A edição original de “Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa”, da autoria do sueco Henrik Brandão Jönsson, com chancela da Natur & Kultur, foi apresentada em 2020 e já vai na sua sétima edição naquele país escandinavo. Em Portugal, o livro chegou aos escaparates das livrarias na passada sexta-feira.
Gonçalo Lobo Pinheiro
O mais recente livro do jornalista Henrik Brandão Jönsson já é ‘best-seller’ no seu país, a Suécia. Pouco mais de um ano após o lançamento naquele país, o livro já vai na sétima edição. “Do nada virou um ‘best-seller’, já vendeu mais de 10 mil cópias. Os editores perguntaram-se como é que um livro sobre a lusofonia pode vender tão bem. Eu acho que os suecos são um povo que gosta de viajar. Nós temos uma história forte com alguns países lusófonos. A Suécia foi o primeiro país europeu a reconhecer a independência de Moçambique, Guiné Bissau e Angola. Durante a guerra colonial, o governo sueco apoiou a luta pela independência”, afirmou o autor de “Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa” à Folha de São Paulo.
Com a ajuda da sua agente literária, que é uma portuguesa emigrada na Suécia, o livro foi apresentado no passado dia 8 de Outubro em Portugal, com a chancela da editora Objectiva, do grupo editorial Penguin Random House. “Inspirado pela ideia bíblica dos sete pecados capitais, o jornalista e escritor sueco Henrik Brandão Jönsson embarca numa viagem ao mundo das antigas colónias portuguesas para retratar a vida como ela é hoje. Durante a sua jornada, descobre que as ex-colónias serviam como um contraponto ao ambiente conservador da então metrópole, uma válvula de escape onde o sexo, o álcool e o jogo floresciam”, escreve a editora portuguesa no comunicado de imprensa do evento de lançamento.
Trata-se de uma obra dividida em sete capítulos. Seis dedicados inteiramente às antigas possessões coloniais, a que cada uma das quais está associado um pecado mortal: Goa (gula), Moçambique (luxúria), Macau (avareza), Timor-Leste (soberba), Angola (ira) e Brasil (preguiça). O livro encerra com um capítulo dedicado a Portugal, ao qual o autor atribui o pecado da inveja.
Naturalmente que a associação de cada território a um pecado capital revela uma avaliação bastante subjectiva, sendo uma interpretação exclusiva do autor sobre as características de cada um dos lugares que visitou. E visitou todos, onde realizou entrevistas a diversas pessoas, desde 2016. “O impacto da expansão marítima e da colonização portuguesa é fortemente sentido ainda hoje. Deixou heranças mais negativas do que aquilo que nos permitimos admitir na história que costumamos contar, e levou muito mais do que ouro, pimenta e canela. Escrito de uma perspetiva antropológica, este livro serve ao leitor o contraditório, o outro lado da História”, revela a sinopse da obra.
“A grande excepção na China”
A Macau, que o autor considera ser “a grande excepção na China”, calhou a avareza, uma escolha aparentemente lógica, de acordo com o autor, muito por culpa da ligação do território à prática de jogos de fortuna ou azar desde sempre. “Dos dez casinos mais lucrativos do mundo, oito estão em Macau. A enorme procura por mão-de-obra leva a que muitos dos melhores alunos da universidade sejam sugados pelos casinos (…) desde que Portugal deixou Macau em 1999 e os americanos foram convidados a entrar, os lucros do jogo mais do que quintuplicaram”, escreve, a páginas tantas, o sueco.
Durante a entrevista ao professor da Universidade de Macau (UM), Desmond Lam, aborda-se o tufão Hato, uma das mais perigosas tempestades tropicais a passar por Macau.
O académico aponta o dedo às autoridades por se “terem tornado tão gananciosas que perderam todo o discernimento”. “Quando o Hato chegou, em 2017, Hong Kong classificou-o de imediato como um dez numa escala de dez. Fecharam-se pontes, interromperam-se as ligações por ferry e pediu-se à população que ficasse em casa. O que fizeram as autoridades de Macau? Nada. As pontes ficaram abertas. E porquê? Porque ninguém queria fechar os casinos”, disse, citado por Henrik Brandão Jönsson, que esteve em Macau durante três semanas para reunir informação para o seu livro.
Para o professor da UM, “do lado negro de Macau é que são poucos os que falam”. Desmond Lam é da opinião de que a fiscalização da origem do dinheiro do jogo devia ser melhorada.
Henrik Brandão Jönsson conversou com outras pessoas enquanto esteve no território. Na grande maioria todos assumiram que Macau e o jogo vivem, lado a lado, indissociáveis. “Macau é a lavandaria da China”, comenta Kristoffer Luczak, vice-presidente executivo para a Comida & Bebida da Wynn Macau, e que já teve como vizinhos, em Coloane, Kim Jong-nam, o irmão assassinado do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e um oficial do exército chinês, que desapareceu de um dia para o outro depois de Xi Jinping ter lançado a campanha anti-corrupção no país.
