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      InícioEntrevista“Hengqin é o futuro de Macau”
      Carlos Cid Álvares

      “Hengqin é o futuro de Macau”

      A primeira agência do BNU em Hengqin abriu há cinco anos e já está a dar lucros. O presidente da comissão executiva do banco quer agora expandir a operação até Cantão e acredita que em 10 anos o volume de negócios do BNU na Grande Baía possa superar o de Macau – sobretudo se forem alteradas regras de funcionamento que ainda afectam o investimento na região vizinha.

      Fotografia de Gonçalo Lobo Pinheiro

      Ponto Final – No início de 2017, o BNU inaugurou a sua primeira sucursal na zona de cooperação aprofundada de Hengqin, ao abrigo do CEPA (o Acordo de Estreitamento da Parceria Económica entre Macau e a China Continental). Este investimento, confessou num evento público, deverá demorar algum tempo a recuperar. Quando tempo prevê que seja necessário para o investimento ser rentabilizado?

      Carlos Cid Álvares – Depende do crescimento de novos projectos em Hengqin, mas esperamos dentro de 2 anos ter a totalidade do investimento recuperado. Foi um investimento em capital na casa dos 300 milhões de patacas, se bem que o investimento em imobilizado, em software e hardware, tenha rondado os 50 milhões. No ano passado, já tivemos um lucro de 14 milhões de patacas e, portanto, contamos recuperar o investimento ao fim de 7 anos (entre 2017 e 2024). Acreditamos que vamos continuar a ter resultados positivos e estamos satisfeitos porque este é um investimento estruturante: Hengqin é o futuro de Macau, numa relação muito semelhante à existente entre Shenzhen e Hong Kong. Hengqin tem três vezes a área de Macau, há uma aposta fortíssima na diversificação da economia de Macau e esse processo deverá passar por Hengqin.

      P.F. – O que está na base desses resultados positivos?

      C.C.A. – O crescimento do crédito, basicamente. Estamos a apoiar empresários de Macau que investem em Hengqin e é fundamentalmente daí que vêm estes resultados. Pontualmente fazemos algumas operações com residentes de Hong Kong e do Continente chinês, mas o grosso da coluna são empresários de Macau que investiram em imobiliário. Fazemos também algumas operações com empresas chinesas que estão cotadas na bolsa de Hong Kong e que têm rating internacional. São normalmente operações sindicadas, com outros bancos, que não têm uma rentabilidade muito elevada, pois são empresas que têm muito bom risco. Nós chegámos a 1 bilião de patacas de crédito e é muito por força disso que os resultados surgiram.

      P.F. – Qual é a relação com o crédito atribuído em Macau?

      C.C.A. – Ainda é de 1 para 25. Mas acreditamos que daqui a 10 anos, talvez seja o contrário. Não digo 25 para 1, mas é bem capaz de ser já superior em Hengqin.

      P.F. – Desses projectos em que o BNU participou, há algum que gostaria de realçar?

      C.C.A. – Nós participámos num projecto imobiliário de um grande grupo empresarial de Macau, que teve imenso sucesso. Venderam os apartamentos todos a uma velocidade enorme, e neste momento conservam a parte comercial. Foi um projecto interessante de apoiar e o crédito foi já todo reembolsado ao sindicato bancário formado para o efeito.

      P.F. – Que dificuldades tem encontrado nos primeiros tempos de operação? Se se pudesse colocar na pele de legislador, o que mudaria no enquadramento legal da actividade bancária em Hengqin vis a vis as instituições financeiras estrangeiras?

