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      Macau Omen: nascer com a SARS foi mau presságio

      É um romance, tem Macau como centro da acção e quer tornar-se o filme de terror que sempre quis ser. Com assinatura de Tony Shyu, argumentista e realizador americano de origem chinesa, Macau Omen é um projecto à espera de melhores dias.

      A história do projecto começa quando Tony Shyu, realizador bem-sucedido de filmes publicitários, veio pela primeira vez a Macau e encontrou uma cidade quase deserta. Dessa estranha experiência viria a resultar uma curta-metragem, Macau Twilight, rodada em 2007. Quase década e meia depois, o cineasta continua apostado em fazer a sequela desse filme em formato de longa-metragem, mas a crise dos últimos dois anos não o tem permitido. E a solução encontrada por Tony Shyu foi publicar primeiro a história em forma de romance, para que alguém se convença a investir. Mas deixemos que seja ele a explicar o que se passou, na entrevista que concedeu online ao PONTO FINAL a partir de Los Angeles, onde actualmente reside.

       

      Quando surge pela primeira vez Macau na sua escrita?

      Vivi em Hong Kong durante onze anos, entre 2003 e 2014. Quando estava em Hong Kong, visitei Macau com frequência. A ideia deste projecto, Macau Omen, veio-me à mente quando visitei Macau durante a crise do SARS (Síndrome Respiratória Aguda Severa), em 2003. Parecia uma cidade fantasma, numa estranha combinação com a sua bela arquitectura e a paisagem. Havia algo de surreal na atmosfera dessa época. Os turistas deixaram de aparecer durante a SARS e a cidade parecia assustadoramente vazia.

       

      Como foi desenvolvendo o projecto?

      Visitei muitas igrejas e templos de Macau. Constatei que Macau tem uma forte influência religiosa, tanto oriental como ocidental, que surge misturada com os seus casinos, os conflitos do passado entre gangsters, a história do colonialismo. Achei todas estas influências uma combinação interessante e conflituante – e essa foi a minha principal fonte criativa. Na altura, eu tinha acabado de me mudar dos Estados Unidos para Hong Kong e encontrava-me numa encruzilhada, sentindo-me um pouco perdido. Estar naquela Macau deserta, com tantos e tão belos monumentos de classe mundial bem preservados, inspirou-me a escrever a história de um homem que está perdido no presente e que continua a querer voltar ao passado, às suas memórias. Também na altura muito do encanto da Macau antiga estava a desaparecer; velhos edifícios estavam a ser derrubados para dar lugar a novos casinos ou outras urbanizações. Com tudo isto na minha mente, ocorreu-me escrever Macau Twilight (O Crepúsculo de Macau), uma curta-metragem que deu depois origem a este romance –Macau Omen.

       

      No romance reencontramos Thomas, personagem de Macau Twilight, passando novamente por uma experiência de pesadelo, em luta permanente contra forças do mal e o seu próprio subconsciente. Resultado de um mau presságio, como parece indicar o título Macau Omen?

      É uma metáfora do que todos nós passamos. A nossa mente tende a ir à procura primeiro do que há de mais negativo. E quando pensamos no nosso passado, pensamos muitas vezes em coisas negativas, e daí que tenhamos arrependimentos e sentimentos de culpa. Gostaríamos de poder voltar atrás e mudar o que aconteceu ou o que fizemos. A metáfora é que se ficarmos presos nessas memórias, elas tornam-se pesadelos que ficam connosco e podem assombrar-nos para o resto da vida. Mas as memórias e as nossas mentes podem também mentir-nos. A nossa percepção dessas memórias não é necessariamente verdadeira. A mensagem que o livro sublinha é que fiquemos no Presente. Só se permanecermos no presente, experimentaremos a verdade. É um conceito filosófico que se está a tornar popular no Ocidente, com autores espirituais como Eckhart Tolle, mas que é conhecido no Oriente desde tempos remotos. É o conceito de Reencarnação. (輪迴) Se nos agarrarmos às memórias passadas, é como se revivêssemos a nossa vida repetidamente, só que na nossa memória. O tema está muito presente tanto na curta-metragem como no romance.

       

      Porquê o género Terror escolhido para estes projectos, depois de uma carreira de sucesso como realizador de filmes de publicidade, meio bem diferente onde é o glamour que impera? O que o atrai neste género e de que forma serve a sua voz como cineasta?

