Ao PONTO FINAL, quatro residentes de Macau, que tinham as malas arrumadas, falam como foi frustrante saberem que não puderam sair ao sétimo dia – mesmo tendo todos os testes negativos – por uma situação que lhes transcende. Agora têm de continuar em observação médica até ao próximo dia 20 de Agosto.
Diversos residentes de Macau, que deveriam ter saído da quarentena obrigatória no Hotel Tesouro na passada segunda-feira, terão de ficar, pelo menos, até ao próximo sábado, dia 20 de Agosto, em observação médica depois de um trabalhador sujeito à gestão de circuito fechado no hotel ter revelado resultado positivo à Covid-19 em teste de ácido nucleico.
O PONTO FINAL conversou com quatro desses residentes que se mostram muito desiludidos com a situação. Sofia Mota confessou que tem passado dias de “grande nervosismo”. A portuguesa estava com a expectativa de sair e, de um momento para o outro, tudo se desmoronou. “Estava à espera de sair. Todos os testes negativos, malas à porta. Foi uma grande desilusão”, começou por confidenciar.
E o aviso chega de chofre. “Cerca de quarenta minutos antes da hora de saída, telefonam-me para o quarto a informar que tinha de ficar, pelo menos, mais cinco dias, até dia 20. E mais não disseram”, contou, revelando que naquele momento “tudo pareceu não fazer qualquer sentido”.
Sofia Mota procurou respostas. Ligou para tudo e para todos, mas pouca informação ia recebendo. ‘Há casos no hotel’, responderam-lhe numa das chamadas. “E o que tinha eu a ver com aquilo. O meu resultado era negativo. Nada de explicações, nada de justificações. Não se diz uma coisa destas a uma pessoa que está preparada para sair 30 ou 40 minutos antes. Não se faz”, lamentou, acrescentando que “há trabalhos e responsabilidades que ficam suspensas”. “Não é só o choque emocional e psicológico. Eu fiz a minha parte, tudo direitinho. Os meus resultados são negativos e agora fico com tudo pendurado. Isto é um choque emocional e profissional”, afirmou.
Para a mulher, agora é esperar. Mas a espera pode trazer coisas que não deseja. “Se um trabalhador do hotel está com Covid-19, isso quer dizer que se eu testar positivo nos próximos dias, apanhei o vírus no hotel. A responsabilidade é de quem? Se vier a acusar positivo quer dizer que apanhei o vírus num hotel de observação médica, durante uma quarentena que fui obrigada a fazer. Acresce agora o receio de ficarmos doentes numa quarentena, quando isso não seria suposto, presumo”, constatou, lamentando que só soube do caso do trabalhador pela comunicação social. “Aborrece-me esta desinformação com que somos confrontados.”
PROBLEMAS NO PROTOCOLO?
Ching está completamente “confusa” com o que se está a passar. A chinesa sublinha que entende as regras e que as tem cumprido escrupulosamente, mas, ao mesmo tempo, mostra-se “bastante preocupada” com a possibilidade de apanhar o vírus no hotel, depois de ter tido os resultados todos negativos. “Cumpri tudo até agora, mas as autoridades não estão a cumprir a sua parte. O Governo nunca assume responsabilidades. Na verdade, arranja sempre forma de entregar as responsabilidades a outros. E que tal admitirem que erraram? As autoridades deveriam assumir o erro do trabalhador. O protocolo em Macau tem falhas e ninguém assume isso. Não sei se é no lixo, na comida, nas cartas que recebemos, mas há falhas no protocolo, e isso já foi provado”, acusou, acrescentando que as autoridades “pouco ou nada” explicam às pessoas que estão “desesperadas e fartas”.
A mulher desabafa e conta que em Singapura, por exemplo, este tipo de “amadorismos” não acontecem. “Em Macau ninguém liga ou quer saber. Até me disseram que havia vários casos positivos no meu andar, o que é mentira, como se comprova pelas notícias oficiais”.