      C.C.A. – Eu ainda não estava cá, mas nós arrancámos este projecto em 2015/2016 e depois abrimos a sucursal em 2017, na altura com um consultor externo. Quem cá estava fez um estudo muito apurado, a operação foi aprovada pela Caixa Geral de Depósitos e sabíamos as dificuldades que iríamos encontrar. No fundo, estávamos a abrir uma sucursal que, na prática, é um pequeno banco, com tudo diferente: infraestrutura informática distinta, back-office distinto, estrutura comercial distinta, e a funcionar com as regras vigentes na China Continental. Conseguimos ultrapassar as dificuldades, a operação tem sido auditada pelas autoridades chinesas e estamos satisfeitos com os resultados, tendo em conta que tivemos de começar do zero. O que é que seria interessante para nós? Porventura abriríamos agências com mais facilidade se as regras de funcionamento fossem as de Macau. Vamos ver: o futuro dirá se vai ser esse o caminho ou não.

      P.F. – A situação, tal como existe actualmente, pode pôr em causa a expansão em Hengqin?

      C.C.A. – Nós temos uma infraestrutura muito poderosa em Macau, com internet banking, com apps, com todo o tipo de serviços para prestar aos clientes. Em Hengqin, a infraestutura não é tão poderosa. Permite, basicamente, crédito e depósitos. Não temos lá cartões de crédito, não temos online banking, não temos apps. Para abrir lá várias agências, teríamos de investir muito na infraestrutura. Naturalmente, seria muito mais vantajoso para nós se pudéssemos fazer uso da infraestrutura que temos em Macau.

      P.F. – Que investimento seria necessário para montar lá esse tipo de infraestrutura?

      C.C.A. – Não consigo quantificar. Mas, seguramente, larguíssimos milhares de milhões de patacas.

      P.F – Quais são, por outro lado, as grandes vantagens de Hengqin? E que peso acredita que possa vir a ter na operação do BNU, por exemplo num horizonte a 5 anos?

      C.C.A. – O acesso ao mercado do Interior da China, o aparecimento de um novo polo de crescimento para empresas de Macau, em particular para certas indústrias, e o facto de ser uma zona de comércio livre são as principais vantagens. Há vontade política para que Hengqin aconteça. Há uma aposta forte do governo chinês na diversificação da economia de Macau, em quatro pilares fundamentais, um dos quais é justamente o das indústrias financeiras. Por outro lado, têm vindo a ser criados incentivos que fazem com que os empresários possam apostar naquela zona, nomeadamente os empresários da China Continental, porque têm uma taxa reduzida de imposto sobre o rendimento, que vai até 15%, consideravelmente mais baixa do que a do Interior da China e que compara bem com a de Macau, que é de 12,5%. Tem subsídio de habitação para residentes de Macau que decidam trabalhar e viver em Hengqin, há uma facilitação na fronteira da passagem de pessoas e serviços, ligação à China Continental com linhas de alta velocidade, infraestruturas modernas e espaço para implantação de unidades industriais. Acredito que em 5 anos Hengqin será já substancialmente diferente e poderá ter um peso bem maior na conta de exploração do BNU. Gostaria de lançar as bases para o aproveitamento desta oportunidade, por exemplo abrindo mais agências em Hengqin e uma em Guangzhou (Cantão).

      P.F. – Como analisa o crescimento de Hengqin, muito rápido em termos de construção, mais lento em termos de povoamento?

      C.C.A. – Há 30 anos, Shenzhen era uma povoação com 100 mil habitantes; hoje é uma cidade com 10 a 12 milhões de habitantes, extremamente bem estruturada, cheia de espaços verdes e sede de inúmeras empresas de alta tecnologia. Creio que o mesmo se poderá passar com Hengqin. A pandemia pode ter atrasado de alguma forma todo este projecto, mas havendo vontade política, capacidade financeira e estímulos para os empresários, as coisas vão acontecer. Não tenho dúvidas quanto a isso.

      P.F. – A concorrência no Interior da China será, seguramente, difícil de enfrentar. Quais as vantagens competitivas que o BNU pode apresentar?

