Após três anos de rígidas medidas antiepidémicas, o Governo decidiu levantar todas as restrições em poucas semanas. Isto provocou um surto de Covid-19 que se espalhou rapidamente pela região, colocando as unidades de saúde sob pressão e fazendo com que o número de óbitos crescesse exponencialmente.
Ontem, na Assembleia Legislativa (AL), José Pereira Coutinho abordou este processo de levantamento de restrições repentino e deixou muitas críticas às autoridades. O deputado começou por afirmar que, durante os três anos de restrições, as medidas impostas pelo Governo tiveram carácter “discriminatório, e errático, com respostas desadequadas, e despropositadas, que se reflectiram negativamente na economia e na saúde mental da população do território”. Por outro lado, a “abrupta e recente mudança da política Covid zero por parte do Governo de Macau, para um regime de abertura total, foi aplicada num curto espaço de tempo, sem que a população estivesse preparada para assumir a responsabilidade total pelo combate à pandemia e pela protecção da sua saúde e a dos seus familiares”.
Coutinho lembrou que no passado pediu ao Governo que concentrasse os esforços na preparação para a reabertura do território, contudo, a preparação parece ter sido escassa: “O que se verificou, foi uma profunda falta de preparação para a transição, com suspensão repentina, e radical, das restrições sanitárias impostas desde 2020, o que resultou numa propagação descontrolada, e acelerada, do vírus entre a população, desencadeando infecções que resultaram na afluência inusitada de uma grande quantidade de doentes aos hospitais, constrangendo significativamente os serviços de urgência, e resultando no aumento significativo do número de óbitos”.
No mês de Dezembro foram registadas mais de 600 mortes na região. A escala do aumento é visível em comparação com os números de 2021. No total, nesse ano registaram-se 2.320 óbitos, o que dá uma média de cerca de 193 por mês. Na totalidade do último trimestre de 2021, registaram-se 608 mortos. Os Serviços de Saúde não reconheceram que este aumento exponencial no número de mortes se deveu ao surto de Covid-19 após o levantamento das restrições.
Na sua intervenção antes da ordem do dia, o presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) elencou várias situações “demonstrativas da falta de preparação das autoridades”, que vão desde o “aumento dos índices de stress emocional, e de afectação psicológica, resultantes de a população ter de lidar com o processo de debelação da infecção”, à separação das mães dos seus bebés recém-nascidos, passando pelo processo “moroso e doloroso” do tratamento do processo de óbitos de familiares junto dos serviços funerários e pela “nítida falta de dados em relação ao número de infectados”.
“A transferência súbita do ónus da responsabilidade do combate à Covid-19 para os cidadãos revelou-se inadequada e precipitada, porque as pessoas viveram sob o receio deste flagelo, durante um período de três anos, mesmo que estivessem vivendo sob uma falsa sensação de segurança”, afirmou o deputado no hemiciclo.
Por fim, o parlamentar pediu ao Governo a atribuição de mais uma compensação pecuniária de forma a permitir que as famílias façam face às despesas com os serviços fúnebres dos familiares que morreram recentemente, na sequência do surto.
CHE SAI WANG PEDE QUE GOVERNO RETIRE ENSINAMENTOS DA “SITUAÇÃO CAÓTICA DA EPIDEMIA”
Che Sai Wang, também ele ligado à ATFPM, pediu que o Governo retirasse ensinamentos da “situação caótica” do recente surto em Macau. O deputado começou por falar na situação da escassez de medicamentos: “Os medicamentos, nas farmácias, contra a febre e o xarope para a tosse são difíceis de encontrar. Houve mesmo quem comprasse medicamentos em Macau para os vender no interior da China a preços elevados, mas, como a política de restrição foi implementada demasiado tarde, não conseguiu colmatar atempadamente o problema da dificuldade em adquirir medicamentos”.