Tudo isto “é uma grande desilusão”, nota a chinesa. “Não vejo qualquer razão plausível para ficar aqui estes dias, que até podem ser mais do que cinco. Depois de sair, tenho de fazer cinco testes de ácido nucleico. Durante três dias tenho código amarelo, o que me corta a possibilidade de fazer tanta coisa. Por isso, não entendo isto”, concluiu Ching ao PONTO FINAL.
Gonçalo Menezes é outro dos residentes que foi surpreendido pela decisão do Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus. O arquitecto preparava-se para abandonar o seu quarto quando, mais ou menos, uma hora antes da hora marcada, ligaram a informar que já não saía. “Ninguém pode ficar indiferente ao ver as suas expectativas goradas por uma decisão arbitrária devido a um problema que não lhes diz respeito”, atirou. “Em relação ao prolongamento da quarentena por cinco dias, penso que as pessoas se mentalizam para aceitar viver nas condições do hotel de quarentena por sete dias e não mais”, disse o português, acrescentando: “São sete dias de comida de baixa qualidade servida em caixas de plástico, e de péssima Internet. A dieta é muito pobre. Poderá ser suficiente para um adulto, mas não para crianças. Um simples exemplo é não ser fornecido leite a crianças em isolamento. São condições que se suportam sabendo que se está livre ao fim de sete dias”
O homem acredita que “não há justificação para manter sob observação pessoas que foram testadas durante sete dias de acordo com as regras estabelecidas pelas autoridades e testaram sempre negativo”. “O contrato delas com o Governo está resolvido e devem ser libertadas. Manter pessoas em quarentena prolongada aumenta as probabilidades de contágio dessas pessoas”.
Falta de empatia é outra das lacunas apontada por Gonçalo Menezes. “Há a questão da falta de compreensão e acompanhamento das pessoas que se encontram em isolamento. Penso que haverá pessoas a desenvolver psicoses sem que os Serviços de Saúde se pareçam importar com isso. Requeri apoio psicológico depois de saber que a duração da minha quarentena tinha sido alterada à última da hora e ninguém me contactou do lado das autoridades. Ninguém atende no ‘hotline’. Ouve-se uma mensagem em cantonês, música e a mesma mensagem repete-se continuamente”, contou o arquitecto que considera a actuação das autoridades “lamentável”.
SEM FEEDBACK
Para Carla Sousa, a decisão das autoridades aumentarem o período de quarentena trouxe um estado de espírito de “revolta”. “Estou bem emocionalmente, mas tudo isto cria um misto de sensações muito negativas, um desrespeito absoluto para com as pessoas. Eu e o meu filho estamos negativos”, referiu ao nosso jornal.
A portuguesa não tem tido o feedback que deseja por parte das autoridades. “É de uma irresponsabilidade total. Recebi um telefonema meia-hora antes de sair, uma senhora dos Serviços de Saúde com quem falei ao telefone só me disse que entendia o meu lado, mas que não podiam fazer nada de momento por razões de segurança. Admitiu que tinham medo que nós ficássemos infectados a partir do momento em que saíssemos do quarto ao que respondi porque não nos dão equipamento de protecção para sair como os trabalhadores que nos vêm fazer os testes? A resposta foi que não podia ser. Tínhamos de ter paciência e ainda disse que podíamos estar em período de incubação”, contou.
A mulher ainda tentou sacar mais informações, mas em vão. Ser forte, física e psicologicamente, é o mote para os próximos dias. “Agora é rezar para que ninguém teste positivo no nosso andar, senão ficamos aqui para sempre”, ironizou.
Face ao desespero destes residentes, o Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus respondeu oficialmente. “Se um trabalhador for detectado como caso positivo, os Serviços de Saúde colocam imediatamente em quarentena as pessoas que tiveram contacto com esse trabalhador e requerem aos demais trabalhadores que fortaleçam a implementação das várias medidas de prevenção epidémica”.
PONTO FINAL