      C.C.A. – Aqui coloca-se a questão de um dos pilares do desenvolvimento de Macau passar por ser uma plataforma para o investimento entre a China e os países de expressão portuguesa. O BNU é um banco que pertence ao universo CGD, com forte presença na Europa e nos países de língua portuguesa (em cinco deles tem, aliás, o maior banco). E isso será uma mais-valia muito importante, a partir do momento em que esses países tomarem melhor conhecimento sobre o que se está a passar nesta região. A Grande Baía tem metade da área de Portugal, mas tem um PIB que é 40% do PIB da Alemanha e 70% do PIB de Itália, 12% do PIB da China, 5% do PIB dos Estados Unidos. E as perspectivas de crescimento são muito animadoras: o PIB da Grande Baía está agora nos 1,7 triliões de dólares e pensa-se que daqui a 10 anos poderá estar nos 4,2 triliões, com 80 milhões de consumidores. As empresas dos países de expressão portuguesa, que por vezes se mostram assustadas com a dimensão do mercado chinês, poderão focar-se nesta região, nomeadamente através do estabelecimento de joint-ventures com empresários de Macau, que conhecem melhor esta realidade. Seria positivo para todos: ajudaria à diversificação económica de Macau e abriria novos mercados aos empresários dos países de expressão portuguesa.

      P.F. – O papel do Fórum de Macau para a Cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa pode ser importante?

      C.C.A. – O papel do Fórum pode ser muito importante, mas até agora a sua actuação tem sido mais predominante na relação de investimento da China nos países de expressão portuguesa. Acredito que esse vector inverso, digamos assim, não tenha sido ainda uma grande preocupação do Fórum, estando esse papel a ser desempenhado pelo IPIM. No dia em que o Fórum tiver também esse vector de intervenção, acredito que vai ajudar a atingir aquele desiderato.

      P.F. – Em Outubro do ano passado, a AMCM lançou o Projecto de Gestão Financeira Transfronteiriça (“Wealth Management Connect”) em Macau, permitindo aos residentes da Grande Baía a aquisição de produtos financeiros transfronteiriços, através dos diferentes sistemas bancários. A maioria dos bancos chineses de Macau já participa no projecto, mas o BNU ainda não aderiu a esta iniciativa. Porquê?

      C.C.A. – O BNU tem todo o interesse em entrar e está a trabalhar para esse efeito. É uma iniciativa interessante, que pode desenvolver o tema da gestão de activos. Infelizmente, como nós não temos uma presença na China Continental muito forte, teremos de encontrar um parceiro de negócios. Os outros bancos, os bancos chineses de Macau, fazem essas parcerias com as suas casas-mãe, ao passo que o BNU terá de estabelecer uma parceria com um banco na China que não tenha presença ainda em Macau – se tiver, não precisará do BNU. Já tivemos abordagens com dois potenciais interessados e estamos a trabalhar para que isso venha a acontecer. Mas ainda não chegou o momento para podermos avançar o nome do banco com quem vamos estabelecer essa parceria.

      P.F. – A emissão de títulos de dívida do Estado em RMB sinaliza o apoio do Governo Central ao desenvolvimento do sector financeiro de Macau. Como está o BNU a posicionar-se em relação a esta área?

      C.C.A. – O BNU apoia totalmente este projecto e temos estado sempre muito próximos do Governo e dos outros bancos, nomeadamente numa operação de mercado de títulos de dívida que ocorreu e que teve bastante sucesso. Julgo que os investidores estão bastante contentes porque foram títulos emitidos em renminbis e, entretanto, o RMB valorizou-se acima dos 10%, a somar a uma taxa de juro interessante na casa dos 3%. Para o desenvolvimento deste mercado falta talvez escala a Macau, já que estamos a falar de apenas 600 mil habitantes. Mas, como há vontade política, know-how e uma central de valores mobiliários já instalada, é uma questão de se encontrar interessados em emitir dívida aqui em Macau, porque investidores acho que existem. O problema é ainda encontrar nos países de expressão portuguesa, salvo no Brasil e em Portugal, entidades que tenham rating internacional, um aspecto que é muito importante para que haja confiança dos investidores.