      Como realizador comercial, estou sempre a tentar elevar as imagens visuais que crio a novos limites. Acredito que nos bons filmes de terror o realizador pode fazer o mesmo para obter o derradeiro efeito psicológico junto do seu público. É por isso que existem realizadores como David Fincher, que também foi realizador de videoclips e anúncios comerciais, cuja primeira longa-metragem que realizou foi uma sequela do Alien e depois continuou a fazer filmes de terror psicológico, como é o caso do Se7en. É um pouco por isso que quando se lê Macau Omen, o romance, parece que se está a ver um filme, porque a escrita é muito orientada para a imagem.

       

      Como têm sido as reacções ao romance?

      O feedback é encorajador, principalmente por parte de leitores anónimos. Ver alguns deles, nas páginas da Amazon, reconhecer que este é um tipo de ficção singular, diferente, que nunca antes tinham lido, é óptimo. São também muitos os leitores que apreciam a descrição detalhada que é feita de Macau: sentem-se fisicamente transportados até Macau pelo livro. Espero que isso suscite a curiosidade de outras pessoas e que as faça viajar até aí. Macau é muito mais rica do que somente uma cidade de jogos de fortuna e azar.

       

      O que é que mais o fascina nesta cidade?

      O visual é fascinante. Os velhos edifícios de estilo português, misturados com casas de estilo chinês, as longas árvores enraizadas, a praia de areia preta, os casinos de aspecto irregular, as ruínas, as antigas bicicletas de três rodas e também a mistura de pessoas, algumas nativas, algumas portuguesas, de Hong Kong, do Continente, a bela paisagem verde e uma vida nocturna vibrante e contrastante… Tudo isso me fascinou.

       

      Que autores mais o têm inspirado?

      Para mim, bons romances e filmes são os que têm um tema universal, mas que são realizados de uma forma muito pessoal. Como escritor, a minha maior influência seria Haruki Murakami. Os seus romances são surreais, ao usar temas que envolvem a psique, os sonhos, a imortalidade. É muito exaltante porque nos transporta para um outro reino, sendo que de alguma forma se sente que esse reino é semelhante àquele em que vivemos. Espero que seja isso que Macau Omen consiga alcançar junto dos seus leitores. Quanto a cineastas, são muitos os que posso citar: Bergman e Fellini, entre os mais velhos; Chris Nolan, David Lynch e David Fincher, numa geração de realizadores mais recente.

       

      Em que estado se encontra a produção do filme?

      A pré-produção do filme estava a correr muito antes do Covid. Na verdade, tínhamos já alguns investidores da China, mas quando começou a pandemia tudo ficou adiado e agora não é certo se esses investidores vão regressar. A esperança que tenho é que o livro se torne um sucesso de vendas e que gere, por si só, o interesse de novos investidores cinematográficos. Tivemos um contratempo, mas o cinema tem isso: é um negócio duro, especialmente numa época como a que atravessamos. Estamos à procura de investidores noutras partes do mundo porque, em última análise, o tema é universal.

       

      E como têm sido para si estes dias de pandemia? Sei que recebeu recentemente um prémio para um documentário sobre as tensões raciais na América.

      Sim, é um documentário sobre o recente aumento do ódio contra os asiáticos em especial, aqui nos Estados Unidos. Foi uma viagem de três anos e acaba de receber o prémio principal do Festival de Cinema Sino-Americano de Los Angeles. O ódio anti-asiático explodiu porque tínhamos um presidente que chamava à Covid o Vírus Chinês. Criou-se a tempestade perfeita; só podia correr mal. Os incidentes violentos (contra asiáticos) multiplicaram-se e, embora não estejam agora a merecer a atenção dos meios de comunicação social, continuam a acontecer todos os dias. Os americanos vêem a Covid como uma coisa asiática que foi exportada para a América, por isso vêem todos os asiáticos como portadores de doenças. Espero que o meu filme tenha impacto no sentido em que mais pessoas possam compreender a cultura asiática. Só assim o ódio diminuirá. Muita da incompreensão resulta do mal-entendido de que a maioria dos asiáticos come morcegos e cães, o que é ridículo. É também por isso que quero fazer e promover o Macau Omen, porque o principal protagonista é um homem asiático. Precisamos de ver mais asiáticos nos ecrãs de Hollywood, precisamos de estar mais representados. Espero que a história de Macau Omen faça pelos asiáticos o que o filme de terror Get Out (Jordan Peele, 2017) fez pelos negros, que ajude à compreensão da sua cultura.

       


      Macao Omen (2021)

      Tony Shyu

      Thomas, um escritor americano, aventura-se no submundo de Macau à procura de uma história que seja perfeita no plano do ocultismo e do sobrenatural. Mas o patrão de um casino envolvido num culto secreto sente que Thomas está a aproximar-se demasiado da verdade. Em pouco tempo, o investigador transforma-se em presa. E Thomas procura agora conseguir fugir da cidade com uma boa história e a sua família a salvo.