Um passeio pela lusofonia
Na Índia, mais precisamente em Goa, o jornalista sueco começou a sua jornada lusófona. Ali quis entender “o motivo pelo qual Goa se tornou a pérola do Império Português”. “Se ainda me sobrar tempo, também quero investigar o que levou os portugueses a permanecerem na Índia durante mais de 450 anos, ao passo que os britânicos foram forçados a deixar o país apenas passados 150”, escreveu no início do capítulo.
Em Moçambique, por exemplo, Henrik Brandão Jönsson entrevistou desde prostitutas a Mia Couto. “Aprendi muito com Åsne Seierstad, que escreveu ‘O Livreiro de Cabul’. Na obra fica muito claro que ela é uma branca de olhos azuis que mora em Cabul, e o livro incorpora isso. Eu quis fazer a mesma coisa: eu sou um sueco mimado, de olhos azuis, que estava vendo as coisas de uma determinada maneira. Eu sempre quis que isso ficasse muito claro”, refere o jornalista que atribuiu ao país o pecado da luxúria.
Timor-Leste, considerou o autor, foi o país em que mais dificuldade teve para atribuir um pecado mortal, talvez porque “é um país muito simpático, muito humilde”. E como é que a soberba cabe então aqui? “Você não poderia pensar em pôr soberba em um país com 1,2 milhões de pessoas. Mas eles têm um mito por lá: eles acham que são o povo do crocodilo, porque eles querem se sentir melhores do que a Indonésia. Eles querem se diferenciar porque são cristãos, querem mostrar que são mais fortes do que a Indonésia”, explicou ao autor durante a apresentação do livro na Casa Mombak, em Lisboa.
Em Angola, a ira. Henrik Brandão Jönsson conversou, entre outros, com o Luaty Beirão. “Eu era tão mimado que nem me apercebi do tipo de país em que Angola se tinha tornado. Vivia na minha pequena bolha”, conta o activista político que ainda explica: “Temos um problema em Angola: sempre que algo acontece, somos rápidos a mobilizar-nos. Há sempre o cheiro a revolução no ar, vamos mudar o país! Mas logo no encontro seguinte, aparece menos gente. A nossa resistência é como uma erecção matinal: nasce com toda a força mas, assim que alguém vai mijar, desaparece”.
Já no capítulo dedicado ao Brasil, país onde o autor de 52 anos reside há 20 anos, a associação com a preguiça é feita em forma de crítica social, fazendo alusão à escravatura e à pouca vontade de efectuar certos trabalhos ou profissões. “Sou do país da IKEA, onde temos por hábito fazer tudo sozinhos. Infelizmente, no Brasil ainda tem isso de deixar o outro fazer. Mas é claro que há quem trabalhe muito, como as pessoas que moram nos subúrbios e acordam às 4h30 para apanhar o comboio e ir para o trabalho”, constata.
A exaltação do passado
Em relação a Portugal, num capítulo em que escalpeliza aquilo a que chama de “complexo de inferioridade português”, o autor sueco lembra o filósofo José Gil. “Ele fala que inveja em Portugal não é um sentimento, é um sistema. Isso, claro, é uma provocação”, assume o autor que critica o facto de os portugueses estarem sempre a falar das glórias do passado, esquecendo os momentos negros da história. “Quem inventou o tráfico transatlântico de escravos foram os portugueses. Claro, existiam muitos escravos antes, como no Egipto ou noutros lugares, mas essa coisa de fazer negócio em larga escala com a escravidão, isso foram os portugueses”, acusa.
Ainda assim, apesar das críticas, o livro coloca a nu muitos pontos de contacto positivos entre Portugal e os territórios ultramarinos anteriormente ocupados. “O livro é uma declaração de amor ao mundo lusófono, não estou só a criticar. Como sou sueco e não tenho nada a ver com o mundo lusófono, posso criticar e elogiar. Se fosse um português a escrever sobre a mesma coisa, poderia acontecer de pender mais para o elogio ou para a crítica. Mas, como tenho um olhar de fora, consigo avaliar como jornalista aquilo que é bom ou mau”, conclui.
Correspondente do jornal Dagens Nyheter na América Latina, Henrik Brandão Jönsson vive desde 2002 no Rio de Janeiro. Antes de se fixar no Brasil, o jornalista passou ainda por Portugal e por Cabo Verde. Em 2011, ganhou o prémio da televisão sueca pelo melhor programa de investigação e foi indicado para o Grande Prémio de Jornalismo Sueco pelo documentário “A Royal Nazi Secret”. “Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa” é seu primeiro livro traduzido para português.
PONTO FINAL