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      Vergonhas evitáveis

      Toda a gente sabe que nenhuma caneta escreve sem tinta. Do mesmo modo que sem ovos não se fazem omeletas. Vem isto a propósito da situação em que se encontra a Casa de Portugal em Macau.

      Constituída no pós-transição, há mais de duas décadas, trata-se de uma pessoa colectiva de direito privado, uma associação de residentes, sem fins lucrativos, que proclama, entre outros, como seus objectivos a defesa e promoção dos interesses da comunidade portuguesa e a preservação da identidade da comunidade e do seu património cultural, nomeadamente da língua e cultura portuguesas.

      Ao longo dos anos, muito embora não faça o pleno de todos os residentes, tem procurado afirmar a sua acção, promovendo e participando numa série de manifestações de cariz cultural, desportivo, pedagógico e gastronómico. Uma visita ao seu espaço virtual pode dar uma ideia mais desenvolvida das suas actividades.

      Os  sucessivos Presidentes da República, os governos de Portugal e os seus mais altos responsáveis, assim como os nossos representantes diplomáticos e o IPOR, uns mais do que outros, têm procurado apoiá-la, dando-lhe alento e palco. Não há visitante que não vá em romaria às suas instalações, acompanhado do respectivo séquito, e que não se faça fotografar com os seus dirigentes, amigos e penduras.

      Nos últimos anos, à medida que o período de 50 anos definido na Declaração Conjunta Luso-Chinesa para “absorção” total de Macau na China avança, as dificuldades da Casa de Portugal têm sido mais que muitas, e não apenas de natureza económica e financeira, aumentando a uma velocidade ainda mais rápida do que a passagem do tempo.

      Sei que a sua presidente, concorde-se ou não com a sua acção, não se tem poupado a esforços no sentido de consolidar uma estrutura mínima e de dar algum protagonismo à Associação para que esta possa concretizar os seus propósitos e a todos honrar, mas está-se a chegar a um ponto que começa a ser a todos os títulos deprimente ver o que se está a passar.

      Se refiro isto aqui, eu que nem sequer sou membro da referida associação, apesar de já ter envergado durante alguns anos a sua camisola como praticante desportivo, o que fiz com muito gosto (está feita a minha declaração de interesses), é porque a situação de dependência em que a Casa de Portugal se encontra é muito pouco compatível com a dignidade do nome de Portugal e o legado que esse nome representa por estas paragens.

      Das dificuldades com o restaurante, primeiro encerrado devido a um aumento especulativo da renda determinado pelo seu influente senhorio; depois em razão dos sucessivos entraves burocráticos que lhe foram criados e aos problemas com a organização de eventos, passando pelo encerramento prematuro de uma exposição de fotografia (World Press Photo), cujas razões nunca foram devidamente explicadas, e nunca mais reeditada, mas que não foram outras que não políticas – digo eu pela leitura que fiz dos factos –, até às dificuldades para se pagarem ordenados aos trabalhadores e à permanente dependência de subsídios do Governo de Macau, via Fundação Macau, figurino completado com o recurso a empréstimos bancários para poder sobreviver no seu quotidiano e fazer face aos seus encargos fixos, tem havido de tudo um pouco.

      O problema desta vez são os atrasos no pagamento dos arrendamentos.

      Ontem, fiquei a saber que a Casa de Portugal não pagou as rendas devidas pelos espaços ocupados pelas suas oficinas. Diz a presidente que a Casa de Portugal está “há sete meses a viver de crédito bancário” e que a situação é insustentável, tanto mais que ainda nem sequer recebeu as prestações relativas ao último subsídio de 2021 e à primeira de 2022.

      Eu acredito que sim, que é insustentável. Para a Casa de Portugal e para mim, como português e residente, pelo que não podia estar mais de acordo com a Dra. Amélia António.

      O problema é que as preocupações dos seus dirigentes, se por um lado não têm surtido efeito, por outro colocam-nos a todos, portugueses, uma vez mais, numa situação de pedintes.

      Desconheço, até porque não tenho qualquer envolvimento no seu dia a dia, se a Associação cresceu de mais, se deu algum passo maior do que a perna, ou se há outra qualquer razão para se ter chegado até aqui. Mas como conheço muitos deles, há muitos anos, sei que procuram dar o que têm, e às vezes o que não têm, com uma boa dose de voluntarismo, em prol daquilo em que acreditam.

      Pessoalmente, dispenso os subsídios da Fundação Macau, visto que entendo que essa dependência é péssima para a prossecução dos objectivos da Associação, entre os quais está, também, a assunção de uma dimensão cívica que passa, pelo menos no papel, pela defesa dos direitos consignados na Lei Básica a favor dos portugueses.

      Mas, por outro lado, também não sou insensível à acção que a Associação desenvolve e aos esforços dos seus dirigentes e associados.

      Certo é que convivo mal com tudo isto.

      Por isso mesmo, lanço daqui um apelo ao Governo português e aos seus membros, aos que conhecem a Casa de Portugal em Macau e as actividades que desenvolve, para que se debrucem sobre esta questão que começa a assumir contornos de um miserabilismo deplorável, no sentido de ser tomada uma posição consequente. Já bastam as histórias da Escola Portuguesa de Macau e tudo o mais que por aí se ouve sobre os seus conflitos, as directivas que lhe são impostas, as decisões discutíveis da sua direcção e as dificuldades de gestão.

      Porque das duas uma: ou é do interesse de Portugal e dos portugueses ter instituições em Macau que dêem continuidade e projecção à sua presença, ou não é. Se não é, então que o digam e o transmitam aos dirigentes da Casa de Portugal.

      Não se pode é continuar a passar por sucessivas vergonhas com a continuidade da presença portuguesa em Macau, como seja agora a de não haver dinheiro para a Casa de Portugal pagar as rendas devidas numa terra de casinos e que serviu para muitos cambalachos, como bem se recordarão os seus últimos governadores e encarregados do governo.

      Já me bastam as notícias locais sobre a defesa da segurança nacional, a nova lei da intercepção de comunicações sem autorização judicial, as delirantes conferências de imprensa sobre a pandemia e as discussões sobre o mais do que traumatizante confinamento dos canídeos, obrigados a fazerem as necessidades dentro de casa, para ainda ter de ouvir na rádio e no telejornal da TDM, ao final do dia, o rol de lamúrias da Casa de Portugal.

      É preciso encontrar rapidamente uma solução que fazendo jus ao trabalho realizado e ao esforço das pessoas coloque um ponto final na actual novela. Assim é que não se pode continuar.

       

      Sérgio de Almeida Correia

      Advogado

      Artigo publicado no blogue Delito de Opinião