      P.F. – Acredita na viabilidade da criação de um mercado de valores mobiliários em Macau com alguma expressão?

      C.C.A. – Estão a ser dados passos nesse sentido, embora talvez não à velocidade em que o Governo gostaria que acontecesse. Mas já se montaram operações de leasing que não existiam, o factoring é uma realidade que pode acontecer no curto prazo, na área da gestão de activos este tema do wealth management na área da Grande Baía já está a funcionar, a emissão de dívida já ocorreu, enfim, todos os dias estão a acontecer coisas e é natural que o projecto venha a ser bem sucedido. Só que vai levar tempo. É preciso construir a infraestrutura e atrair intervenientes, sejam eles originadores, casas de investimento, brokers, agências de rating, casas de custódia, etc. E não nos podemos esquecer que estamos encostados a Hong Kong, que é uma praça financeira gigante, conhecida mundialmente – Shenzhen, idem na China –, e que por isso, embora Macau possa ter o seu espaço, não se anteveja que possa concorrer directamente com essas praças.

      P.F. – Hong Kong tem sido fortemente penalizada pela pandemia e também por questões políticas, ao longo dos últimos anos. Que influência poderá ter isso para o sector financeiro de Macau?

      C.CA. – Penso que poderá ser uma oportunidade para Macau. Ainda ontem, a falar com uns colegas de um banco internacional, diziam-me que têm aparecido empresários que, ao esbarrarem com algumas das dificuldades que estão a acontecer em Hong Kong, estão a pensar em Macau como uma alternativa para os seus negócios, nomeadamente em matéria de trading. Empresas que faziam negócios de importação e exportação entre a China Continental e os seus países, ocidentais, estarão a equacionar começar a operar em Macau – e isso pode ser uma mais-valia para todos.

      P.F – Uma das dificuldades mais apontadas ao desenvolvimento do sector é a falta de quadros qualificados. Como está o BNU a lidar com este problema?

      C.C.A. – Apostando na formação nas áreas a desenvolver. Há duas áreas em que há grande procura de quadros. Uma delas é a área de controlo (auditorias, gestão de risco, compliance), que tem sido objecto de uma maior atenção por parte das autoridades bancárias de todo o mundo – e a AMCM não é excepção. Há hoje uma grande preocupação para que a gestão das instituições financeiras esteja de acordo com os padrões mais exigentes que existem nos Estados Unidos, na Europa ou na China, e para que os negócios não deixem de obedecer às regras dos checks & balances. A outra área é a informática, onde a falta de quadros em Macau temos vindo a resolver através do recrutamento em Zhuhai, o que de resto terá sido feito por muitas outras empresas. Nas outras áreas, Macau está hoje dotada, felizmente, de universidades de grande qualidade (duas delas estarão até entre as 300 melhores em todo o mundo), que têm vindo a gerar quadros qualificados e que poderão dar boa resposta às necessidades.

      P.F. – Há factores externos que poderão influenciar o desenvolvimento da actividade económica e financeira no curto e médio prazo, nomeadamente a pandemia e a guerra na Europa. Como encara o impacto de ambas?

      C.C.A. – Relativamente à pandemia, o BNU adaptou-se muito bem e os mecanismos, tanto sanitários como os de acompanhamento de moratórias e de exposição de riscos, estão a ser constantemente monitorizados. Quanto à guerra, espero que uma solução seja encontrada num futuro próximo e que não exista uma escalada da mesma. Se assim for, acredito que o impacto possa ser reduzido para o BNU e para a própria economia de Macau. Se a guerra na Europa continuar a escalar, toda a gente irá sofrer. Haverá quebra de consumo, menor importação de bens da China, menor actividade económica – e a economia de Macau não deixará de ser afectada por tudo isso.