Em 1949, George Orwell publicava um livro que haveria de definir o século XX europeu. A sua capacidade de retratar o presente de então fez dele uma assinalável denúncia da opressão do regime soviético, mas 1984 sempre foi muito mais do que essa denúncia. Como o grande livro que era, e que é, o seu texto ergueu-se longe de simplismos maniqueístas e apresentou-se como reflexão sobre o mundo e as escolhas que fazemos sobre o modo de nele vivermos. Não espanta, por isso, que tenha sido sempre um livro capaz de antecipar tantos futuros, da novilíngua aos mecanismos de controle da informação, deixando sempre em aberto uns quantos mais que ainda não chegámos a viver. A edição que a Bertrand agora publica deste romance não é apenas mais uma a juntar às tantas que inundaram as livrarias assim que 1984 passou a estar em domínio público. Ilustrada por André Carrilho, da capa ao miolo, passando pelas guardas, esta é uma edição que junta ao texto orwelliano um outro texto, visual, que com ele dialoga intensamente, puxando esse diálogo para o presente que nos coube viver. Em entrevista ao Parágrafo, André Carrilho falou do seu fascínio por 1984 e do trabalho que dedicou a esta edição ilustrada, numa conversa que acabou por se estender ao estado do mundo, entre fakenews, caos climático e escolhas políticas que se fazem ou não se fazem, sempre com a sombra de Orwell a pairar.
Sem fugir tanto assim ao tema da autoridade de um Estado e do seu controle sobre os cidadãos, Medicina e Império em Goa – Do conhecimento das Plantas à Biopolítica Colonial é um volume coordenado por Cristiana Bastos, com edição da Imprensa de Ciências Sociais, juntando uma série de estudos académicos que revelam muito sobre a administração colonial portuguesa em Goa e o papel das autoridades sanitárias na execução das directrizes desta administração. Sobre ele nos debruçamos neste número, apreciando o rigor da escrita e a atenção a um passado que devíamos discutir mais.
Nesta que é a última edição de 2022, há ainda espaço para ler o novo romance de António Lobo Antunes e descobrir o romance que Patrick Deville escreveu a partir da vida de Alexander Yersin, o responsável pela erradicação da Peste Negra, já o século XX estava bem instalado. Até ao regresso do Parágrafo, em Fevereiro do próximo ano, há leituras que cheguem para não desperdiçar o tempo, sempre curto e a exigir corridas. É só uma mudança nas páginas do calendário, mas ainda assim, bom novo ano para quem nos lê.