Já faz alguns dias que foi o Halloween, uma época festiva que não passa despercebida. Umas vezes com mais sustos, outras com menos, mas que é levada muito a sério por cada vez mais pessoas. Eu sei que a expectativa seria ler sobre histórias de terror, fantasmas, casas assombradas, mas não estamos muito longe. Hoje vou-vos contar um pouco sobre micróbios ASSUSTADORES!!!!
O blob
Em 1958 foi lançado o filme “The blob”, com uma nova versão estreada em 1988. Neste filme de terror, os personagens descobrem uma substância gelatinosa que derrete a carne dos organismos vivos que encontra no seu caminho, diminuindo largamente o número de habitantes de uma pequena cidade. Inspirado neste filme, quando foi descoberto, o fungo Physarum polycephalum foi apelidado “blob”. Este fungo gelatinoso, é encontrado normalmente em zonas húmidas, escuras e pantanosas. Ele cresce sob a forma de um tapete gelatinoso amarelo que se vai esticando, numa forma de rede muitas vezes comparada aos caminhos-de-ferro. Com comportamentos diferenciados, o “blob” é capaz de encontrar caminhos específicos para encontrar comida e como forma de reacção à luz, guardando memória desses caminhos. Incrivelmente, ele é também capaz de antecipar acontecimentos quando estes foram gerados anteriormente de forma repetitiva. É um ser inesperadamente inteligente, mas sem cérebro, que cresce rapidamente a uma velocidade de vários centímetros por hora, fazendo jus ao seu nome, bem próprio para um personagem de ficção científica.
Canibalismo
Há algumas décadas, foi descoberta na Papua Nova Guiné uma doença entre as tribos aborígenes locais, a que estes chamavam de kuru. Esta doença que se tornou uma epidemia local nos anos cinquenta, tinha como sintomas tremores e espasmos musculares, dores intensas, dificuldades de coordenação motora e ataques de riso incontroláveis. Esta doença afectava o sistema nervoso das pessoas infectadas levando a que estas tivessem comportamentos estranhos e irregulares. Foi mais tarde descoberto que a doença era causada por um prião, uma proteína de estrutura anormal que se encontrava no tecido cerebral, actuando de um modo semelhante ao prião que causa a “doença das vacas loucas” e a sua variante humana. Mas o mais incrível é que as pessoas eram infectadas porque tinham como prática ritual comum, comer partes dos seus mortos, incluindo o cérebro. Este acto de consumo era realizado como uma forma de respeito para com os mortos. Assim, à medida que as pessoas desta população iam morrendo com a doença, iam-na perpetuando, ao serem consumidas pelo resto da tribo. Esta infecção foi contida assim que foram alteradas as práticas das pessoas locais, mas acabou por ficar conhecida como a “doença dos canibais”.
Comedores de carne humana
Mas não são só os canibais que “apreciam” a carne humana. Provavelmente não estarão familiarizados com a fasceíte necrotizante, mas esta trata-se de uma infecção provocada por bactérias que comem os tecidos moles da carne humana. Esta doença pode ser causada por várias espécies de bactérias, mas uma das mais comuns é Streptococcus pyogenes. Normalmente estas bactérias aproveitam os tecidos danificados, entrando no organismo humano através de feridas abertas ou queimaduras. A forma como estas bactérias “comem” os tecidos, é através da produção de toxinas, compostos químicos que destroem os tecidos (como pele, músculos, gordura e veias), gerando o que normalmente conhecemos como gangrena. Se estão assustados, então fiquem ainda mais porque esta é uma doença que aparece e se desenvolve rapidamente. Mas não se preocupem, não é contagiosa, nem é assim tão comum, afectando principalmente pessoas que têm o sistema imunitário já muito fragilizado.
Vampiros
Para terminar, vou-vos falar de vampiros. Não dos que têm dentes caninos afiados e que sugam o sangue de humanos, mas sim de uma bactéria de nome científico Bdellovibrio bacteriovorus. Esta bactéria é um predador que ataca outras bactérias. É regularmente encontrada no ambiente, na água de rios, no solo, e curiosamente também nos intestinos humanos. Nada com que tenham que se preocupar porque este pequeno ser (de tamanho inferior a 1,5 micrómetros, cerca de cem vezes mais pequeno que o diâmetro do cabelo humano) só ataca outras bactérias. E fá-lo de uma forma muito vampiresca. Esta bactéria, aproxima-se de outras de diferentes espécies, escolhendo apenas entre alguns tipos, e começa por “morder” e depois sugar as presas que ataca. Muito parecido com o enredo de vários filmes sobre vampiros, como por exemplo o já bem antigo e um dos meus favoritos, “Entrevista com o vampiro”. Nalguns casos aspira e chupa todo o interior das presas, deixando apenas uma parede celular vazia e oca com alguns resquícios de componentes internos. Noutros casos, ela entra no corpo das presas onde se multiplica, terminando este drama com a morte da presa e a libertação de várias novas bactérias predadoras.
Mas há mais vampiros no mundo microbiológico. Estes sugadores de vida microbiana têm mais ou menos o mesmo padrão de ataque e necessitam das suas vítimas para sobreviver. Micavibrio aeruginosavorus é outra bactéria de hábitos vampirescos, também de tamanho inferior a 1,5 micrómetros, que apenas suga a vida das suas presas. Esta não necessita de invadir o interior das suas vítimas para sobreviver. Também as bactérias do género Vampirococcus seguem o mesmo padrão. E, ainda mais pequena (tamanho inferior a 0.6 micrómetros), a bactéria Vampirovibrio chorellavorus, cujo último nome se refere à espécie que ataca Chlorella, ao contrário das bactérias “vampiro” anteriores não ataca bactérias. A Chlorella é uma microalga verde à qual a V. chlorellavorus se agarra, ligando-se à sua parede celular e chupando o seu interior até à morte.
Um facto muito interessante para nós, é que podemos ter nestes “vampiros” fortes aliados. Pois actualmente, temos muitas doenças causadas por micróbios, para as quais já não temos medicamentos eficazes. Isto porque muitos micróbios adquiriram resistência aos fármacos que temos disponíveis, vivendo muito bem e com bastante indiferença à sua presença. Para as infeções causadas por estes micróbios resistentes, muitas vezes os medicamentos que usamos acabam por nos afectar mais a nós do que a eles. Assim, se conseguirmos que as bactérias “vampiro” matem as bactérias resistentes, podem-se tornar antibiótico vivos e solucionar muitas das infeções hoje em dia tão difíceis de tratar.
Como veem, seres assustadores e histórias horripilantes não faltam. E se a vossa curiosidade ficou aguçada, aconselho-vos a ler, como entretenimento, o livro “MicroDracula: A story of cytoplasmic horror at the micron scale”, do autor Charles Cockell. Mas como já devem imaginar, o que não faltam são mais histórias por contar.
Marta Filipa Simões
Cientista