“De pequenino é que se torce o pepino”. Embora pareça uma expressão sem muita lógica, ela faz todo o sentido, principalmente para quem se dedica ao cultivo de pepinos e sabe que desde cedo, durante o crescimento das plantas, é preciso torcer algumas partes da planta para garantir um bom resultado final na produção. Também connosco, quanto mais cedo somos expostos a determinados tópicos, mais fácil se torna a sua compreensão na nossa vida futura. Isto é válido e particularmente relevante para o caso da microbiologia, visto que esta é um tópico de presença constante nas nossas vidas e muitas vezes de grande impacto. Quanto melhor a entendermos, melhor nos entendemos a nós próprios e ao ambiente que nos rodeia, e melhor preparados ficamos para lidar com situações como a actual pandemia.
No caso da microbiologia, uma das barreiras no completo entendimento desta área é o facto de ela tratar de seres que são para nós (de forma geral) invisíveis. Isto explica porque não temos, na maioria das vezes, percepção da vida microbiológica que nos rodeia e que vive em nós. Ficamos um pouco mais cientes quando temos alguma infeção, mas acabamos por criar facilmente associações negativas com os micróbios, esquecendo-nos do quão úteis e imprescindíveis eles são nas nossas vidas. É por isso muito importante aumentarmos os níveis de literacia relativa à microbiologia, para com isso facilitar as nossas vidas, o bem-estar do nosso planeta, e as decisões a nível político e governamental.
Como acontece com todos os tópicos, os assuntos tornam-se interessantes se forem apresentados de formas que captem a nossa atenção e interesse. Se criarmos uma maior proximidade e percepção da microbiologia, evitamos equívocos e interpretações erradas sobre o mundo microbiológico. Há várias formas de promovermos uma consciencialização microbiológica desde cedo.
Muitos dos conceitos de microbiologia parecem complexos, mas muitas vezes apenas porque não estamos familiarizados com eles. Se desde cedo nos habituarmos a falar de microbiologia e a incluir a microbiologia como tópico de conversas, de brincadeiras, de livros, de jogos, …, todos os “difíceis” conceitos ficam mais comuns e fáceis de entender. Desenvolver experiências visuais, olfactivas, e tácteis contribui para uma mais fácil interacção com o mundo microbiano. Decidi por isso apresentar-vos hoje algumas formas de promover a microbiologia na vida das crianças, na nossa vida e das nossas famílias.
Sugestões
Entre variados livros sobre a microbiologia dirigidos ao público mais novo, temos várias boas opções, algumas por enquanto apenas disponíveis em inglês. 1. “Do not lick this book”, um livro de Idan Ben-Barak, com ilustrações de Julian Frost (o criador do jogo “Dumb ways to die”), é recomendado para idades entre os quatro e os oito anos. O livro apresenta-nos micróbios como personagens e conta as suas histórias de forma bem divertida, interactiva e fácil de entender. 2. “Minúsculos – O Mundo Invisível dos Micróbios”, de Nicola Davies, com ilustrações de Emily Sutton, recomendado para idades entre os cinco e os oito anos. Este é um livro com uma forte componente visual, com imagens e ilustrações dos micróbios que nos rodeiam. 3. “It’s catching: The infectious world of germs and microbes”, é um livro de Jennifer Gardy, com ilustrações divertidas de Josh Holinaty, recomendado para idades entre os oito e os 12 anos, e que fala de doenças comuns como a gripe e outras infecções como a causada pelo vírus ébola. 4. “O Micróbio Indeciso”, de Liliana Ferreira e Douglas Jardim Messeder, conta a história do Espirulito e da sua viagem pela Microlândia. É um livro recomendado para idades superiores a sete anos.
Também nos jogos de tabuleiro encontramos algumas opções bem divertidas, mas mais uma vez com algumas destas opções apenas disponíveis em inglês. 1. “Pandemic”, é um jogo para dois a quarto jogadores, para idades superiores a oito anos, em que os jogadores são especialistas que lutam contra infeções e têm como objectivo tratar infecções e encontrar as respectivas curas. É um jogo muito divertido, para jogar com a família ou amigos, que nos mostra um pouco do mundo da infecciologia e dos diferentes cargos e profissões envolvidas. Já ganhou vários prémios e existem várias versões e expansões no mercado. Este jogo insere-se de forma perfeita no nosso mundo actual. 2. “Cytosis”, é outro jogo divertido para dois a cinco jogadores, focado em biologia celular, e indicado para idades superiores a 10 anos. Neste jogo os jogadores têm que gerir recursos e acções dentro de uma célula, contribuindo para uma maior percepção dos componentes celulares.
Outra sugestão alternativa está relacionada com experiências e exposição mais directa à microbiologia. Para os mais pequeninos, brincar com peluches em forma de micróbios é uma forma muito divertida de o fazer. A empresa “Giant Microbes” (www.giantmicrobes.com) criou vários formatos e tamanhos para os mais variados micróbios, desde bactérias, vírus e fungos. Uma delícia para as crianças, e não só. Também podemos, junto com os mais pequenos, “pôr a mão na massa” e fazer várias experiências microbiológicas, por exemplo com a ajuda do livro “Microbes: Discover an Unseen World (Build It Yourself)”, de Christine Burillo-Kirch com ilustrações de Tom Casteel, recomendado para idades entre os nove e os 12 anos. Mas há também outras opções alternativas fáceis de encontrar hoje em dia. 1. Microscópios, alguns até bem pequenos e portáteis, a preços muito acessíveis para nos ajudar a explorar o mundo. 2. Kits para crescer micróbios, em que os mais pequenos se podem sentir como autênticos microbiólogos e usar toda uma parafernália de materiais científicos, desde placas de Petri, pipetas de Pasteur, tubos de ensaio, …
É também possível ter interacções directas com cientistas e assim diminuir a distância com a ciência e ter acesso a investigação microbiológica. Isto é o que o “Frontiers for young minds” (https://kids.frontiersin.org/) proporciona (também apenas em inglês). Neste site encontram-se artigos científicos de microbiologia e das mais variadas áreas da ciência, escritos por cientistas para um público mais jovem (crianças e adolescentes) e editados e revistos por esse mesmo público para garantir que o texto é de fácil compreensão. Os jovens revisores participam nestas publicações normalmente através das escolas que usam muitas vezes os artigos disponíveis nas diversas aulas. Mas esta é sem dúvida uma excelente fonte de informação científica explicada de forma acessível.
Também nas escolas se podem desenvolver programas com estratégias de exposição aos processos microbianos através de por exemplo, excursões. Estas podem-se focar na alimentação (um tópico muito apreciado por todos); agricultura, horticultura e aquicultura; saúde e medicina; meio ambiente e biotecnologia. E, embora seja difícil ter acesso a determinados locais, sítios como mercados, armazéns locais de alimentos, estações de tratamento de águas residuais, campos hortícolas, entre muito outros são opções fáceis de gerir e que podem gerar oportunidades excelentes para explorar a microbiologia.
Estes foram só alguns exemplos, existe muito mais por explorar e ainda mais por contar.
Marta Filipa Simões
Cientista