Abre, fecha. Presencial, online. A pandemia de Covid-19 tem, desde há ano e meio, sido um desafio para as escolas de Macau. Políticas restritivas decretadas pelas autoridades estão a colocar em risco a socialização e a aprendizagem das crianças e adolescentes do território.
O PONTO FINAL falou com pais e encarregados de educação, mas também com professores e profissionais que lidam de perto com o sector da Educação. Uma coisa os une: o abre e fecha constante das escolas cria muita instabilidade.
Marisa Peixoto, educadora de infância e directora do Jardim de Infância Dom José da Costa Nunes (JIDJCN), mostra-se preocupada com a abordagem das autoridades face ao aparecimento de novos casos de infecção por SARS-CoV-2 na sociedade. “Quando tudo indicava que íamos arrancar o ano lectivo ‘normalmente’, respeitando as directrizes dos Serviços de Saúde e da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ), aparecem estes novos casos e tivemos de fechar”, notou a educadora.
Para Marisa Peixoto, as crianças nos jardins de infância, com idades dos três aos seis precisam estar juntos. “Sendo que a socialização e o brincar são das coisas mais importantes nesta faixa etária, com o fecho das escolas por tempo indeterminado ou com interrupções, as crianças vão ficar prejudicadas.”
Por outro lado, a directora do JIDJCN considera que o problema continua em casa, uma vez que “para os pais, que continuam a trabalhar, também esta situação é preocupante, pois não conseguem proporcionar aos filhos o acompanhamento desejado”.
Não existe, a seu ver um ponto positivo nestas incertezas devido à pandemia. “Para as crianças que ingressaram somente este ano no JIDJCN, e ainda em adaptação, é muito confuso irem duas ou três semanas, e quando estavam a ficar adaptadas, ficam em casa. Também para as educadoras é um pouco confuso e frustrante”, remata.
O impacto na saúde mental e emocional das crianças
A mãe e encarregada de educação Sara Santos Silva fala em adaptações, por forma a encontrar soluções para lidar com a Covid-19. “Gostaria, e como eu, estou certa de que outras mães, pais e cuidadores, era que olhássemos além-fronteiras, nos actualizássemos e adaptássemos, no sentido de encontrar uma forma de lidar com a Covid-19, ao invés de concentrarmos esforços indizíveis numa política zero casos que considero insustentável.”
Para Sara, “manter as escolhas fechadas” parece “uma decisão absolutamente desproporcional face ao contexto epidémico em Macau”. Mas Sara, apesar de imbuída de pensamentos positivos, têm dúvidas sobre os procedimentos que as autoridades têm vindo a tomar. “Temos sempre tendência para acreditar que as crianças são, por defeito, resilientes e que se adaptam a tudo, mas até que ponto será assim?”, deixa no ar a pergunta e uma sugestão. “Na minha opinião, se esta é a forma que o Governo de Macau adopta sucessivamente para lidar com os chamados surtos de Covid-19 na cidade, então acredito que é indispensável que peça a uma entidade externa e imparcial um estudo do impacto que estas medidas têm na saúde mental e emocional das nossas crianças, de forma a que pelo menos sejamos conhecedores dos efeitos das medidas tomadas. A infância não se repete e a escola é onde tem lugar a experiência social de maior impacto na vida das crianças. Esta experiência é essencial para o seu desenvolvimento e bem-estar”, concluiu.
Eleazar Sin tem um filho que frequenta uma creche. A chinesa revelou ao PONTO FINAL que “fechar a creche foi a decisão correcta porque uma criança não é tão cuidadosa quanto um adulto na prevenção do vírus lavando mais as mãos ou mantendo distância social”.
Mas no seu caso concreto esse encerramento tornou-se um inferno. “Não tenho outro familiar que me possa apoiar, ajudando-me a cuidar do meu filho durante o período de interrupção, por isso sugiro aos empregadores que promovam algumas medidas amigáveis no sentido de ajudar os trabalhadores mais afectados com a situação. Não considero que escola fechada seja mau para as crianças, mas é um mau para os pais que não têm apoio.”
“Um desafio, para eles e para nós”
Educar em tempos de pandemia? A própria pergunta é um desafio, considera a advogada Helena Nazaré. “É um desafio ter três filhos em tempo de pandemia, todos em idade escolar, todos com aulas online, todos em níveis diferentes, com professores diferentes, com exigências diferenças”, referiu ao nosso jornal.
Para a causídica, “à primeira vista as aulas online são um desafio maior para os pais do que para os filhos”. “Vivemos no constante dilema de tentar que os nossos filhos prestem atenção, aprendam, não sofram distrações, tudo em casa, com os irmãos e com toda uma vida a acontecer em paralelo”, considerou.