“A epidemia, que aumentou bruscamente, teve um grande impacto no sistema de saúde, e os profissionais de saúde também foram infectados, o que resultou na insuficiência de pessoal e no aumento súbito da pressão de trabalho. Devido à rápida propagação do vírus, muitos profissionais de saúde infectados não tiveram tempo de descanso, mas continuaram firmes nos seus postos de trabalho mesmo com febre alta”, assinalou Che Sai Wang.
Apontando também para o aumento do número de mortes e a pressão nos serviços funerários e dos serviços de saúde, o deputado frisou que “esta ‘linha de vida e de morte’ está a enfrentar uma pressão e confusão inimagináveis”.
“O Governo da RAEM não preparou bem as medidas de liberalização do plano de contingência, pois se tivesse conseguido, com antecedência, definir planos claros de recursos humanos, apoio ao pessoal médico e de enfermagem afectado pela epidemia e políticas prospectivas e de contingência para enfrentar a corrida aos medicamentos, hoje em dia, as famílias que sofrem com o luto familiar seriam certamente muito menos do que actualmente”, criticou Che Sai Wang, concluindo: “Espero que o Governo aprenda com a dor, a experiência e as lições, e o pessoal médico e de enfermagem e os funcionários públicos que ainda lutam na linha da frente devem ser premiados e compensados; quanto às famílias em sofrimento, a fim de aliviarem as dores e o sofrimento devem optimizar, quanto antes, as orientações de prevenção epidémica para os cadáveres”.
SONG PEK KEI TAMBÉM PEDE MELHORIAS NOS PROCEDIMENTOS DOS SERVIÇOS FUNERÁRIOS
A deputada Song Pek Kei também abordou a situação provocada pelo surto e a pressão nos serviços funerários. “Nos últimos tempos, as casas mortuárias têm estado sobrecarregadas, com problemas de funcionamento e de impossibilidade de tratamento dos restos mortais. Tanto o sector como os residentes esperam que o Governo trate, quanto antes, destas situações especiais, para assegurar que o sector funerário volte a funcionar eficazmente”.
A parlamentar pediu que as autoridades aumentem provisoriamente as câmaras frigoríficas para guardar os restos mortais, de forma a que as pessoas tenham mais tempo para tratarem dos assuntos funerários dos seus familiares falecidos. Por outro lado, Song Pek Kei assinalou também que, com o aproximar do Ano Novo Chinês, “autoridades devem inteirar-se dos hábitos e costumes tradicionais dos familiares dos falecidos, para organizarem melhor a data do tratamento dos cadáveres, para as pessoas poderem tratar, de forma estável e ordenada, dos assuntos funerários dos seus familiares falecidos, e para que estes possam concluir a sua última viagem com dignidade”.
WU CHOU KIT DEIXOU ELOGIOS AOS TRABALHOS DO GOVERNO E DIZ QUE MACAU TRATA EPIDEMIA “DE FORMA CIENTÍFICA E PRECISA”
O deputado nomeado Wu Chou Kit, por sua vez, aproveitou a sua intervenção antes da ordem do dia para aplaudir os trabalhos do Governo ao longo dos últimos três anos: “O Governo da RAEM, em cumprimento das políticas nacionais de prevenção e controlo da epidemia, tem-se empenhado, ao longo destes três anos, na sua prevenção e controlo, protegendo eficazmente a vida e a saúde dos mais de 600 mil cidadãos de Macau, na fase mais feroz do vírus”.
“À medida que a política nacional de prevenção da epidemia muda, Macau insiste em tratar a epidemia de forma científica e precisa”, afirmou Wu Chou Kit no hemiciclo, declarando vitória sobre o vírus: “Acontece que a vitória final continua a ser nossa”.
Há uma semana, em resposta ao PONTO FINAL, o Gabinete da secretária para os Assuntos Sociais e Cultura considerou que os trabalhos preparatórios para o levantamento das restrições foram suficientes, apesar do aumento no número de mortes e na pressão provocada nas urgências e nos serviços funerários.