB que vigora desde 1976.

      O PM Kishida não escondeu o “ponto de viragem histórico” que o arquipélago enfrenta. Os documentos oficiais sublinham que “o desafio estratégico colocado pela China é o maior que o Japão alguma vez enfrentou no pós-guerra” e o governo receia que o precedente criado pela Rússia em fevereiro de 2022 encoraje a China a tentar a reunificação com Taiwan pela força. Como o Primeiro-Ministro nipónico afirmou, “A Ucrânia de hoje poderá ser a Ásia Oriental de amanhã”.

      A cooperação estreita com os EUA e as outras nações parceiras, onde se inserem a União Europeia, a Austrália e o Canadá – o “Ocidente” – manter-se-á como baluarte contra as ameaças à ordem internacional, mas a capacidade autónoma do Japão e a sua dissuasão – palavra-chave de toda a estratégia –, sairão seriamente reforçadas.

      Como em tanto da sociedade japonesa na última década, há um nome essencial a recordar neste Zeitenwende nipónico – Shinzo Abe. Foi o antigo PM que lançou a primeira estratégia de defesa nacional japonesa, em 2013. O mundo mudou desde então, mas a compreensão de que o Japão, 3.ª economia mundial, não poderia permanecer eternamente à mercê da defesa norte-americana e que deveria assumir uma estratégia compreensiva para responder a desafios globais é um dos seus maiores legados.

      A ordem pós-guerra, ameaçada por múltiplos desafios, adapta-se e procura uma resposta resiliente. A Alemanha e o Japão ultrapassam os seus tabus, após sete décadas de pacifismo; a UE e a NATO reforçam a sua cooperação; Portugal revê igualmente o seu Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Como já aqui vos escrevi, os tempos mudam e não são tempos fáceis.

       

      Vítor Sereno
      Diplomata