Por outro lado, constata, há a sorte de em Macau haver a possibilidade de, quem pode, ter uma empregada a tempo inteiro. Mas é fácil? “Não é, e exige tempo e paciência da parte dos pais e de quem passa grande parte do dia com eles. No nosso caso temos três filhos, dois no jardim de infância e uma no segundo ano. É um desafio, para eles e para nós. Não posso deixar de reconhecer mérito aos professores, que têm uma paciência infindável, mesmo quando os alunos já há muito não os estão a ouvir”, assume a portuguesa.
Para Helena Nazaré, todo o ambiente que vivemos, bem como as circunstâncias que dele resultam, acaba por ser um desafio. “Nunca sabemos o dia de amanhã, nunca sabemos se amanhã o nosso prédio estará numa zona amarela ou vermelha, ou se seremos conduzidos a uma infindável quarentena”, nota.
E a advogada conta uma de muitas histórias pelas quais tem passado nos últimos tempos. “Já aconteceu ter os miúdos prontos, lanches prontos, almoços prontos e receber uma mensagem a dizer que não haveria aulas sine die. E depois é o responder a todos os porquês de crianças de cinco e seis anos. Porque é que isto é assim? O que é a quarentena? Porque não podemos estar com os nossos avós? A estes porquês tentamos responder, muitas vezes com frases feitas, outras vezes sem qualquer resposta. É um desafio, temos aprendido muito, temos superado muitos obstáculos, temos sobrevivido”, refere ainda.
“Nada se compara ao convívio entre pares e ao ensino presencial”
Pedro Lobo mostra-se compreensivo em relação às decisões do Governo nesta altura, embora, admite, “se tenha sentido um pouco de hesitação”. “Com a situação actual, julgo ter sido a melhor opção. O retomar das actividades lectivas na segunda-feira foi, julgo eu, extemporânea pois teria sido preferível manter essa suspensão mais uns dias, por segurança e estabilidade da situação epidemiológica. Tal como se veio a verificar. Em especial por causa dos alunos transfronteiriços” começou por afirmar ao nosso jornal.
Contudo, o professor assume que “este pára, recomeça, pára novamente”, “cria muita instabilidade nos alunos pois não sabem muito bem quando voltarão à escola”. Pedro Lobo, para defender aos alunos, sente que “teria sido preferível estender um pouco a suspensão das aulas, em vez de termos esta instabilidade”. “É óbvio que nada se compara ao convívio entre pares e ao ensino presencial. Mas as crianças também sentem a pressão do que se passa à sua volta, a apreensão que se vive na sociedade, e isso pode causar grande ansiedade neles. E, na actual situação, será preferível avançar, temporariamente, com o ensino online, desde que devidamente ponderado e com orientações claras de como devemos proceder”, defende o docente.
Como encarregado de educação, Pedro Lobo teme que o convívio entre os jovens saia prejudicado “pois passam a ter como meio de comunicação apenas as “novas tecnologias”. “E isso não é nada bom”, constata. “A sociedade, presente e futura, assenta no relacionamento humano e esse só é eficaz com a convivência humana. Já no retorno às aulas após o primeiro confinamento, sentiu-se a instabilidade nas crianças e jovens. Muitos ficaram retraídos e fechados. Temo que o mesmo venha a acontecer novamente, não só por estarmos nesta ‘redoma dourada’ há 20 meses, mas por sentirmos que ainda não há uma luz ao fundo deste longo túnel negro”, desabafa.
Ainda assim, apesar do “longo túnel negro”, o português tem esperança. “Esperança que com toda esta instabilidade, haja uma maior consciencialização da sociedade e que a vacinação realmente avance para os níveis que todos desejam. E os jovens são os primeiros a aderir. Falo pelo meu filho de 13 anos que já está vacinado com a segunda dose e a iniciativa de se vacinar partiu dele”, revela.
“Está-se a criar uma geração sedentária e de viciados em videojogos”.
Paulo Barbosa tem um filho no ensino primário e outro no infantário. Recorrentemente, nas redes sociais, tem mostrado preocupação com a forma como as autoridades têm lidado com a pandemia. Ao PONTO FINAL, o jornalista desabafa e fala em “desastre pedagógico”. “Com esta estratégia de casos zero a todo o custo há uma enorme probabilidade de constantes paragens neste ano escolar e estou muito preocupado, especialmente no caso do meu filho mais velho. Há dois anos, o segundo ano dele esteve parado quase cinco meses e foi, na prática, um desastre pedagógico, com pouco acompanhamento por parte da escola, que só implementou aulas online”, explicou.
O português continua o desforço. “Ele esteve meses parado em casa e desnecessariamente. Com as fronteiras fechadas nessa altura, não havia nenhuma razão sanitária para ter que parar a escola e acho que o resultado se não tivessem parado teria sido provavelmente o mesmo”, constata, defendendo que “havia apenas que acautelar a situação dos alunos que vivem do outro lado da fronteira”.
Como resultado desta longa paragem, afirma Paulo Barbosa, “creio que houve alunos com mais dificuldades que começaram a perder o comboio”. “Sei de uma criança da turma do meu filho que chumbou no terceiro ano. Agora o meu filho mais velho está no quarto ano e arrisca-se a mais um ano assim, ou pior. Isto dá cabo da escolaridade das crianças numa fase essencial de primeiras aprendizagens e criação de hábitos de trabalho. Se uma criança não sai do quarto ano a saber ler, interpretar textos e fazer contas, já está a ir coxa para o secundário”, refere, questionando: “E o que querem que façam em casa se avisam que até é melhor não irem ao parque apanhar ar fresco? Está-se a criar uma geração sedentária e de viciados em videojogos”.
Paulo Barbosa também aproveita a conversa com o nosso jornal para lançar uma sugestão. Sugere à DSEDJ que as escolas tenham mais flexibilidade para mudar o calendário que estabeleceram à partida. “As aulas online não substituem de forma alguma as presenciais, especialmente no caso dos alunos mais novos. O calendário não pode ser rígido, porque isto não são anos escolares normais.”
Momento é complicado, mas precisa-se resiliência
Para o psicólogo Vítor Santos Teixeira, a mudança do regime de ensino do online para o presencial, e vice-versa, afecta a socialização e a aprendizagem. “Sim, afecta, claro. Não é preciso ter um doutoramento em psicologia para saber que estar em casa, privado do contacto com colegas, amigos e professores é pior do que ir à escola, estar na aula a ouvir o professor, e poder ir aos recreios, afinal de contas o melhor de ir à escola”, assumiu o psicólogo, director do departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências Sociais e Educação da Universidade de São José (USJ).
O académico, sem querer se repetir em lugares comuns, reiterou ao nosso jornal que a situação é complicada “e afecta crianças e adolescentes”. “Aliás, é preocupante perceber que muito provavelmente as consequências ao nível da saúde mental da população podem bem ser muito piores do que as consequências do vírus em si. Mas isso só o tempo o irá demonstrar”, admitiu Vítor Santos Teixeira.
O psicólogo acaba por esclarecer ao nosso jornal dois pontos de vista onde, possivelmente, possa trazer algo de novo.
“A importância da previsibilidade e em se estar preparado para lidar com a adversidade. A nossa vida é feita de rotinas, de ciclos. E a previsibilidade que esses ciclos nos trazem, dão-nos uma fantástica sensação de segurança. Mas nem sempre é assim, às vezes acontecem coisas, por exemplo um vírus, e as coisas não são assim tão previsíveis. E isso é uma adversidade. Como estamos preparados, como preparamos as nossas crianças para lidar com a adversidade? A isso se chama resiliência. Estamos a criar crianças resilientes e preparadas para lidar com a adversidade? Os nossos co-residentes filipinos aqui de Macau poderiam dar uns workshops de resiliência”, refere o professor da USJ.
Por outro lado, o especialista lembra que temos sempre a possibilidade de decidir como encarar a coisa. “Queremos fazer disto um drama e nos colocarmos no papel de vítimas de um Deus qualquer, o destino ou qualquer conjugação cósmica? Sim, podemos. Mas também podemos decidir não o fazer”, admite Vítor Santos Teixeira, defendendo que “se calhar pode ser uma oportunidade de repensar no que realmente importa e redefinir os nossos sentidos de vida”.
Em jeito de conclusão, o psicólogo educacional reitera que o momento pelo qual passamos não é fácil e, sim, isto afecta e não é bom. “Mas estamos todos juntos, mais ou menos nas mesmas circunstâncias, em segurança a tantos níveis. Faremos todos o nosso melhor – os professores que têm que ajustar planos e inventar estratégias para motivar os alunos a trabalhar a partir de casa, os pais que têm que os aturar, organizar a sua vida e arranjar soluções para todos os pormenores da vida, a empregada doméstica que tem que fazer o papel de mãe e de pai de filhos que não são seus, e as crianças que têm que se privar de jogar à bola nos recreios ou de fazer tropelias ao professor”, rematou.